Ribeirinhos expulsos por Belo Monte apresentam lista de moradores que devem voltar ao Xingu





O relatório é a documentação de semanas de trabalho do Conselho Ribeirinho (Foto: Lilo Clareto/Arquivo Pessoal)


Dezenas de famílias de ribeirinhos que tiveram suas histórias bruscamente interrompidas pela construção da usina de Belo Monte, no Xingu, travam uma batalha desde 2015 para terem voz e direitos reconhecidas no processo de licenciamento da hidrelétrica, que se instalou ignorando e tornando invisíveis as comunidades mais características de qualquer rio amazônico. A batalha tem momentos definitivos esta semana, em Altamira, quando o documento chamado de Relatório de Reconhecimento Social, elaborado pelos próprios ribeirinhos como resultado de um processo de identificação comunitária, vai ser debatido com o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) e a Norte Energia.

O relatório é a documentação de semanas de trabalho do Conselho Ribeirinho e foi escrito pelo grupo de apoio interinstitucional que apoia os ribeirinhos. O Conselho foi criado por recomendação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que foi chamada a auxiliar na solução de conflitos gerados desde que coube à Norte Energia dizer o que é um ribeirinho e definir a área para ocupação nas margens do reservatório da usina. Reunindo 26 representantes de 13 localidades do Xingu, tinha a tarefa de identificar, de acordo com critérios dos próprios ribeirinhos, e segundo o conhecimento que apenas os veteranos do beiradão detém, quem eram os moradores tradicionais que deveriam ter os direitos reconhecidos e o retorno ao rio assegurado.

Entre janeiro e fevereiro de 2017, em Altamira, o conselho se reuniu sete vezes para narrar e registrar as histórias das pessoas que, antes de Belo Monte, viviam nas localidades do Palhal, Cotovelo, Paratizinho, Trindade, Paratizão, Arroz Cru, Costa Júnior, Bacabal, Meranda, Pedão, Arapujá, Bom Jardim e Poção. A maior parte desses lugares foi engolida pelas águas da hidrelétrica, mas os moradores lutam para reconstruir a vida que sempre levaram e, para isso, fizeram um esforço de reconstituição das memórias e dos significados de viver como um ribeirinho.

“O ribeirinho tem uma história, ele tem um tempo de moradia no local, ele tem vizinhança, ele tem comunidade. Porque ribeirinho é família. O ribeirinho não vive sozinho. O ribeirinho não é só pescador. Ele é uma mistura. De pescador com agricultor, criador, caçador e extrativista. Ele vive na comunidade. E é na comunidade que ele divide a comida. E a comida ela não é comprada. É o peixe, é a caça, é a farinha, é a fruta do mato”, diz o documento que vai ser apresentado ao Ibama. “Ribeirinho tem história. Tem uma vida no rio. Um tempo prolongado no local. O que define o ribeirinho é a sua história, e não a casa ou o fato de estar na ilha num certo dia. A vida do ribeirinho é o rio”, conclui.

A partir das narrativas, com o apoio de pesquisadores e também com base em estudo produzido pela SBPC, o Conselho chegou a uma lista de moradores tradicionais que precisam ser reconhecidos pelo órgão licenciador de Belo Monte e pela empresa dona da usina. Da lista, alguns moradores já estão reassentados, muitos foram reassentados em áreas que não permitem a continuidade de modo de vida e outros foram completamente ignorados e vivem numa situação de marginalidade em Altamira. Há vários casos de pessoas que não têm nenhuma relação com o modo de vida ribeirinho mas que foram reconhecidas pela Norte Energia, em razão das limitações de seu cadastro, que não tem elementos para efetivamente identificar quem eram os moradores tradicionais do beiradão. Com isso, corre-se o risco de as margens do reservatório de Belo Monte serem ocupadas por pessoas que não têm um modo de vida sustentável.

“Esse processo de reconhecimento social, portanto, deixou evidente que apenas o ribeirinho pode permanecer nas áreas de preservação do reservatório. Ensinou que o respeito pela natureza é, antes, uma necessidade de quem tira tudo da terra e do rio e faz parte de um modo de vida daquele que, nascido e criado no beiradão, detém o conhecimento para sobreviver de um modo sustentável”, diz a procuradora da República Thais Santi na introdução do relatório que será debatido com o Ibama e a Nesa nesta quarta-feira, 22 de março.


As reuniões de reconhecimento foram acompanhadas pela Defensoria Pública da União, Universidade Federal do Pará, Instituto Socioambiental, Movimento Xingu Vivo para Sempre, pelo MPF e pelo Ibama.