Em Belém, peças históricas e de
uso pessoal, que recontam a trajetória e testemunham o legado do maior
cientista paraense de todos os tempos – e um dos mais significativos nomes da
medicina mundial –, podem ser vistas de perto até sábado (21). É a mostra
“Gaspar Vianna: o paraense do Século XX”, que o Hospital de Clínicas Gaspar
Vianna abre ao público durante a Jornada Científica do HC, aberta nesta
sexta-feira (20), na Pedreira.
Um dos maiores nomes da saúde
pública nacional, o paraense Gaspar Vianna, morto no início do século XX, é
reconhecido mundialmente como um dos benfeitores da humanidade pelas
contribuições à medicina. A maior delas foi a descoberta da cura para a
leishmaniose, a segunda maior doença parasitária que mais mata no mundo.
A mostra levada ao HC reúne peças
mantidas por Habib Neto, que também integra o quadro da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal do Pará (UFPA) e hoje é o grande curador do acervo
deixado por Gaspar Vianna. As relíquias já foram de um museu que era mantido
pela UFPA, mas foi fechado nos anos 1990. Elas integraram o acervo antes
instalado no antigo núcleo regional de patologias, que deu origem ao atual
Núcleo de Medicina Tropical da universidade.
O acervo hoje é pleiteado pelo
Museu Histórico do Estado do Pará (MEP). O deputado estadual João Chamon, por
sua vez, tem projeto para transformar as relíquias de Gaspar Vianna em
patrimônio cultural material do Pará. Um levantamento completo das peças do
acervo vem sendo feito para isso. “É um acervo numeroso, mas a quantidade é o
que menos importa”, avalia Habib Neto. São documentos, fotografias e todas as
publicações, incluindo originais, feitas por Gaspar Vianna ainda em vida. Entre
as peças há grandes raridades, como a tese de livre docência do médico na época
de sua descoberta de maior repercussão. Uma preciosidade que expõe o legado
dele.
Raridades – Pode ser vista na
mostra aberta pelo Hospital de Clínicas a escrivaninha de trabalho usada por
Gaspar Vianna. A peça, que veio diretamente do Rio de Janeiro, tem uma história
peculiar: ela pertenceu também ao irmão do médico, o historiador Arthur Vianna
– que dá nome à maior biblioteca pública do Pará –, e depois passou ao caçula
Gaspar Vianna, do qual Arthur era tutor.
Na exposição também podem-se ver
de perto a carteira de identidade de Gaspar Vianna, expedida no início do
século passado, uma foto da formatura do paraense e também a última foto do
médico, além de uma bengala que ele ganhou no aniversário, em 1910, dois anos
antes de ser laureado pela descoberta da cura para as leishmanioses.
“Gaspar Vianna é considerado um
dos maiores benfeitores da humanidade. Seu legado, com a descoberta da cura
para as leishmanioses, salvou milhões de vidas em todo o globo”, pondera Habib.
“Ele também tem várias outras descobertas, como a cura para o granuloma
venéreo, além de ser o precursor da anatomia patológica da doença de chagas, a
doença então recém-descoberta por Carlos Chagas. Isso foi fundamental para
elucidar as alterações decorrentes da infecção do Trypanosoma cruzi em homens e
animais”, ressalta. O médico curador do acervo de Vianna é também autor do
livro “Gaspar Vianna: gênio paraense da medicina”, que está sendo editado pelo
Instituto Evandro Chagas.
Trajetória – O médico paraense
Gaspar Vianna nasceu em Belém, na Rua Benjamin Constant, no Reduto (onde hoje
funciona a escola Dom Bosco), no fim do século XIX. Foi no segundo grau do
Colégio Estadual Paes de Carvalho que ele começou a se interessar pela
medicina. Em 1903, se mudou para o Rio de Janeiro para ingressar nos estudos
médicos. Lá, montou um laboratório de análises clínicas com o irmão, Arthur
Vianna, e frequentava diariamente a Santa Casa de Misericórdia.
Graças ao brilhantismo, foi
trabalhar ao lado de Oswaldo Cruz, o ilustre médico incumbido pelo então
presidente da República, Rodrigues Alves, para acabar com a peste bubônica e
dirigir campanhas de combate à febre amarela e à varíola. Na época, se viviam
grandes avanços na medicina: em 1907, a febre amarela havia sido erradicada do
Rio de Janeiro e a Doença de Chagas foi descoberta. Primeiro colocado em
concurso para o Hospital Nacional para Alienados, em 1908, Gaspar Vianna foi
convidado para ser o chefe do serviço de histopatologia do Instituto Oswaldo
Cruz - um ano antes de completar o curso superior.
Em 1911, acabou descobrindo uma
nova espécie de protozoário causador da leishmaniose: a Leishmania
braziliensis. Não satisfeito, em 1912, Vianna também comprovou que o tártaro
emético ou antimonial era eficaz para conter a enfermidade. Isso abriu caminho
também para o uso da substância contra o granuloma venéreo e a esquistossomose.
Foi um marco da quimioterapia anti-infecciosa.
A descoberta de Gaspar Vianna
acabou publicada em alemão e teve repercussão mundial, devido à grande eficácia
para o tratamento da leishmaniose cutâneo-mucosa e também nos casos mais graves
de leishmaniose visceral.
Aos 29 anos, em 1914, enquanto
fazia a necropsia do cadáver de uma vítima de tuberculose, Gaspar Vianna acabou
contaminado após realizar uma incisão no tórax de um cadáver vitimado pela
doença: um jato contaminado por bacilos atingiu sua boca, infectando-o com uma
grave infecção. Gaspar Vianna faleceu
dois meses depois, no dia 14 de junho daquele ano.
“Os analistas de sua obra afirmam
que, se não tivesse ocorrido essa morte tão precoce, Gaspar Vianna, certamente,
teria sido um nome de imensa projeção mundial. Em apenas cinco anos de
exercício da medicina ele fez o que fez: uma contribuição de magnitude similar,
para a saúde pública, ao legado de Louis Pasteur com a invenção da penicilina”,
avalia o médico Habib Neto.
Serviço: A exposição “Gaspar
Vianna: o paraense do Século XX”, com objetos de uso pessoal do médico e
pesquisador Gaspar Vianna, foi montada para a Jornada Científica de 2017 do
Hospital de Clínicas (Travessa Alferes Costa, s/n, entre Marquês Herval e Duque
de Caxias, na Pedreira), aberta nesta sexta-feira (20). Peças do acervo pessoal
de Vianna estão expostas, entre elas a escrivaninha de trabalho do descobridor
da cura das leishmanioses. A mostra pode ser vista só até sábado (21), no bloco
administrativo do hospital.