Uma audiência pública sobre uma mina da
Vale em Parauapebas, no Pará, foi realizada nesta quinta-feira (8) de
maneira virtual e sem ter havido divulgação para os atingidos, principalmente
moradores de áreas rurais e aldeias indígenas que sequer têm acesso a internet.
Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT) e
Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) haviam recomendado na semana
passada que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), suspendesse a
audiência pela impossibilidade de participação da população, mas o órgão se
recusou a cumprir a recomendação. Agora, o MPF vai tratar do assunto na Justiça
Federal, onde ajuizou ação civil pública pedindo a suspensão ou a nulidade da
audiência pública.
A ação pede ainda que o Ibama seja
proibido de promover novas audiências públicas até que haja possibilidade de
participação efetiva, segura e presencial das comunidades afetadas pela mina N3
da Vale, projetada para funcionar um um platô da Floresta Nacional de Carajás,
no sudeste do Pará. A participação do povo indígena Xikrin do Cateté e da
comunidade de Catadores de Jaborandi, especialmente afetados pela nova mina,
foi prejudicada porque essas comunidades não têm fácil acesso à internet de
qualidade, tampouco familiaridade com os instrumentos tecnológicos necessários
para acompanhar o evento. Ainda que a Vale S/A tenha estabelecido pontos para
transmitir a audiência virtual, essas comunidades pertencem ao grupo de risco
da covid-19, razão pela qual sua presença física em tais locais é
desaconselhada.
A ação do MPF informou à Justiça que o
agendamento do evento pelo Ibama não cumpriu as formalidades legais exigidas,
não garante a participação das comunidades afetadas e cria dificuldades para
que as instituições de controle cumpram seu papel constitucional. O MPF foi
informado do evento com apenas cinco dias úteis de antecedência, o MPPA com
apenas três dias úteis de antecedência (em convite onde o horário da audiência
estava incorreto) e o MPT nunca recebeu convite, o que viola frontalmente a
resolução número 9/1987, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que disciplina
a realização de audiências públicas em processos de licenciamento ambiental.
De acordo com a resolução, o órgão
licenciador – no caso, o Ibama – é obrigado a realizar audiências públicas
quando solicitado pelos órgãos de controle e de comunicá-los oficialmente em
correspondência registrada sobre a realização. Foi o que fizeram o MPF, MPT e
MPPA, requisitando audiência pública sobre o projeto no primeiro semestre de
2020 e destacando que o evento deveria ser planejado a partir das limitações
impostas pela pandemia do novo coronavírus. No dia 10 de julho, o Ibama
respondeu aceitando a realização da audiência e informando que não havia
definição quanto ao modelo e à data de realização da audiência pública,
justamente em razão da pandemia.
O Ibama também falhou em informar o
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável
pela gestão da Flona de Carajás, local de funcionamento da nova mina da Vale.
Ao questionar o órgão sobre estudos técnicos que tivesse produzido para a
audiência pública, o MPF recebeu como resposta que só tinha sido informado do
evento no dia 15 de setembro, através de ofício da empresa. “Desta forma, ainda
não recebemos comunicação formal do órgão licenciador Ibama, bem como não foi
encaminhada solicitação formal de manifestação para emissão da autorização de
licenciamento ambiental para o empreendimento”, dizia a resposta do ICMBio.
Apesar de não existirem ainda estudos
detalhados, a área que a Vale pretende explorar é de floresta preservada com
características ecológicas únicas, lar de espécies endêmicas, ou seja, não
encontráveis em nenhum outro ecossistema no mundo. “Tais características
evidenciam o completo descabimento da realização da audiência pública virtual
sem a observância das regras de comunicação aos órgãos ministeriais”, diz a
ação judicial.
Quem também mostrou preocupação com o
novo empreendimento da Vale foi a Assembleia Legislativa do Pará que, em documento
enviado ao MPF em junho de 2020 considerou a realização de audiência pública em
meio a uma pandemia como decisão sem razoabilidade e pediu ao MPF que
recomendasse a suspensão de todo o licenciamento da mina N3.
Para piorar a situação, o MPF aponta na
ação a ausência de divulgação da audiência pela empresa. O dever de informar de
maneira efetiva as comunidades afetadas e interessadas sobre a realização de
uma audiência pública dentro de um licenciamento ambiental é do empreendedor
interessado. Além de não comunicar as comunidades nem fazer divulgação na
imprensa, a Vale colocou alguns outdoors em Parauapebas onde não constavam nem
a data, nem o local do evento.
Comunidades diretamente afetadas não
foram sequer informadas. É o caso dos coletores de Jaborandi da Área de
Proteção Ambiental do rio Gelado, que os estudos de impacto ambiental atestam
que perderão o sustento por causa da derrubada da floresta onde coletam o
principal produto para sua sobrevivência. As deficiências na divulgação da
audiência pública constam inclusive em parecer técnico do próprio Ibama que
pediu que várias instituições e comunidades fossem devidamente informadas. A
Vale não cumpriu o pedido e mesmo assim o órgão licenciador deixou prosseguir o
evento.
“Lamentavelmente, a cultura
político-institucional brasileira tende a tratar a audiência pública como mera
etapa formal do processo de licenciamento, quando não um empecilho para a sua
rápida conclusão. O que não se percebe é que, ao contrário, participação das
comunidades afetadas qualifica a atuação dos órgãos públicos e, em verdade, é
efetivo instrumento de gestão de políticas públicas, já que a participação das
comunidades afetadas permite aos órgãos públicos identificar impactos
inicialmente não antevistos ou subdimensionados pelos órgãos ambientais”, diz a
ação do MPF.
Processo nº 1004235-61.2020.4.01.3901 -
2ª Vara da Justiça Federal em Marabá (PA)
Texto: Ascom/MPF