Foi lançado essa semana em dois
eventos em Brasília, o livro Ocekadi: hidrelétricas, conflitos socioambientais e
resistência na bacia do Tapajós, organizado por Daniela Alarcon, Brent Millikan
e Maurício Torres, com 25 artigos de cientistas, ativistas, índios,
procuradores da república e jornalistas tratando dos controversos projetos de
barragens propostos pelo governo brasileiro para a bacia do Tapajós. Ocekadi é
uma palavra da língua Munduruku que pode ser traduzida como “o nosso rio” ou o
“rio do nosso lugar”.
Formada pelos rios Juruena,
Jamanxim, Teles Pires e outros tributários menores, a bacia do Tapajós conecta
dois grandes biomas brasileiros, o Cerrado e a Amazônia e, se dependesse de
planos governamentais e empresariais, seria completamente tomada por barragens
pequenas, médias e grandes. Recentemente, uma das maiores dessas usinas
projetadas, São Luiz do Tapajós, teve o processo de licenciamento arquivado
pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). A decisão foi comemorada
mas o passivo socioambiental de usinas construídas ou já em construção, assim
como os projetos que continuam de pé, mantém índios e ribeirinhos mobilizados
em defesa da bacia.
Nos dois eventos de lançamento
(na Universidade de Brasília e na Câmara dos Deputados), moradores do Tapajós e
de seus tributários, autores do livro e ativistas revezaram-se expondo os
problemas do planejamento energético brasileiro, os riscos financeiros, sociais
e ambientais provocados pela opção barrageira. “As hidrelétricas vão chegando
cada vez mais perto das terras indígenas”, disse Darlisson Apiaká, morador da
Terra Indígena Apiakas e Isolados, no Mato Grosso, afetada por duas grandes
barragens, uma concluída, a usina Teles Pires e outra em construção, a usina
São Manoel. “Destruíram as sete quedas, uma das maravilhas que tínhamos e onde
hoje existe um reservatório de água. Meu pai têm 70 anos e diz que nunca viu o
rio Teles Pires tão baixo e com tão pouco peixe”, afirmou.
O impacto sobre a vida de
ribeirinhos e indígenas em todas as usinas é brutal: só na usina Teles Pires,
com o enchimento do reservatório, mais de oito toneladas de peixes morreram. A
procuradora da República Márcia Zollinger, que atuou no Mato Grosso e
acompanhou de perto a instalação das usinas no Teles Pires e Juruena, lembrou
que todos os empreendimentos violaram a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas
da Organização das Nações Unidas (ONU). Nenhum dos povos afetados foi
consultado pelo governo brasileiro, conforme mandam as convenções
internacionais.
Brent Millikan, da organização
International Rivers e um dos organizadores do volume, apontou as lacunas e
fraudes que permeiam os estudos de impacto e o processo de licenciamento dessas
usinas. “Os conhecimentos da população local são ignorados nos estudos”,
afirmou. Daniela Alarcon lembrou que o governo brasileiro faz propaganda das
usinas na Amazônia como se fossem erguidas em locais desabitados. “A presença
humana na região do Tapajós está registrada na literatura desde o século XVIII
e os registros arqueológicos comprovam milhares de anos de ocupação”, afirmou.
Juruena -
Andreia Fanzeres, coordenadora do
Programa de Direitos Indígenas da Operação Amazônia Nativa (Opan), apresentou
durante o lançamento na Câmara dos Deputados os efeitos drásticos da construção
de mais de uma dezena de Pequenas Centrais Hidrelétricas na sub-bacia do rio
Juruena, um dos formadores do Tapajós, na região considerada o coração do
agronegócio brasileiro, norte do Mato Grosso. O Juruena atravessa várias terras
indígenas e as PCHs alteraram drasticamente as condições ecológicas para
sobrevivência das etnias, sobretudo pela extensa mortandade de peixes.
Uma das etnias mais impactadas
foram os Enawene Nawe, povo conhecido por realizar o ritual mais longo entre os
indígenas amazônicos, o Yaokwa, um ritual baseado na pesca. As PCHs diminuiram
de tal forma a piscosidade na região que os índios passaram a receber peixe
congelado dos empreendedores para conseguirem realizar o ritual. “Pequenas
usinas, grandes impactos”, resumiu Andreia Fanzeres.
Mudança radical -
O procurador regional da
República João Akira Omoto, autor do prefácio de Ocekadi apontou a total falta
de transparência e participação social no planejamento do setor elétrico
brasileiro. “A discussão sobre o planejamento energético precisa ser aberta com
a sociedade brasileira”, disse, afirmando a necessidade de uma mudança radical
no setor, com investimentos em eficiência energética e diversificação de
fontes, para que se deixe de sacrificar a imensa sociobiodiversidade da região
amazônica em nome de uma demanda energética sempre superdimensionada.
O pesquisador do Instituto
Tecnológico da Aeronáutica, Wilson Cabral de Souza Júnior, co-autor do livro,
apresentou os resultados de sua pesquisa sobre a viabilidade econômica das
usinas no Tapajós. A pesquisa demonstra a discrepância entre a previsão de
demanda feita pelo setor elétrico brasileira, sempre superestimada e os custos
socioambientais, sempre subestimados. O resultado dos cálculos impressiona: os
empreendimentos no Tapajós tem 99,45% de probabilidade de serem economicamente
inviáveis. A conta, afirma Wilson, em danos socioambientais variados e custos
de desmatamento e perda de carbono, ficará para a sociedade brasileira.
A pesquisadora do Instituto
Socioambiental (Isa) Biviany Rojas, também autora de artigo no livro, analisou
o papel do BNDES na opção barrageira que atingiu a Amazônia na última década.
“Essas usinas todas dependem do BNDES para existir. Portanto, o BNDES tem
responsabilidade indiscutível na forma como esses empreendimentos foram
executados e nos danos causados”, afirmou. Francisco Firmino da Silva, morador
do beiradão do Tapajós, da comunidade Montanha-Mangabal, que desapareceria caso
fossem construídas todas as barragens previstas, questionou: “quando nós
desmatamos, somos punidos, como pode o governo acabar com tudo, com a nossa
floresta, o nosso rio e o nosso sustento e nada acontecer?”.
* Colaboração MPF/Pará