O desmatamento da Amazônia está
prestes a atingir um determinado limite a partir do qual regiões da floresta
tropical podem passar por mudanças irreversíveis, em que suas paisagens podem
se tornar semelhantes às de cerrado, mas degradadas, com vegetação rala e
esparsa e baixa biodiversidade.
O alerta foi feito em um
editorial publicado nesta quarta-feira (21/02) na revista Science Advances. O
artigo é assinado por Thomas Lovejoy, professor da George Mason University, nos
Estados Unidos, e Carlos Nobre, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia para Mudanças Climáticas – um dos INCTs apoiados pela FAPESP no
Estado de São Paulo em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) – e pesquisador aposentado do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“O sistema amazônico está prestes
a atingir um ponto de inflexão”, disse Lovejoy à Agência FAPESP. De acordo com
os autores, desde a década de 1970, quando estudos realizados pelo professor
Eneas Salati demonstraram que a Amazônia gera aproximadamente metade de suas
próprias chuvas, levantou-se a questão de qual seria o nível de desmatamento a
partir do qual o ciclo hidrológico amazônico se degradaria ao ponto de não poder
apoiar mais a existência dos ecossistemas da floresta tropical.
Os primeiros modelos elaborados
para responder a essa questão mostraram que esse ponto de inflexão seria
atingido se o desmatamento da floresta amazônica atingisse 40%. Nesse cenário,
as regiões Central, Sul e Leste da Amazônia passariam a registrar menos chuvas
e ter estação seca mais longa. Além disso, a vegetação das regiões Sul e Leste
poderiam se tornar semelhantes à de savanas.
Nas últimas décadas, outros
fatores além do desmatamento começaram a impactar o ciclo hidrológico
amazônico, como as mudanças climáticas e o uso indiscriminado do fogo por
agropecuaristas durante períodos secos – com o objetivo de eliminar árvores
derrubadas e limpar áreas para transformá-las em lavouras ou pastagens.
A combinação desses três fatores
indica que o novo ponto de inflexão a partir do qual ecossistemas na Amazônia
oriental, Sul e Central podem deixar de ser floresta seria atingido se o
desmatamento alcançar entre 20% e 25% da floresta original, ressaltam os
pesquisadores.
O cálculo é derivado de um estudo
realizado por Nobre e outros pesquisadores do Inpe, do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e da Universidade de
Brasília (UnB), publicado em 2016 na revista Proceedings of the National
Academy of Sciences.
“Apesar de não sabermos o ponto
de inflexão exato, estimamos que a Amazônia está muito próxima de atingir esse
limite irreversível. A Amazônia já tem 20% de área desmatada, equivalente a 1
milhão de quilômetros quadrados, ainda que 15% dessa área [150 mil km2] esteja
em recuperação”, ressaltou Nobre.
Margem de segurança
Segundo os pesquisadores, as
megassecas registradas na Amazônia em 2005, 2010 e entre 2015 e 2016, podem ser
os primeiros indícios de que esse ponto de inflexão está próximo de ser
atingido.
Esses eventos, juntamente com as
inundações severas na região em 2009, 2012 e 2014, sugerem que todo o sistema
amazônico está oscilando. “A ação humana potencializa essas perturbações que
temos observados no ciclo hidrológico da Amazônia”, disse Nobre.
“Se não tivesse atividade humana
na Amazônia, uma megasseca causaria a perda de um determinado número de
árvores, que voltariam a crescer em um ano que chove muito e, dessa forma, a
floresta atingiria o equilíbrio. Mas quando se tem uma megasseca combinada com
o uso generalizado do fogo, a capacidade de regeneração da floresta diminui”,
explicou o pesquisador.
A fim de evitar que a Amazônia
atinja um limite irreversível, os pesquisadores sugerem a necessidade de não
apenar controlar o desmatamento da região, mas também construir uma margem de
segurança ao reduzir a área desmatada para menos de 20%.
Para isso, na avaliação de Nobre,
será preciso zerar o desmatamento na Amazônia e o Brasil cumprir o compromisso
assumido no Acordo Climático de Paris, em 2015, de reflorestar 12 milhões de
hectares de áreas desmatadas no país, das quais 50 mil km2 são da Amazônia.
“Se for zerado o desmatamento na
Amazônia e o Brasil cumprir seu compromisso de reflorestamento, em 2030 as
áreas totalmente desmatadas na Amazônia estariam em torno de 16% a 17%”,
calculou Nobre.
“Dessa forma, estaríamos no
limite, mas ainda seguro, para que o desmatamento, por si só, não faça com que
o bioma atinja um ponto irreversível”, disse
O editorial Amazon tipping point
(doi: 10.1126/sciadv.aat2340), assinado por Thomas Lovejoy e Carlos Nobre, pode
ser lido na revista Science Advances em
http://advances.sciencemag.org/content/4/2/eaat2340.
O artigo Land-use and climate
change risks in the Amazon and the need of a novel sustainable development paradigm
(doi: 10.1073/pnas.1605516113), de Carlos Nobre, Gilvan Sampaio, Laura Borma,
Juan Carlos Castilla-Rubio, José Silva e Manoel Cardoso, pode ser lido na
revista PNAS em http://www.pnas.org/content/113/39/10759.