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Agência Brasil - São Paulo |
O enfrentamento negativo de situações,
envolvendo o sentimento de raiva, falta de perdão e ruminação, pode levar ao
adoecimento, conforme avaliou o médico cardiologista Álvaro Avezum, diretor da
Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp). A recomendação da
Socesp é de que os cardiologistas abordem a questão do que definem como
espiritualidade com seus pacientes. No entanto, a orientação não tem relação
com religião, conforme ressaltou Avezum.
Segundo ele, a definição “é que
espiritualidade é o conjunto de valores morais, mentais e emocionais que
norteiam os nossos pensamentos, os nossos comportamentos e as nossas atitudes,
na vida de relacionamentos consigo mesmo e com o outro. Mas nós acrescemos:
passível de observação e mensuração científica”. Ele acrescenta que os padrões
de comportamento, pensamentos e sentimentos devem ser levados em consideração
no tratamento e na prevenção de doenças cardiovasculares.
O tema da espiritualidade e cardiologia
comportamental e social estão na última edição da revista da Socesp, que trouxe
a discussão sobre a integração desses elementos na prática clínica. “Este é um
assunto em que a ciência está se envolvendo e deve se envolver cada vez mais,
porque é uma maneira de avaliar o paciente na sua integralidade e não apenas um
órgão isoladamente”, disse o cardiologista.
A orientação da entidade para que haja
uma avaliação por parte dos médicos envolvendo fatores de espiritualidade está
baseada na Diretriz de Prevenção Cardiovascular da Sociedade Brasileira de
Cardiologia. Avezum reforça que a indicação de abordagem dessas questões é para
pacientes considerados estáveis. “Se o paciente estiver em situação clínica
instável, em uma UTI, você não deve avaliar isso. Entretanto, o paciente
estável, em ambulatório ou consultório, deve ter sua espiritualidade avaliada.”
“[Infarto e acidente vascular cerebral]
constituem a causa número um e número dois de morte no Brasil, e o AVC é a
causa número um de incapacitação. Dentro dos fatores de risco, além da
hipertensão, do diabetes, tabagismo, da obesidade, do colesterol alterado, da
alimentação não saudável e do sedentarismo, nós já tínhamos a confirmação de
que estresse e depressão são preditores independentes de infarto, como também
de acidente vascular cerebral”, disse. O termo preditores independentes
significa que a presença daquele fator aumenta significativamente a chance da
ocorrência dos eventos, no caso, infarto e AVC.
O médico avalia que a associação é
significativa. Segundo ele, prevenir e gerenciar estresse evita em torno de um
terço do total de casos de infarto. “O enfrentamento negativo das situações
adversas - raiva, hostilidade, não perdoar, mágoa, ruminação, isso é
enfrentamento negativo - está associado à liberação e produção de determinados
hormônios [adrenalina e cortisol], aumentando a atividade inflamatória e
pró-coagulante, associando-se ao adoecimento cardiovascular”, disse Avezum ao
explicar que atividade inflamatória é nociva para o paciente.
Segundo ele, o enfrentamento positivo -
quando o indivíduo tem disposição ao perdão, altruísmo, gratidão - está
associado a uma melhor saúde cardiovascular. “Há estudos mostrando a associação
de enfrentamento negativo, sentimentos não edificantes, com adoecimento
cardiovascular. Se isso se associa com adoecimento, eu preciso avaliar, dentro
da minha consulta, se o indivíduo tem questões de estresse, de depressão ou de
enfrentamento negativo das situações adversas, sejam conjugais, profissionais
ou mesmo na sociedade.”
Estudos
O cardiologista citou dois estudos
norte-americanos que avaliaram se um fator de risco estava associado a uma
doença. Em ambos foi observada a associação entre raiva e adoecimento. “Quando
nós falamos primeiro do diabetes, esse estudo chamado MESA avaliou quase 5,6
mil indivíduos e seguiu por 11 anos. Ele mostrou que indivíduos que tinham o
traço de raiva, o indivíduo mais explosivo,
aumentava o risco de desenvolver diabetes em 50%.”
O segundo estudo, chamado Aric, envolveu
em torno de 13 mil pessoas e seguiu por 18 anos, de acordo com Avezum. “[O
estudo] mostrou que indivíduos que tinham prontidão para raiva aumentavam em
44% a chance desenvolver insuficiência cardíaca. Então não são apenas os
fatores convencionais que conhecemos que aumentam o risco de diabetes ou de
insuficiência cardíaca. Complementarmente, há fatores ligados à espiritualidade
que mostram associação com adoecimento”, disse.
“Hoje tratamos a hipertensão arterial
porque houve confirmação de que ela é fator de risco para infarto do miocárdio
e acidente vascular cerebral, e que tratamento anti-hipertensivo permite a
redução desses eventos cardiovasculares. Os estudos clínicos em espiritualidade
são preliminares e promissores, havendo necessidade de realização de estudos
maiores para definir se intervenções baseadas em perdão ou em gratidão, por
exemplo, podem reduzir a ocorrência de infarto do miocárdio, acidente vascular
e morte cardiovascular”, acrescentou o especialista.