As vacinas contra a covid-19 estão sendo
desenvolvidas em velocidade sem precedentes, e, além da rapidez, os projetos em
andamento buscam comprovar a eficácia e a segurança de tecnologias inéditas,
que, futuramente, podem modernizar outras vacinas já em uso no mundo.
Segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS), entre as quase 200 propostas de vacinas em testes, 44 chegaram à fase de
experimentação em humanos, chamada de estudos clínicos. Dessas, um grupo de 10
projetos atingiu a fase três de estudos, em que dezenas de milhares de
voluntários são recrutados para comprovar se a vacina é mesmo capaz de proteger
sem causar danos à saúde.
Por ainda apresentar grande circulação
do vírus, o que acelera as pesquisas, o Brasil tem sediado alguns desses testes
com milhares de participantes. Receberam autorização para experimentos de larga
escala no país as vacinas desenvolvidas pelos laboratórios AstraZeneca/Oxford,
Sinovac, Janssen e Pfizer/Biontech/Fosun Pharma.
Com técnicas já utilizadas pela ciência
ou novas formas de induzir a resposta imunológica, as vacinas que chegaram ao
último estágio de testes têm um mesmo objetivo: levar ao organismo informações
importantes que desencadeiem a produção de defesas ao novo coronavírus de forma
antecipada. A Agência Brasil explica as principais estratégias elaboradas pelos
cientistas para que as vacinas sejam eficazes e seguras.
Proteína S
Quando o corpo produz anticorpos contra
um vírus ele é estimulado por estruturas específicas que compõem esses seres.
No caso do coronavírus causador da covid-19, os cientistas descobriram que a
proteína S, que forma a coroa de espinhos que dá nome ao vírus, é a estrutura
que mais provoca o sistema imunológico a produzir anticorpos. Essa proteína
também é fundamental para a infecção: é com os pequenos espinhos formados pela
proteína S que o novo coronavírus se conecta às células humanas e inicia a
invasão para poder se replicar.
O diretor da Sociedade Brasileira de
Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, explica que antecipar o contato do corpo com
a proteína S é uma estratégia comum aos principais projetos em curso. "As
vacinas têm como alvo principal a indução de anticorpos contra essa proteína S.
Os anticorpos são, em geral, neutralizantes. São capazes de neutralizar a
atividade do vírus".
Vacinas de vírus inativado
Entre as dez vacinas que chegaram aos
estudos clínicos de fase 3, três propostas desenvolvidas na China utilizam a
técnica conhecida como vacina de vírus inativado: a da Sinovac, que está em
testes no Brasil em parceria com o Instituto Butantan e o governo de São Paulo,
a da Sinopharm com Instituto de Produtos Biológicos de Wuhan, e outra da
Sinopharm com o Instituto de Produtos Biológicos de Pequim.
A estratégia leva esse nome porque a
vacina contém o próprio vírus morto, o que é chamado tecnicamente de inativado.
Essas vacinas são comuns na prevenção de diversas doenças, como a poliomielite,
a hepatite A e o tétano, e provocam o corpo a produzir as defesas a partir de
um contato antecipado e inofensivo com o vírus.
"Nessa tecnologia, se cultiva o
vírus em laboratório, e, depois de ter uma grande quantidade, você inativa,
mata o vírus em linguajar mais popular, através de temperatura ou substâncias
químicas. Ele fica um vírus inteiro, morto, inativado, mas com essas proteínas
conservadas e capazes de induzir uma resposta imune", explica Kfouri.
"A única dificuldade é que você precisa de laboratórios com nível de
biossegurança elevado para manipular o vírus vivo, precisa cultivá-lo, e tem um
tempo de multiplicação desses vírus pra depois inativar. São processos que
requerem um tempo maior e um nível de segurança máximo dos laboratórios, porque
vão manipular vírus com potencial infectante".
Vacinas de vetor viral
Para fazer com que o corpo produza
anticorpos capazes de neutralizar a proteína S, as vacinas de vetor viral
não-replicante trazem uma proposta inovadora: a proteína do novo coronavírus é
inserida em outro vírus, modificado em laboratório, para transportá-la para o
corpo humano e não se multiplicar. Uma vez que a proteína chega ao corpo, o
sistema imunológico a identifica e produz estruturas capazes de impedir sua
ação no futuro, quando o novo coronavírus tentar causar infecção.
Essa tecnologia já estava em estudo para
produzir vacinas contra o vírus ebola e coronavírus que provocaram surtos em
anos anteriores, como o SARS-CoV-1, o que explica a velocidade com que foi
possível direcionar as pesquisas ao SARS-CoV-2. Projetos como o da americana
Janssen e o da chinesa CanSino utilizam adenovírus humanos para transportar a
proteína S para o corpo humano.
O mesmo propõe o Instituto de Pesquisa
de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, da Rússia, com a diferença de
utilizar dois tipos diferentes de adenovírus, um em cada dose da vacina. Caso
seja comprovada e registrada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), a vacina russa deve ser produzida no Brasil pelo Grupo União Química.
Já a proposta britânica da farmacêutica AstraZeneca
e da Universidade de Oxford usa um adenovírus de chimpanzé como vetor viral.
Essa vacina encontra-se em fase de testes no Brasil, e o governo federal
assinou um acordo de transferência de tecnologia para que a Fundação Oswaldo
Cruz possa produzi-la.
"As vacinas são de adenovírus vivo,
mas são não-replicantes. Eles retiram da estrutura do adenovírus as proteínas
responsáveis por sua multiplicação. Esses adenovírus são vírus de
resfriado", explica Kfouri, que acrescenta que os adenovírus foram
escolhidos para transportar a proteína S porque provocam pouca resposta
imunológica, permitindo que o corpo concentre sua reação na proteína do
coronavírus.
Vacinas genéticas
Outra tecnologia em testes, nunca antes
usada em imunização, é a das vacinas de RNA ou DNA, que inserem ácidos
nucléicos do novo coronavírus no corpo humano. Até este momento, apenas vacinas
que utilizam RNA chegaram à fase três de estudos clínicos, e seu funcionamento
prevê que, ao entrar no organismo, o ácido nucléico do novo coronavírus fará
com que as próprias células humanas produzam a proteína S, que, por sua vez,
desencadeará a produção de defesas no organismo.
Caso a eficácia e segurança seja
confirmada, essa tecnologia é considerada mais rápida para a produção em larga
escala, já que a vacina utiliza RNA sintético, o que dispensa o cultivo do
vírus em laboratório. Os estudos em fase 3 que buscam confirmar a eficácia e
segurança de vacinas de RNA estão sob o comando da farmacêutica americana
Moderna em parceria com o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas
dos Estados Unidos, e do grupo de pesquisa que reúne a também americana Pfizer,
a alemã Biontech e a chinesa Fosun Pharma.
Kfouri explica que as pesquisas que
utilizam vacinas de RNA também caminharam rápido por terem partido de estudos
que já estavam em andamento para desenvolver vacinas contra outros coronavírus
e o ebola. "Essa tecnologia tem um potencial de ser utilizada em muitas
outras vacinas, por essa capacidade de rápida produção. Pode ser que, se der
certo, a gente migre outras vacinas que a gente já usa hoje para essa
plataforma".
Vacinas proteicas sub-unitárias
A quarta tecnologia que está em
desenvolvimento e já chegou aos estudos de fase 3 é a das vacinas proteicas
sub-unitárias, que propõem a injeção da proteína S e outras proteínas do novo
coronavírus diretamente no corpo humano, sem o intermédio de vetores virais.
Entre as dez vacinas em estudos de fase
três, a única desse tipo é a produzida pela farmacêutica americana Novavax.
"Elas levam pedacinhos do vírus,
como a gente faz com a vacina da gripe e do HPV. A gente pega pedaços da
proteína S, da proteína M, da proteína E, e faz vacinas com esses fragmentos do
vírus, que também precisa ser cultivado e inativado, só que em vez do vírus
inteiro, a vacina leva partículas virais, subunidades do vírus".