Ritual de celebração entre indígenas e quilombolas Foto Josemir Moreira |
“Nós somos a Universidade do
coração da Amazônia e não seríamos essa universidade sem vocês aqui. A
Universidade precisa de vocês. Uma universidade que se diz da Amazônia não pode
prescindir da presença dos povos da Amazônia. Então, vocês são bem-vindos aqui.
E estamos à disposição de vocês”. A fala do reitor da Ufopa, Hugo Alex Diniz
Carneiro Diniz, na abertura oficial da recepção dos calouros indígenas e
quilombolas, destaca a importância dos processos seletivos especiais na
construção de uma universidade pública plural e multiétnica na Amazônia.
Promovido pela Pró-Reitoria de
Gestão Estudantil (Proges), por meio da Diretoria de Ações Afirmativas (DAA),
em parceria com o Diretório Acadêmico Indígena (Dain) e o Coletivo de
Estudantes Quilombolas (CEQ), o evento foi realizado no dia 11 de maio de 2018,
no auditório Pérola da Unidade Amazônia, Campus de Santarém. Os novos calouros
foram apresentados à comunidade acadêmica e participaram de debates sobre a
Formação Básica Indígena e a importância dos movimentos sociais de luta na
Universidade.
Um ritual indígena, comandado
pelo acadêmico indígena Poró Borari, da Pedagogia, celebrou a união entre
indígenas e quilombolas, dando boas vindas aos novos calouros: 93 indígenas e
93 quilombolas, que ingressaram na Ufopa por meio de processos seletivos
especiais. “Nesse contexto, a Ufopa assume a responsabilidade social de incluir
os novos alunos, que vem se juntar aos seus 398 parentes indígenas e 332
quilombolas que já estão estudando na Universidade. Isso demonstra o poder
transformador que a Universidade desempenha na vida de cada um, de cada aluno
aqui presente", afirmou a Pró-reitora de Gestão Estudantil, Eliane
Cristina Flexa Duarte, durante a solenidade.
Da comunidade quilombola do Bom
Jardim, situada no município de Santarém, Isabel Ribeiro dos Santos, de 22
anos, passou para a Licenciatura em Letras da Ufopa. Filha caçula, ela é a
primeira pessoa da família a ingressar em um curso superior. “Foi um sonho que
batalhei bastante durante anos. Sempre sonhei em cursar uma universidade e
graças a Deus, através de muita luta do meu povo quilombola, consegui entrar em
segundo lugar no curso de Letras”, explicou a caloura emocionada. “É um sonho
meu e da minha família, e espero dar o melhor de mim para representar a minha
comunidade, a minha origem e a minha cultura aqui dentro”.
Mais contido, Silvanildo Yoto
Munduruku, estudante indígena bilíngue de 21 anos, tem o desafio de cursar o
Bacharelado em Ciências Biológicas. “Vim aqui para conhecer e mostrar minha
experiência na comunidade. Quando eu me formar aqui, vou ajudar a minha
comunidade e as crianças da minha aldeia também”. Da etnia Arapium, Susan
Michele Nogueira dos Anjos também espera retribuir para sua comunidade a
oportunidade de entrar na Ufopa para cursar Letras. “A minha contribuição é
essa: quero continuar ensinando Nheengatu para as crianças da aldeia, poque é
uma língua que foi tirada da gente”, explica.
Luta e inclusão social - "A
entrada de vocês na Universidade não foi fácil, porque representa 500 anos de
luta contra a exclusão dos povos indígenas e da população negra brasileira. E,
a cada dia, precisamos garantir a permanência dessa política de ações
afirmativas, porque ela está sendo cotidianamente ameaçada", destacou,
durante o evento, a Pró-reitora de Ensino de Graduação (Proen), Solange
Ximenes. “Precisamos juntos, em diálogo, consolidar essa conquista dos
movimentos indígena e quilombola, que são os processos seletivos especiais. A
Universidade é uma parceira de vocês nessa luta”.
“Entendemos esse momento como uma
conquista dos direitos dos povos indígenas e quilombolas e, ao assumir esse
compromisso, a Universidade assume a inclusão na perspectiva da diversidade,
dos direitos dos povos indígenas e quilombolas, numa luta histórica. Somos uma
universidade plural. Nosso dever enquanto instituição formadora é de construção
de autonomia, emancipação, do trabalho coletivo e da responsabilidade
individual como estudantes, respeitando os valores culturais de cada etnia, de
cada povo”, ressaltou a Pró-reitora de Gestão Estudantil, Eliane Duarte.
Para Eliane Duarte, a Ufopa é
hoje uma universidade multiétnica, plural, multicampi e transfronteiriça, o que
a diferencia das demais universidades do Brasil. “O diferencial da Ufopa no
cenário nacional é que somos a Universidade que, pelo quantitativo de vagas
disponibilizadas nos processos seletivos especiais, é a que mais inclui
indígenas e quilombolas no ensino superior. Por tudo isso a Ufopa é uma
universidade ousada, corajosa em relação à política de ações afirmativas”.
Já para o reitor da Ufopa, Hugo
Diniz, a Universidade precisa estar próxima das comunidades e das lideranças.
“Desde o início do seu processo seletivo especial a Universidade começou essa
aproximação e temos que avançar nisso. É o nosso compromisso”, afirmou. “Essa
vaga pertence a vocês, mas não pertence só a vocês, pertence a uma comunidade,
a uma história. Nós, como universidade, reconhecemos isso e vamos avançar nessa
direção, de tratar esse espaço como um resgate, como a conquista de um determinado
grupo, de uma luta coletiva”.
Movimento Estudantil – As
lideranças dos movimentos estudantis também marcaram presença no evento e deram
boas vindas aos recém-chegados. Coordenadora do Coletivo de Estudantes
Quilombolas (CEQ), Daniela Bentes, mandou um recado para os calouros
quilombolas: "Nós temos um coletivo que ampara vocês, que vai estar
guiando vocês dentro da Universidade. Vocês não estão sozinhos”.
Para Daniela Bentes, a luta do
coletivo é parte da luta que acontece lá fora também. “O Coletivo é uma parte
do movimento lá de fora. Para que a gente estivesse aqui hoje, cursando uma
universidade, teve muita luta”, explica. “O movimento quilombola teve vários
desafios para conseguir essa conversa com a Universidade, para que pudéssemos
estar aqui hoje. Não podemos esquecer, de forma alguma, que os nossos
representantes continuam lutando lá fora e nós temos que ajudar daqui de
dentro”.
Representante do Diretório
Acadêmico Indígena (Dain), Dinacildo Krixi Munduruku, do curso de Engenharia
Florestal, falou sobre o papel do Dain no apoio e orientação aos estudantes com
vulnerabilidade social. Ele destacou ainda a importância do momento na vida dos
calouros. "Esse é o momento que a gente espera quando se vive na aldeia: a
expectativa de viver um mundo diferente, mas não conhecemos a realidade como
é".
Ele também deu um recado para os
calouros: “Aproveitem essa oportunidade, que a gente entra por meio de um
processo que é específico para nós e não podemos, por causa disso, desperdiçar.
Aqui temos direitos e deveres que temos que cumprir. A nossa responsabilidade
não podemos deixar de lado”, ressaltou. “Muitas vezes vamos nos deparar aqui na
Ufopa com coisas que não vão agradar muito a gente, mas isso não é para nos
desestimular. Aproveitem a oportunidade e sigam em frente”.
Maria Lúcia Morais,
Comunicação/Ufopa