A vacina ideal para a Covid 19 é aquela que esteja disponível o mais rápido possível, diz pesquisador membro da Academia Paraense de Biomedicina

 

 

Professor Eduardo José Melo dos Santos

O professor e pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA) Eduardo José Melo dos Santos é enfático em suas palavras: As pessoas não devem ter medo de tomar a vacina contra a Covid 19. Segundo biomédico e geneticista, as fases de testes são rigorosas e focadas na segurança da vacina.

 O pesquisador alerta ainda para o uso de medicamentos que não possuem eficácia comprovada para combater o coronavírus, como a cloroquina, por exemplo.

O professor Eduardo dos Santos, que é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários e membro da Academia Paraense de Biomedicina, está desde o início da pandemia do novo coronavírus, integrando um grupo de pesquisadores de todo o Brasil. 

Confira a entrevista concedida ao jornalista Celso Freire:

 Professor Eduardo, as vacinas são seguras? 

Sim! Toda vacina pra ser usada tem que ter segurança e eficácia, ou seja, não fazer mal e imunizar a pessoa contra a doença, seja impedindo que ela tenha sintomas ou que desenvolva apenas sintomas leves. Ao serem criadas, as primeiras fases verificam muito rigorosamente se a vacina é segura.

 Por que as vacinas contra o coronavírus estão sendo feitas rapidamente?

 A forma mais clássica de fazer vacina contra vírus é criar o vírus em uma cultura de células, depois inativar ele com produtos químicos ou calor para que ele não possa causar a doença, e usar isso para imunizar as pessoas. Porém com o tempo usou-se outras estratégias que pegam apenas uma parte de uma proteína do vírus e usa essa parte como imunizante. 

Todas estas estratégias foram aperfeiçoadas e automatizadas com o tempo e agora, com a urgência da pandemia, várias indústrias farmacêuticas e governos injetaram dinheiro e priorizaram. Também os processos burocráticos foram acelerados. Tudo isso encurtou o tempo. Mas devemos lembrar, que no Brasil a Anvisa não está fazendo ainda o registro normal das vacinas, mas sim a aprovação do uso emergencial. Se fossemos esperar o registro normal ia demorar mais alguns meses.

 Qual a participação do Brasil na produção de vacinas e quais são elas?

 Uma participação baixa. O Brasil é um grande consumidor de tecnologia estrangeira, mas por sorte temos instituições como Fiocruz e Butantã. Eles fizeram parcerias com Inglaterra e China para ajudarem a desenvolver as vacinas e ter a tecnologia para produzir aqui. A mais adiantada é a Sinovac, da China. No segundo semestre começaremos a ter vacinas em maior quantidade com a tecnologia da Inglaterra.

 A grande vantagem delas é que podem ser conservadas em refrigerador e podem ser usadas com a mesma estrutura que já temos para vacinação para sarampo, gripe, etc. Outras vacinas, como a da Pfizer, precisam de freezer -70 e não temos como usar esta vacina no interior do Estado e populações ribeirinhas, quilombolas e indígenas. A UFPA fez um levantamento de quantos Freezers -70 temos em laboratórios de pesquisa e caso venham doses de vacinas como a da Pfizer ou outras podemos usa-los para armazenar, mas um quantitativo pequeno.

 Por que ainda não há uma comprovação de 100% de eficácia nas vacinas contra a Covid 19? 

Nenhuma vacina é 100% eficaz ou segura. Todos acompanharam a discussão sobre eficácia das vacinas no Brasil. Apesar de a capacidade delas de evitarem que as pessoas se infectem tenham algum sintoma das doenças ser variável, todas elas impedem em quase 100% que a pessoa vacinada tenha uma forma grave e precise ser hospitalizada ou morra. Ou seja, transformas a Covid-19 em uma doença fraca.

 


Quem pegou Covid 19 está imune, produz anticorpos?
 

O que se sabe é que: Nem todos os que se infectaram produzem anticorpos. Quando produzem, alguns produzem pouco e outros produzem muito. Algumas pessoas ficam com anticorpos circulando no sangue por menos de 4 meses, outros por mais tempo

 Quem pegou Covid 19 tem chance de pegar novamente, reinfectado? 

Há vários casos na literatura de reinfecção, ainda há muito o que se estudar para saber se foram casos isolados de pessoas que possuíam uma falha genética no seu sistema imune e não se imunizaram ou se realmente, depois de algum tempo pode reinfectar, quando a pessoa perde mais a imunidade. Não se sabe com certeza quanto tempo dura a imunidade de quem se infectou.

 Por que ocorre essa nova mutação do vírus? 

