Foto: Márcio Ferreira/Agência Pará |
A Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal, encaminhou na
quarta-feira (26) ao governador do Pará, Helder Barbalho, uma Nota Técnica na
qual aponta uma série de inconstitucionalidades formais e substanciais no
Projeto de Lei Estadual nº 129/2019, aprovado pela Assembleia Legislativa no
último dia 11.
O PL dispõe sobre a regularização
fundiária de ocupações rurais e não rurais em terras públicas do Pará, revogando
a legislação anterior sobre o tema. Com a nova legislação, parte considerável
do patrimônio fundiário do estado passará para mãos privadas com possibilidade
de preço até nove vezes inferior ao do mercado de terras, sem grande
expectativa de contrapartida social e ambiental. A medida também facilita a
legalização de terras públicas ocupadas ilegalmente e impacta na grilagem de
terras e, consequentemente, no aumento da violência no campo.
Na Nota Técnica ao governador –
responsável por sancionar ou vetar a proposição – a Procuradoria Federal dos
Direitos do Cidadão sugere o retorno do PL à Assembleia Legislativa, de modo
que o colegiado possa analisar o conteúdo da medida tendo como base o devido
processo legal que rege a tramitação de medidas normativas no parlamento, bem
como o que determina a Constituição Federal e a Constituição do Estado no que
se refere ao patrimônio fundiário e à justiça social.
Além da velocidade na tramitação do
projeto – enviado pelo governo do estado à Assembleia Legislativa do Pará em 9
de maio de 2019 e aprovado menos de um mês depois –, não houve a realização de
uma única audiência pública para debater o tema, de modo a avaliar os
potenciais impactos sociais e ambientais do texto.
“Causa espanto que, exatamente no estado
campeão em conflitos no campo, segundo dados históricos levantados pela
Comissão Pastoral da Terra, e com um cenário de 'grilagem' de terras que
permanece inalterado ao longo do tempo, se pretenda decidir questões tão
complexas em tempo tão diminuto e com baixo conhecimento dos impactos na vida
coletiva”, destaca o órgão do Ministério Público Federal.
No documento, a PFDC aponta ainda
violação ao princípio do devido processo legislativo, visto que o PL 129/2019
foi votado em dois turnos em um único dia – contrariando o que estabelece o
regimento interno da Assembleia, segundo o qual projetos de lei devem ter dois
turnos de discussão e votação, com observância a interstício entre esses
períodos. De acordo com o regimento, mesmo para projetos de lei com tramitação
de urgência é vedada a votação da matéria, em dois turnos, no mesmo dia.
“Quando a Alepa votou duas vezes, no
mesmo dia, o PL 129/2019, violou não apenas norma do regimento interno daquela
Casa, mas incorreu em grave ofensa ao devido processo legislativo. Mas não só.
Tanto a Constituição Federal, em seu artigo 58, como a Constituição do Estado do
Pará, em seu artigo 101, estabelecem a necessidade de que as comissões realizem
audiências públicas com entidades da sociedade civil”, reforça o Ministério
Público Federal.
Estrutura fundiária e justiça social -
Em seu posicionamento, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão destaca
que a Constituição Federal de 1988 é explícita quanto à necessidade da
alteração da estrutura fundiária do país, marcada por acentuada concentração da
terra. De acordo com o texto constitucional, a reforma agrária deve ser feita
mediante a desapropriação de imóveis rurais que descumpram a função social da
propriedade ou pela destinação de terras públicas ou devolutas. Do mesmo modo,
a Constituição do Estado do Pará direciona a sua política agrícola, agrária e
fundiária à realização da justiça social.
É por essa razão, destaca o órgão do
MPF, que tanto a Constituição Federal quanto a Constituição do Estado do Pará
buscam assegurar que a destinação de terras públicas e devolutas não se faça em
prejuízo da população do campo que aguarda a implementação do direito à
moradia. As duas cartas também estabelecem a democratização do acesso à terra,
desconcentrando a estrutura fundiária e que a produção agrícola se
diversifique, como garantia de alimentação adequada a todos os brasileiros e
brasileiras.
“No entanto, o PL 129/2019 aparentemente
não ostenta compromisso maior quanto ao cumprimento de quaisquer dessas metas.
Além de facilitar a legalização de terras públicas ocupadas ilegalmente para
especulação e com dispensa do cumprimento constitucional da função social da
terra, permite a venda de médios e grandes imóveis com dispensa de licitação e
estimula a 'grilagem', pois a regularização se dá com preços irrisórios ao
valor de mercado. Há, ao menos potencialmente, a satisfação de interesses
particulares em prejuízo à população mais necessitada, com possibilidade de
grave e irreversível impacto na estrutura fundiária do Pará, seja no que diz
respeito à grilagem, seja quanto ao aumento da violência no campo, já em si
absurda”, sintetiza a Nota Técnica.
O documento é assinado pela procuradora
federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e pelos integrantes do grupo
de trabalho da PFDC sobre Reforma Agrária, os procuradores da República Julio
Araujo, Sadi Flores, Daniel Medeiros e Raphael Bevilaqua. Também assinam o
documento os procuradores da República Nathália Pereira, Ricardo Negrini,
Isadora Chaves, Ubiratan Cazeta e Felipe Palha – representantes do Ministério
Público Federal no Pará.