Expedição grava “conversas de botos” no Pará
By Socel News at setembro 03, 2016
Quando ele vira homem e seduz jovens donzelas nas noites de festa à beira dos rios, na Amazônia, certamente deve dizer muita coisa. Mas o que será que os botos “conversam” dentro d’água? Saber mais sobre as “falas” dos mais famosos animais míticos da região é o objetivo da expedição realizada pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Biologia e Conservação de Mamíferos Aquáticos da Amazônia (BioMA), ligado à Universidade Federal do Pará (UFPA) e à Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).
Entre os dias 3 e 17 de setembro, o grupo composto por biólogos, veterinários e especialistas em equipamentos de monitoramento eletrônico de mamíferos aquáticos permanecerá no mercado de Mocajuba, cidade localizada no Nordeste paraense, e nas proximidades deste município, acompanhando um grupo de botos. E o lugar não foi escolhido por acaso.
Porque Mocajuba? De acordo com Gabriel Santos, biólogo que está coordenando a ação, o grupo de botos que interage com crianças próximo ao Mercado de Mocajuba já é acompanhado há pelo menos três anos pelo BioMA e essa familiaridade é essencial para a próxima etapa do projeto de pesquisa, já que normalmente estes animais são discretos e difícil detecção. Além disso, os botos de Mocajuba pertencem a uma espécie recentemente descrita (Inia araguaiaensis), porém já se encontra em estado crítico, o que demanda esforços urgentes para a obtenção de informações sobre a espécie, e assim auxiliar na criação de estratégias para a conservação.
“Constatamos, até mesmo com análises genéticas, que os mesmos indivíduos voltam ao mercado inúmeras vezes. E esse cenário e comportamento atípico dos botos oferecem uma oportunidade única para o uso de tecnologia de monitoramento acústico e rastreamento, conhecidas como Dtags, nestes animais”, aponta o pesquisador, que é doutorando no Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da UFPA.
Tecnologia para “espiar” botos - Os dispositivos eletrônicos (Dtags) possuem ventosas e podem ser fixados nas costas dos botos com um simples toque. Eles não machucam os animais e já foram usados em pesquisas com mais de 20 espécies de mamíferos marinhos, mas é a primeira vez que serão usados num “golfinho de água doce”.
A expedição contará, inclusive com a presença de Mark Johnson, da University of St Andrews, que é um dos criadores dos dispositivos de monitoramento acústico (Dtag) que serão usados nos botos do Pará. O projeto recebe apoio financeiro da Rufford Foundation (Reino Unido).
Normalmente um Dtag permanece entre dois e quatro dias fixado no animal e registra um conjunto amplo de informações como a localização, a velocidade, a profundidade e a orientação em que cada boto se encontra nos períodos de silêncio e também de vocalizações. O equipamento também permite “ouvir” o que os demais botos próximos “falam”.
Graças a essa nova tecnologia, os pesquisadores poderão “espiar” o que os botos fazem em seu habitat natural, inclusive embaixo d’água, e como são influenciados pelo contato com o homem. “Poderemos saber mais sobre o comportamento deles quando não os estamos vendo. Saber se usam algum local específico para determinadas atividades e como interagem com os humanos. Por exemplo, descobrir se o fato de serem alimentados pelos meninos no Mercado de Mocajuba, influi no comportamento do grupo de botos”, aponta o biólogo.
Conversando no rio - Todas as informações coletadas serão analisadas e relacionadas com a emissão de sons que caracterizam as “conversas” entre os botos. “Poderemos definir parâmetros vocais que, futuramente, podem tornar possível um melhor acompanhamento dos botos, inclusive sobre as ameaças e impactos que eles sofrem devido ao contato com os humanos”. As análises desta expedição serão, depois, publicadas na tese de doutorado de Gabriel Melo-Santos e em outras publicações do grupo de pesquisa.
O biólogo conta que já possui várias horas de gravações, em vídeo e áudio, dos botos. Algumas descobertas já surpreendem. “Próximo à Ilha do Capim (Abaetetuba), no Baixo Tocantins, tivemos a chance de gravar os botos emitindo sons que mais parecem com o canto de aves durante situações bem inusitadas e únicas como a cópula. Também temos o registro do som emitido por um filhote no momento interações sociais e contato físico com a mãe. A expedição certamente nos trará vários outros sons e poderemos chegar mais perto de saber se os botos da Amazônia possuem o assovio assinatura, que já foram registrados em outras espécies de golfinhos marinhos”, espera o doutorando da UFPA.
O biólogo explica que o “assovio assinatura”, tecnicamente é um padrão de modulação de frequência, o qual é específico de cada indivíduo. “Golfinhos nariz-de-garrafa, como o famoso Flipper, dos filmes, usam esse assovio, por exemplo, ao se aproximarem dos grupos sociais.
Outro integrante do grupo, então, reproduz o mesmo assovio, para sinalizar que reconhece o ‘amigo’ que chegou. É um fenômeno muito interessante que demonstra a inteligência e a complexidade da comunicação entre esses animais e que pode estar acontecendo nos rios da Amazônia sem nós sabermos”.
• Serviço:
Expedição para acompanhamento acústico de botos em Mocajuba, no Pará
Período: 3 a 17 de setembro
Informações: www.bioma-research.weebly.com ou www.facebook.com/biomaufpa
Contato: bioma.ufpa@gmail.com
*Colaboração e Foto Ascom/UFPa