A artista plástica paraense Berna Reale faz
sucesso por todo o Brasil. Constantemente premiada pelos concursos de artes e
chamada para conceder entrevistas à programas de Televisão e de Rádio, Berna
não tem tempo para mais nada, ou quase nada. Sua agenda é cheia e sua vida é
considerada uma “loucura”, já que tem que conciliar as artes plásticas com o
seu trabalho oficial, que é o de perita criminal do Centro de Perícias do
Estado do Pará.
Dois trabalhos totalmente distintos? Ela
diz que não. Pelo menos, Berna consegue conviver entre a violência e as artes. Ela
conta que seu trabalho de perita criminal repercute em seu trabalho de artista
plástica. Suas performances são pensadas com o objetivo de criar um ruído
provocador de reflexão. “Eu já tinha um trabalho voltado para a questão da
violência, mas eu sinto que ele se intensificou depois que me tornei perita
criminal”, garante a artista.
Ano passado foi ainda mais singular
para a vida de Berna Reale. Além de desenvolver novos projetos, ela teve a
surpresa de ser convidada para representar o Brasil, com mais dois artistas, no
pavilhão brasileiro, em Veneza, na Itália. “Isso, realmente é uma coisa que
jamais tinha passado pela minha cabeça. Eu geralmente só sonho com aquilo que
eu acho que é possível de alcançar”, revela Berna, que mostrou um resumo de
todos os seus trabalhos para os italianos. “Eu trato de questões
contemporâneas, do dia a dia”, define a artista, que recentemente venceu a 5ª
edição do Prêmio Marcantonio Vilaça para as Artes Plásticas.
Trabalhos
de repercussão internacional
O trabalho de maior repercussão de Berna
Reale, até o momento, é onde ela mesma aparece sendo carregada por dois homens como
se você uma peça de carne. Ela é retirada de um carro frigorífico e exposta
pelas ruas de Belém como se fosse um pedaço de carne pendurada. “A reação do
público foi a mais diversa possível. Alguns sentiram pena, outros ligaram para
a polícia”, revela Berna. E a própria Polícia Militar já chegou a abordar o
ato, pensando em se tratar de uma mulher morta sendo carregada. “As pessoas
ficaram mais preocupadas com a condição da mulher, dizendo tadinha, em vez de
pensarem que ela estivesse passando por tortura”, indignou-se Berna.
Outra obra que chama atenção das pessoas
foi apresentada no centro de Belém. A própria artista aparece nua, deitada numa
mesa colocada no mercado do Ver-o-Peso. O detalhe é que Berna está coberta de vísceras
com diversos urubus sobrevoando ao seu redor. “Queria mostrar o ser humano
servido ali. Não é só mostrar a morte, é mostrar que a violência nos coloca num
banquete. Você vai para rua e não sabe se vai voltar para casa”, disse artista.
A ideia principal da perita-artista é
mostrar a indiferença das pessoas diante de coisas que chocam. Segundo ela, tudo
em seu trabalho é pensado, nada é colocado em vão. É realmente para mexer com a
sociedade. “Tem que ser planejado pra passar o que eu quero. Não apareço nua à
toa nas minhas obras. O corpo é um elemento do meu trabalho e tento dialogar
com meu trabalho”, ressalta Berna Reale.
A perita gosta que seu público questione
seu trabalho artístico. “Não adianta pensar que a arte é capaz de mudar muita
coisa, porque infelizmente não é. Ela chega a um restrito número de pessoas.
Ela não tem a abrangência que a gente gostaria de ter. Isso é uma ilusão. Mas
quanto mais você tem oportunidade de mostrar seu trabalho para um número maior
de pessoas, claro que a possibilidade de você transformar alguma coisa ou
alguém, por meio do que você faz, é maior”, afirma Berna Reale.
Trabalho
de perita é um aprendizado
Berna Reale aproveita tudo que vê nas
ruas quando está trabalhando de perita criminal.
Ele abrange de tudo: brigas de casais,
desavenças de vizinhos, problemas com pessoas alcoólatras, homicídio e etc. Berna
conta que se acostumou com o serviço. Ela não se choca quando vê uma pessoa
morta. “Quem aciona o perito é o delegado. Eu já chego depois da polícia. Fico
muito concentrada com o trabalho. Mas eu me choco mais quando leio uma carta de
alguém que se suicidou, por exemplo”, disse.
Berna conta ainda que antes de se tornar
perita criminal, se formou em artes plásticas. Um fato fez com que ela fosse “chamada”
para a área policial: um trabalho solicitado pelo curador do Arte Pará,
concurso que reúne artistas de todo os Brasil. “Ele pediu pra pensar numa
instalação pra dentro de um mercado. Pensei em um mercado de carne. Vou
fotografar cadáver. Vou colocar dentro do mercado de carne vísceras humanas,
porque o mercado é um lugar de fartura, violência, miséria, prostituição. Fui
ao IML para fotografar e fui gostando da ideia”, conta a perita-artista.
Curriculum
vitorioso e cheio de prêmios
Berna estudou arte na Universidade Federal
do Pará e participou de diversas exposições individuais e coletivas no Brasil e
na Europa, como a Bienal de Cerveira (Portugal, 2005) e a Bienal de Fotografia
de Liege (Bélgica, 2006), além da exposição “Amazônia – Ciclos da Modernidade”,
no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro, RJ, 2012).
Recebeu o grande prêmio do Salão Arte
Pará, em Belém (PA, 2009), e foi selecionada para o “Rumos Visuais – Itaú
Cultural” (2012-2013); participou da exposição “From the margin to the edge”,
Somerset House, Londres (RU, 2012), “Boletim”, Galeria Millan, São Paulo (SP,
2013), “Vazio de nós”, Museu de Arte do Rio de Janeiro (RJ, 2013), “Cães sem
Plumas”, Galeria Nara Roesler, RIo de Janeiro (RJ, 2013), “Arquivo Vivo”, Paço
das Artes, São Paulo (SP, 2013) e da I Bienal de Fotografia MASP- Pirelli, São
Paulo (SP, 2013).
* Reportagem Celso Freire/Revista Pará Mais
Fotos Arquivo Pessoal