Todos nós temos nosso DNA sofrendo mutações constantemente. Os coronavírus também. Nosso material genético é o DNA, mas o do coronavírus é RNA, que sofre mutações mais frequentemente.  A maioria das doenças infecciosas, 65%, são acusadas por microrganismos que vem de animais. Ao infectar humanos é como uma doença completamente nova que não temos imunidade contra ela. O coronavírus é uma delas. Esse pulo do animal para humanos só aconteceu porque o vírus sofreu mutações e se tornou capaz de infectar pessoas. Com o tempo novas linhagens aparecem. Um bom exemplo é a Dengue, que tem quatro linhagens. Pegamos uma, nos imunizamos e depois pegamos outra.

 Quem pegou a Covid pode pegar também essa mutação? 

Recentemente isso foi descrito em uma mulher na Bahia, de 45 anos. Ela se infectou e teve uma doença leve no fim de maio de 2020 e depois se infectou com a linhagem nova e teve uma forma mais grave. Mas há outros casos também. Alguns estudos do ano passado sugeriram que a imunidade contra o coronavírus não é pra sempre. Dura no máximo um ano. Agora que estamos chegando a um ano do primeiro caso no Brasil, este ano de 2021 é que vamos poder ver se pessoas perdem a imunidade e adoecem de novo, ou não. Assim, este primeiro semestre é crítico. 

Devemos nos proteger ao máximo. A vacina não chegou e para a maioria não chegará até o segundo semestre. Se houver perda da imunidade muito se infectarão de novo e podem até ter uma forma mais grave. Com a nova variante do vírus isso pode acontecer mais provavelmente. Um bom exemplo, de novo, é a Dengue, que algumas pessoas desenvolvem a forma mais grave, a hemorrágica, na segunda ou terceira infecção.

Os cientistas já previram que mutações iriam ocorrer em breve. Por isso não adianta, por exemplo, culpar a variante pela situação de Manaus. Se pudermos culpar alguém, seriam os governantes e gestores de saúde que ignoraram os alertas da ciência.

 

Essa nova mutação é combatida com a atual vacina? 

Isso é uma grande preocupação. Maior ainda para vacinas como a da Oxford e Pfizer. Só saberemos com certeza após a vacina ser aplicada. Se houver casos de doença o vírus tem que ser sequenciado para saber se a variante de Manaus, ou outra, não é impedida pela vacina. Para isso o Brasil precisa investir muito e rapidamente na pesquisa genética para podermos ter esta avaliação rápida e precisa.

 Por que algumas pessoas desenvolvem mais sintomas do que outros? 

A genética de cada um é diferente. Outros fatores como idade e doenças como diabetes, obesidade e problemas de coagulação e do coração também fazem a pessoa ter formas mais graves. A maioria dos estudos identificou que mutações em genes da resposta imune e inflamação causam uma predisposição a formas graves. Estamos como muitos estudos em andamento sobre isso. Eu, particularmente tenho doze alunos de mestrado e doutorado com projetos de pesquisa pra entender esse fenômeno. Com sorte, em breve poderemos criar testes de laboratório para identificar se uma pessoa terá a forma grave ou não.

 Quais os principais sintomas do vírus da Covid 19? 

São muitos. Não é só uma pneumonia. Afetam o corpo todo. Existem sintomas respiratórios como tosse, falta de ar, coriza, garganta inflamada. Sintomas de coagulação graves, onde o sangue se coagula nos vasos do corpo todo. Sintomas neurológicos como perda de olfato e paladar. Sintomas gerais como febre, dor de cabeça, dor no corpo e, por fim, sintomas gastrointestinais, como vomito e diarreia.

 As reações às vacinas são normais? 

Como eu falei nenhuma vacina é 100% segura. As principais reações como mal-estar, dor no corpo, dor de cabeça são apenas causadas pelo fato do sistema imune estar reagindo. As mais graves são alérgicas, como choque anafilático e edema de glote. A vacina da Pfizer teve causou 11 choques anafiláticos por cada milhão de pessoas vacinadas. Para comparar e saber se isso é alto ou não, um estudo mostrou que anafilaxia ocorre em aproximadamente 1,6% da população isso é equivalente 16000 por milhão, mais de mil vezes a taxa encontrada na Pfizer.

 

A CoronaVac, por ser feita a partir de um vírus morto que não pode causar doença alguma, seria uma vacina mais segura do que as outras? 

A segurança de uma vacina significa não causar efeitos adversos, como alergia, que é o mais comum, e, é claro, doença. Todas as vacinas desenvolvidas são testadas rigorosamente e não causam doença ao se tomar. São mais seguras que, por exemplo alimentação, que causa alergia e mais pessoas, se não preparadas adequadamente, causam mais doenças infecciosas que qualquer vacina. As únicas vacinas que podem ter uma chance de causar doença em pessoas com deficiências de sistema imune são as de vírus atenuado, mas não é o caso das vacinas candidatas para uso no Brasil.

