O ato de adotar proporciona às novas
famílias a oportunidade de transformar a vida de quem já enfrentou desafios
severos para vir ao mundo e só espera encontrar amor. Foi o desejo de ter
filhos que fez as famílias da funcionária pública Lia Cavalcante, 38 anos, e do
jornalista Eduardo Marques, 44 anos, partirem para a adoção. A decisão mudou a
vida de três crianças, que ganharam novos lares, novas famílias e uma linda
história que está sendo escrita.
Nesta sexta-feira, 25, se comemora o Dia
Nacional da Adoção. Na capital paraense, a Prefeitura de Belém, por meio das
ações da Fundação Papa João XXIII (Funpapa), promove adoções em seus quatro
espaços de acolhimento para crianças e adolescentes, com idades entre 0 e 18
anos, proporcionando a todos, de forma provisória, um ambiente similar ao do
convício familiar.
Foi com o apoio da Funpapa que Lia
Cavalcante conseguiu há pouco mais de um mês a guarda da pequena Liz, de 5
meses. Liz vivia no Espaço de Acolhimento Euclides Filho, localizado no bairro
de São Brás. A funcionária pública e o marido, Marcelo Cavalcante, 37 anos,
iniciaram o processo de adoção em 2015. Fizeram o cadastro, passaram por
entrevistas, chegaram até a fazer alguns contatos com crianças, mas os
processos não foram adiante. No último mês de abril, enfim, Lia e o marido
conseguiram realizar o sonho de ter o primeiro filho.
“Desde o primeiro momento fomos bem
atendidos no Euclides Coelho. Tivemos o acompanhamento dos profissionais
responsáveis por este processo de adoção e, graças a Deus, hoje temos nossa
Liz. Chegamos em casa com ela nos braços e a ficha caiu: sou mãe, me sinto mãe.
Estamos vivendo a maternidade com todos os direitos de pais biológicos,
inclusive estou de licença maternidade e meu marido também recebeu o direito à
licença paternidade. A vida daqui pra frente é de uma nova experiência, repleta
de felicidade”, afirma a funcionária pública.
Na família do jornalista Eduardo
Marques, outra lição de vida. Casado há 14 anos com Júlio Marques, eles sempre
tiveram o sonho de se tornarem pais, mas a vida profissional agitada, com
muitos compromissos, impedia Eduardo de dar o primeiro passo. O amadurecimento
fez com que o casal fosse atrás do sonho.
O processo de adoção levou mais de um
ano e meio para ser concluído, foram muitas reuniões com psicólogos, assistente
social, mudança de endereço para um local maior e uma fila de espera que
parecia não ter fim. Até que em 2016 veio a tão esperada notícia: havia dez
pessoas à frente na fila, porém quem aguardava pela oportunidade de uma nova
família não era uma criança apenas e sim, um casal de gêmeos. Aceitar receber
as duas crianças fez com que eles tivessem a chance da adoção.
“Foi uma adaptação para poder receber
nossos filhos, viemos morar para a Cremação, para estar mais perto da família,
porque era uma das exigências, de que as crianças tivessem esse convívio diário
com outros parentes”, lembra Eduardo. “Quando fomos avisados de que a nossa vez
havia chegado, o coração disparou. Tremia por inteiro. Quando olhamos para eles
a primeira vez tivemos a certeza de que seriam os nossos filhos. Não parimos,
mas criamos um cordão umbilical de amor e fizemos um parto mental de
felicidade”, afirma Eduardo, que adotou Rafael e Vitória, quando tinham 3 meses
de vida.
“Você não sabe o que é uma dor nas
costas, uma canseira que eles dão, mas existe um time por trás que são a avó,
as tias, os tios, os padrinhos, e agora eles estão aí, saudáveis, sapecas,
cheios de amor e recebendo o melhor de todos nós. Inclusive, eles sabem que têm
dois pais. Enfrentamos o preconceito, sim, mas não levantamos uma bandeira por
ser um casal gay adotando uma criança. A maior bandeira é a família, porque são
pessoas abandonadas precisando de famílias. E o que não tem preço é ouvir eles
nos chamando de pais”, diz o jornalista.
Acolhimento - A presidente da Funpapa,
Adriana Azevedo, explica que “as crianças e adolescentes afastados do convívio
familiar por meio de medida protetiva por determinação judicial, em decorrência
de violação de direitos (abandono, negligência, violência) ou pela
impossibilidade de cuidado e proteção por sua família, recebem o acolhimento
até que seja viabilizado o retorno ao convívio com a família de origem ou, na
sua impossibilidade, são encaminhadas para família substituta, por meio de
adoção”.
Os espaços de acolhimento da Prefeitura
de Belém são o Euclides Coelho Filho, em São Brás; o Recomeçar, na Pedreira; o Dulce
Accioli, no Marco; e o Ronaldo Araújo, no distrito de Icoaraci. Com capacidade
de acolhimento de 20 crianças e adolescentes cada, desde 2016 esses espaços
intermediaram 31 adoções.
O Euclides Coelho, em especial, atende
crianças de 0 a 6 anos, e apresenta o maior número de crianças adotadas: 22. O
espaço conta com brinquedoteca, sala de recursos multifuncionais para estimular
as crianças no desenvolvimento, quartos no estilo casinha de boneca,
escovódromo e cozinha ampla. O objetivo é proporcionar às crianças e
adolescentes um ambiente o mais próximo possível do familiar e comunitário.
“Enquanto guardiões destas crianças, nós
temos que proporcionar a elas o menor impacto possível. Elas têm toda a rotina
de uma casa. Vão para as creches estudar, têm o momento de lazer e obrigações
também. São 53 pessoas que, entre cuidadores, educadores, terapeutas
ocupacionais, pedagogos, cozinheiros, se revezam e se dedicam a elas
diariamente”, explica a coordenadora do Euclides Coelho, Luzinete Maia.
O espaço Euclides Coelho conta com
parceria do Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA), da Defensoria
Pública, dos Conselhos Tutelares, da Vara da Infância e da Adolescência e de
todos os demais órgãos de garantia de direitos da criança e do adolescente.
“Foi essa parceria que fortaleceu nosso trabalho e se refletiu nos números de
adoções desse espaço. E hoje nós estamos provando que não precisam ser
construídos mais espaços. Se a gente fortalecer a rede (de parceiros)
diminui-se o acolhimento”, avalia a coordenadora.
Mizael Ferreira é educador social e
trabalha no espaço desde a implantação. No dia a dia ele tem a missão de fazer
com que as crianças recebam os cuidados de rotina, desde a higienização e
alimentação até na manutenção do espaço organizado. “Aqui é a extensão da minha
casa. Procuro dar a eles o amor e a educação que dou aos meus filhos. É uma
realização poder fazer isso que eu não encaro como um emprego, mas como uma
vocação. A base de tudo aqui é carinho, o afeto e o amor”, diz, emocionado.
Adoção - Com base nos dados do Cadastro
Nacional de Adoção (CNA), existem 101 crianças e adolescentes cadastrados para
adoção no Estado do Pará. As crianças que vão para os espaços de acolhimento
são encaminhadas pelo Conselho Tutelar ou pela Vara da Infância e do Adolescente
por terem seus direitos violados. Entre os principais casos estão os relatos de
maus-tratos, abandono, convivência com pais em estado de drogadição, exploração
do trabalho infantil para mendicância e abusos.
O acesso ao acolhimento institucional
para crianças e adolescentes se dá por determinação do Poder Judiciário e por
requisição do Conselho Tutelar. Nesse caso, a autoridade competente deverá ser
comunicada, conforme previsto no Artigo 93 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA).