O Ministério Público Federal (MPF)
enviou à Polícia Federal em Altamira um ofício relatando grave risco de ataques
aos indígenas Xikrin, na Terra Indígena Trincheira-Bacajá, entre os municípios
de Altamira, Anapu e São Félix do Xingu, no Pará. O território é um dos
atingidos pela usina hidrelétrica de Belo Monte e já enfrenta problemas com
invasores há algum tempo, mas de um ano para cá, a situação se agravou muito.
Ontem, lideranças Xikrin foram até a
cidade de Altamira e fizeram denúncia ao MPF de que um grupo de cerca de 300
invasores que havia construído várias casas dentro da terra indígena estão
agora ameaçando de morte os líderes da etnia. Fortemente armados eles estão
escondidos na floresta na região do Igarapé Prazer, nas proximidades da aldeia
Rap-ko e dizem que vão atacar a aldeia.
No último fim de semana, cansados de
esperar por uma atitude do governo federal, que sabe do problema das invasões
há pelo menos um ano, um grupo de caciques e guerreiros Xikrin foram até os
lotes abertos pelos invasores, exigiram a retirada pacífica deles e apreenderam
motosserras. Em vez de sair, os grileiros se esconderam e passaram a ameaçar o
povo Xikrin, dizendo que vão invadir a aldeia amanhã (quarta, 28).
“O grupo que compareceu ao MPF, explicou
que a decisão dos indígenas de ir pessoalmente exigir a saída dos ocupantes
decorreu das imagens de fumaça que chegaram às aldeias. Não suportando assistir
a sua terra incendiada, e tendo em vista a demora de ação policial por parte do
Estado, tomaram a medida de apresentar-se ao local. Relataram que está se
consolidando uma ocupação dentro da Terra Indígenas, com desmatamento, abertura
de pastagens e construção de moradias com roças”, relata a procuradora da
República Thais Santi no ofício enviado a delegacia da PF em Altamira ontem
(26).
A procuradora requisitou medidas
urgentes, com o envio de policiais para o local no prazo máximo de 24 horas,
“para verificação da situação dos indígenas na aldeia Rap-ko e posterior
deslocamento até a localidade da invasão”. No documento, o MPF lembra que todas
as informações sobre a situação de tensão na Trincheira-Bacajá são de
conhecimento da Fundação Nacional do Índio, que possui mapas detalhados com as
coordenadas onde estão localizados os invasores e, por isso, é necessário que a
Funai acompanhe toda a ação policial.
Em Altamira o problema de desmatamento,
queimadas e invasões é crônico e está relacionado à instalação da usina de Belo
Monte. A procuradora Thais Santi registrou denúncias de invasões de quase todas
as terras indígenas na região do médio Xingu, por quadrilhas de grileiros,
madeireiros e garimpeiros, para roubo de terras, madeira e minerais preciosos.
Enquanto os conflitos se alastravam na esteira da intensa migração promovida
pelo governo brasileiro para a região das obras da hidrelétrica, a partir de 2010,
a fiscalização ambiental foi ficando cada vez mais reduzida, o que tem se
agravado em 2019.
As quadrilhas ficaram livres para agir,
apesar de a proteção das terras indígenas ser uma condicionante específica de
Belo Monte e, no escritório do Ibama na cidade, restam hoje apenas três
servidores, sem verbas ou equipamentos para realizar qualquer trabalho. O MPF
entende que o cenário atual do colapso ambiental em Altamira está diretamente
relacionado à não implementação do plano de proteção dos territórios indígenas,
previsto como uma das principais medidas condicionantes, que deveriam ter
antecedido a instalação da usina. “Toda a pressão sobre os territórios foi
prevista, assim como a ação mitigatória que era necessária. O impacto realmente
ocorreu. E a proteção dos territórios não ocorreu”, resume a procuradora Thais
Santi que acompanha desde 2012 a instalação da usina de Belo Monte.
Mesmo com ordem judicial, a usina
começou a operar em 2015 sem o sistema de proteção às terras indígenas, que
deveria tâ-la antecedido. Quando o sistema finalmente foi instalado, em 2017,
as bases de vigilância se limitam a emitir relatórios de uma tragédia
ambiental, sem nenhuma interferência na realidade, porque não existe
articulação com os órgãos ambientais, que não tem pessoal nem estrutura para
combater o que está acontecendo em Altamira. “Ou seja, o que está acontecendo
em Altamira é resultado da soma de uma ação e de uma omissão do governo
brasileiro, que trouxe o impacto ao Xingu e depois se retirou daqui”, conclui
Santi.