 A CoronaVac , criada por uma tecnologia mais antiga do que vacina da Pfizer, seria menos eficiente do que as outras que estão chegando por aí? 

A tecnologia da coronavac tem vantagens e desvantagens. Mas essa tecnologia é a que permitiu que uma das doenças mais mortais do mundo fosse eliminada, a varíola. A da Pfizer é inviável de ser distribuída. Primeiro ela não é produzida no Brasil e tem que ser importada. Ela tem que ser transportada a menos 70 graus. 

Um congelador comum só vai até -20. Assim o transporte dela para o Brasil fica mais caro. Depois temos que conseguir muitos Freezers -70, que são caríssimos e enormes e pesados. Ligar eles em geradores e botar em frotas de caminhões, barcos e aviões e mandar para quase seis mil municípios no Brasil. No pará temos 144 municípios, cada um com muitas cidades, por vezes com acesso muito difícil.

Fazer chegar em cada uma delas Freezers -70 é muito difícil e muito caro. Ainda precisaríamos de treinamento dos agentes de saúde para usar essa nova vacina.

As vacinas da coronavac e Oxford são facilmente preservadas em geladeira e podem usar o mesmo sistema de transporte e infraestrutura do sistema nacional de vacina, que já existe.

Ambas as vacinas evitam casos graves e morte. Mas em termos de eficiência em transporte e distribuição a da Pfizer perde feio.

 


Para ser aprovada, uma vacina precisaria ter acima de 50% de eficiência. Isso não é muito pouco? 

Eficácia de 50% que foi mostrada para a coronavac é a global. Mas chega a 70% para evitar casos moderados da doença e 100% para evitar casos graves e morte. Mas, como disse, com as novas variantes do vírus a eficácia de vacinas com a da Pfizer podem ser perdidas, mas a da coronavac não.

Eu vejo essa guerra de valores de eficácia como as campanhas eleitorais. As pesquisas eleitorais antes da eleição mostram, com um número apenas, qual candidato seria melhor. Aí a população, que não quer perder vota no de número maior.

Assim, se divulgarmos apenas o número da eficácia global induzimos uma reação negativa contra a vacina, a única que temos. O mesmo tipo de vacina que eliminou varíola e diminuiu a mortalidade de tantas outras doenças. Uma pesquisa que fiz há 20 anos mostrou que aquele cemitério fechado, o da soledade, foi aberto em 1850 por causa da primeira epidemia de cólera em Belém. A média de idade de pessoas enterradas lá era de 33 anos. Hoje essa média é maior que 60. A vacina contra cólera e os cuidados higiênicos foram os responsáveis por diminuir a mortalidade em muito nessas décadas. No mundo todo.

Não devemos ser manipulados por um único número. Se quisermos escolher um número devemos escolher a eficácia contra morte e gravidade da doença, que para todas foi 100%.

Lembrem -se que a maioria da população não tem acesso à saúde de qualidade e nem condições de se isolar por muito tempo. Uma vacina que evita mortes e a necessidade de se hospitalizar em 100% e que pode ser levada a todas as comunidades pobres do Brasil mais facilmente me parece melhor que uma que faz a mesma coisa mas é mais cara e só é acessível a pessoas ricas que moram em capitais com estrutura ou podem ir para lá se vacinar.


 

O que é imunidade coletiva ou “efeito rebanho”? 

Quando temos muitas pessoas imunes, mais de 60%, a chance do vírus se transmitir é mais baixa. Ouvi algumas pessoas dizendo que não vão se vacinar e que vão esperar todos se vacinarem para ficar protegido. As estimativas são que esse número de pessoas seja atingido, lá pro fim do ano, se tudo der certo.

Devemos lembrar que o objetivo ideal para proteger uma sociedade e eliminar a doença é um número de pessoas chegando a mais de 90%.

Senão a doença nunca vai embora. A varíola só conseguiu se eliminada após décadas de vacinação. O sarampo, que mata muito mais que a Covid já poderia ter sido eliminado por vacinação, mas a deficiência das campanhas de vacinação fez com que nos últimos anos tivéssemos 20 mil casos por ano. Se pararmos de vacinar e tivermos menos de 90% vacinados a doença volta rapidamente e com força. Devemos lembrar que a imunidade da vacina ainda é desconhecida e não sabemos se deveremos nos vacinar todo ano. Isso piora o quadro.

Se juntarmos com as variantes novas que podem não ser susceptíveis à vacina, imaginem o que pode acontecer. Teremos muito o que lutar, essa guerra para eliminar o coronavírus ainda está no começo e ele está ganhando de muito. A primeira arma que temos, o isolamento não está sendo muito eficiente no Brasil, principalmente pela interferência política.

