O Ministério Público Federal (MPF)
denunciou o coronel da reserva do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura,
conhecido como major Curió, pelo homicídio qualificado e ocultação do cadáver
do camponês Pedro Pereira de Souza, conhecido como Pedro Carretel, integrante
da guerrilha do Araguaia, movimento de resistência armada à ditadura militar
brasileira.
O assassinato ocorreu no início de 1974,
no sudeste do Pará. Na época, Pedro Carretel já tinha se entregado aos
militares, estava preso e era obrigado a trabalhar como guia do Exército nas
matas da região. Um grupo chefiado por Curió levou a vítima de uma base militar
conhecida como Casa Azul, em Marabá, até uma fazenda em Brejo Grande do
Araguaia, e executou o preso a tiros enquanto ele estava sentado e de mãos
amarradas.
Segundo a denúncia, os demais membros
das Forças Armadas que auxiliaram Curió a matar o guerrilheiro ainda não foram
identificados ou já estão falecidos. O cadáver da vítima foi ocultado e os
restos mortais não foram encontrados até o momento, registra a ação, assinada
por sete procuradores da República integrantes da Força Tarefa (FT) Araguaia,
do MPF.
Ajuizada no último dia 9, é a décima
denúncia do MPF contra militares por crimes na repressão à guerrilha. No total,
já são sete denúncias pelos assassinatos de dez opositores à ditadura, duas
denúncias pelo sequestro e cárcere privado de seis vítimas, e uma denúncia por
falsidade ideológica. Sebastião Curió, que comandou o combate aos
guerrilheiros, é acusado em sete das dez ações criminais.
Extermínio como política estatal – Dados
oficiais, relatórios produzidos sobre o assunto e investigações realizadas pelo
MPF atestam que a repressão política à guerrilha do Araguaia foi responsável
por quase um terço do número total de desaparecidos políticos no Brasil,
destaca a denúncia.
Para o MPF, o extermínio dos
guerrilheiros decorria de diretrizes padronizadas e planejadas pelo Exército, e
não de excessos pontuais ou casos isolados. As práticas criminosas traduziam a
política estatal que determinou o comportamento dos agentes militares no
Araguaia, frisam os procuradores da República na denúncia.
Essas práticas foram especialmente
violentas durante a terceira e mais sangrenta fase de combate à guerrilha,
batizada de operação Marajoara, da qual Pedro Carretel foi uma das vítimas.
Essa campanha militar ficou caracterizada pela eliminação definitiva dos
guerrilheiros, mesmo quando rendidos ou presos com vida, e pela forte repressão
aos moradores locais como forma de obter informações e impedir a perpetuação da
guerrilha.
Na operação Marajoara houve o
“deliberado e definitivo abandono do sistema normativo vigente, decidindo-se
pela adoção sistemática de medidas ilegais que visavam, notadamente, o
desaparecimento forçado dos opositores”, assinalam os procuradores da República
Adriano Augusto Lanna de Oliveira, Igor Lima Goettenauer de Oliveira, Ivan
Cláudio Garcia Marx, Luiz Eduardo Camargo Outeiro Hernandes, Sadi Flores
Machado, Tiago Modesto Rabelo e Wilson Rocha Fernandes Assis.
Identificação correta – Durante as
investigações o MPF chegou à identificação correta da vítima, um avanço na
garantia da memória que também cumpre com os objetivos da Justiça de Transição,
conjunto de medidas adotadas para enfrentar um passado de ditadura. Até o
ajuizamento da denúncia, em vários documentos – inclusive oficiais – Pedro
Carretel ou era citado apenas pelo apelido, ou era apresentado como Pedro
Matias de Oliveira, ou sequer era mencionado. O MPF cruzou dados de documentos
fornecidos à Comissão de Anistia e de documento do Exército com informações
apresentadas por uma familiar da vítima ouvida pelo MPF, e conseguiu esclarecer
o nome correto de Pedro Carretel, que é Pedro Pereira de Souza.
Saiba mais – O MPF trava um embate
jurídico desde 2012 pela responsabilização por atos criminosos cometidos no
regime ditatorial, por considerar que representam atos de lesa-humanidade. Por
isso, com base no direito internacional e em decisão da Corte Interamericana de
Direitos Humanos (caso Gomes Lund vs Brasil), trata-se de crimes não alcançados
pela prescrição ou anistia. As informações sobre a atuação do MPF em Justiça de
Transição foram reunidas no site www.justicadetransicao.mpf.mp.br .