Cinco milhões de hectares em área
protegidas do Brasil serão diretamente impactados pela mineração em apenas oito
anos se três projetos de lei em discussão no Congresso Nacional forem
aprovados. É uma área equivalente a da Renca (Reserva Mineral de Cobre e seus
Associados), com 4,7 milhões de ha, cuja extinção para mineração assinada pelo
presidente Michel Temer foi cancelada após oposição da sociedade e do
Ministério Público Federal.
O dado vem de um artigo
científico publicado na revista “Environmental Conservation” por pesquisadores
da Universidade Federal de Goiás, do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade).
Os pesquisadores analisaram o
impacto de 13.600 pedidos já em andamento que se sobrepõem a áreas sob algum
regime de proteção. Destes, são 2.400 propostas de mineração planejadas em
áreas onde a atividade é proibida atualmente, além de 11.200 projetos em Áreas
de Proteção Ambiental (APA), onde a mineração já é permitida, e em Áreas de
Relevante Interesse Ecológico (Arie).
A avaliação levou em conta todos
os processos registrados no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM)
que representassem uma solicitação de atividade mineradora, desde a pesquisa de
potencial minerador até o requerimento de implantação da lavra.
Estes projetos podem permitir que
a mineração ocupe 100% da área das unidades de conservação de uso sustentável
(PL37/2011, do deputado Weliton Prado - PT/MG) e das terras indígenas
(PL1610/1996, do senador Romero Jucá – PMDB/RR) e 10% da área das unidades de
conservação de proteção integral (PL3682/2012, do deputado Vinicius Gurgel -
PR/AP).
O mais devastador é o projeto do
senador Romero Jucá. O PL 1.610, que ficou parado por 16 anos mesmo aprovado no
Senado, teve um substitutivo de 2012 pelo relator Édio Lopes, deputado do mesmo
PMDB-RR de Jucá, historicamente ligado ao garimpo. O PL encontra-se em fase
adiantada de tramitação e representaria a vitória das empresas mineradoras
sobre os interesses indígenas após uma batalha legal de 20 anos. Segundo o
levantamento dos pesquisadores, 114 milhões de hectares de terras indígenas
ficariam à disposição dos interesses de mineradoras sem restrição de área.
“O PL1610/1996 é mais um ataque
aos direitos indígenas, já que ele pode permitir atividades de mineração no
futuro, mesmo quando as populações indígenas se opuserem a mineração em suas
terras”, afirma a pesquisadora Caroline Nóbrega, do IPAM, uma das autoras do
estudo.
O artigo 176 da Constituição de
1988 libera a exploração desde que exista uma legislação específica, exatamente
a motivação do PL de Jucá. Por exemplo: 54,9% do território ianomâmi é
requisitado por mineradoras, que registraram 678 pedidos de exploração.
Atualmente, 541 projetos já têm
sido planejados em terras indígenas, cujo desenvolvimento significaria a perda
imediata de 600.000 hectares. Atualmente, o PL37/2011, que impactaria em 3,7
milhões de hectares com 46 propostas de mineração planejadas para unidades de
conservação de uso sustentável, foi retirado de avaliação pelos congressistas.
Entretanto, novas alterações com permissões nesse sentido podem voltar à pauta
a qualquer momento. A aprovação do
PL3682/2012 teria como resultado a perda de 700.000 ha de áreas de proteção
integral. No geral, os pesquisadores encontraram 23 áreas protegidas
brasileiras que seriam perdidas na totalidade no futuro próximo se estes
projetos de lei fossem aprovados e os projetos de mineração já requisitados
desenvolvidos.
A existência de propostas para
minerar em áreas para as quais a atual legislação não permite a execução é uma
evidência de que as empresas apostam na instabilidade jurídica e na
possibilidade de mudanças no médio prazo, que faz coro com o cenário político
atual.
A comprovação dessa aposta veio
com o decreto assinado pelo presidente Michel Temer que extinguiu a Reserva
Nacional do Cobre e Associados no Amapá e Pará, gerando forte repercussão
internacional e obrigando o governo a revogar o decreto. Nesta quarta, a
justiça do Amapá concedeu uma liminar para tornar nulo o decreto, alegando que
somente uma lei pode revogar a criação da Renca.
Ou seja: qualquer medida nesse
sentido precisa ser aprovada pelo Congresso e debatida previamente com todos os
atingidos pela medida, incluindo Estados e municípios do Pará e Amapá, os povos
indígenas e as cooperativas extrativistas que vivem dentro da área, nos termos
da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Em julho, Temer
anunciou, via três medidas provisórias, um novo plano de desenvolvimento do
setor mineral, alterando diversas regras para o setor.
Tudo isso afeta a posição
brasileira nos acordos internacionais já assinados, em que o Brasil se
comprometeu a preservar 17% do seu território com uma rede efetiva de áreas
protegidas e em reduzir o risco de extinção de espécies ameaçadas até 2020.