A segunda arma esta apenas no começo agora e a política ameaça de novo o uso dela. Lutar contra o vírus e a desinformação propositadamente criada ao mesmo tempo fará esta guerra muito mais difícil de vencer.

 


Como saber se determinado grupo está respondendo bem à vacina? 

Só com alguns meses de monitoramento. Após a vacina, uma coisa muito importante é um sistema de monitoramento de vacinados que tiveram reinfecção ou efeitos adversos. Não vi nenhuma manifestação do planejamento de vacinas no Brasil quanto a este sistema de monitoramento. Sem ele estaremos vacinando às cegas. Sujeitos a fake News e tudo mais. Foi a mesma coisa com a ausência de testes para Covid. O vírus estava invisível e isso permite que cada governo esconda ou manipule os dados. Estamos em uma tempestade completamente cegos. Com vacina, sem monitoramento será a mesma coisa.

 Se eu tomar uma vacina para a Covid hoje, poderei tomar outra melhor amanhã? 

A maioria das vacinas são duas doses. Se começar com uma vacina tem que terminar com a mesma. SE os dados demonstrarem que devemos tomar vacinas anualmente, por exemplo, devemos esperar o que os estudos apontam quanto a usar outro tipo ou não.

Tomar hoje a coronavac, uma semana depois a Pfizer, depois as doses da coronavac e Pfizer seria uma sobrecarga grande para o sistema imune. Por isso, por exemplo, não tomamos todas as vacinas para outras doenças de uma vez.

 Qual seria a vacina ideal para a Covid-19? 

Uma vacina que esteja disponível o mais rápido possível e para a maioria da população, protegendo contra morte e colapso do sistema de saúde. Pois sem hospitais pessoas podem morrer mais por outras doenças se não puderem ser hospitalizadas se os leitos todos estiverem ocupados com COVID-19.

 Não existe nenhum remédio para combater a Covid 19? 

Existem terapias paliativas, como oxigênio, anticoagulantes, analgésicos, antitérmicos e antiinflamatórios, como corticoides. Mas não existe um protocolo único para uso deles. Cada paciente é diferente. Não dá para tratar todos igual.

 


E a falada cloroquina? 

Não tem evidência nenhuma de eficácia para cura. È um exemplo de interferência ideológica e política na ciência. Todos os países do mundo abandonaram os protocolos com cloroquina. Dezenas de estudos não puderam mostrar eficácia dela.

O uso dela é indiscriminado e pode ter causado mortes e piora em muitos casos. 

Por que os planos de saúde distribuem os remédios azitromicina e ivermectina, se não tem remédio ainda a ser prescrito?

 A mesma situação da cloroquina. Sem evidências científicas. A distribuição de remédios sem uma avaliação do paciente é leviana. Vi um estudo que propunha o uso de muitas destas drogas, mas sempre acompanhando o paciente. Diferente do que se vê. Uma vez ouvi um testemunho de um caso em SP onde a paciente ligou para o hospital, a tendente pegou o endereço e o motoboy levou o kit. Sem nenhuma avaliação médica. Como auscultar o pulmão por telefone?

Infelizmente, no Brasil, isso sempre foi uma prática, a chamada automedicação. Alguém está doente e decide que remédio usará ou algum conhecido não médico sugere que remédio usar. Isso só se tornou mais grave com a pandemia.

O mais interessante é que todos viraram especialistas em Covid-19 e defendiam um tratamento ou outro. Uma vez fui em um médico clínico geral e perguntei sobre meu rim e ele disse que não era especialista em rim e que devia ir para outro médico. Na Covid-19 todos os médicos e não médicos viraram especialistas em Covid. Parecia copa do mundo quando todos viram especialistas em futebol.

Isso reflete o grande engajamento de todos em aprender e em se preparar com as armas da ciência médica para esse combate.

 


A Anita não ajuda a combater o vírus da covid? 

Não se tem nenhuma evidência sobre isso

 Como você vê essa valorização do profissional da saúde? 

Todos foram e estão sendo essenciais no combate à pandemia. Mas o mais importante é que em todos se despertou a busca por estudo e conhecimentos atualizados. Foi um momento de muito aprendizado junto com muita dor e perda. Muitos profissionais da saúde perderam suas vidas e, hoje, mais de 200 mil mortes são contabilizadas. Poderiam ser mais se nossa linha de frente não fosse tão comprometida com a vida. Poderiam ser muito menos, se mais gestores, governantes e políticos  estivessem mais comprometidos com a vida.

 Obrigado pelos seus esclarecimentos 

Obrigado pela oportunidade, desejo saúde e que possamos nos preparar para melhorar a situação tão difícil de Manaus e evitar que isto aconteça em outros lugares. Uma tragédia que poderia ter sido evitada e envio emus sentimento a todos que estão sofrendo direta ou indiretamente pela COVID-19. Obrigado!


*Fotos Agência Brasil