O Ministério Público Federal
(MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) entraram na Justiça nesta
terça-feira, 25 de outubro, com ação que pede a determinação de providências
urgentes para possibilitar que a população de Barcarena, município vizinho a
Belém, tenha acesso a água potável. Apesar de ainda em 2014 ter sido divulgada,
pela Universidade Federal do Pará (UFPA), pesquisa que concluiu que a água
consumida pela população da sede e de 26 localidades do município estava
contaminada por metais pesados, e de o tema ter sido discutido em audiência
pública naquele ano, até este segundo semestre de 2016 nenhuma providência foi
tomada para solucionar o problema.
O MP pede que a Justiça Federal
obrigue a União, o Estado do Pará e o município de Barcarena a planejar e
executar, em um prazo de quatro meses e meio, o cadastro de todas as famílias
moradoras das áreas onde foi detectada contaminação na água. Concluído o
cadastro, empresas de Barcarena devem fornecer água para consumo humano a essas
comunidades até que elas tenham acesso a sistema de abastecimento de água potável,
pede a ação. Foi pedida uma quantidade mínima diária de dois litros de água por
pessoa, a ser fornecida por meio de caminhões-pipa ou de embarcações.
A promotora de Justiça Viviane
Lobato Sobral Franco e o procurador da República Bruno Araújo Soares Valente
pedem, ainda, que, dentro de um ano e três meses e simultaneamente ao cadastro
e atendimento das famílias afetadas, os réus sejam obrigados a construir
projeto de abastecimento de água potável, providenciar verbas e iniciar as
obras.
Caso as verbas não sejam
providenciadas, o MP pede que à Justiça obrigue a utilização de recursos
destinados à propaganda institucional e, em um segundo momento, de verbas
destinadas ao pagamento de assessores especiais dos chefes do poder executivo e
secretários de Infraestrutura. Se a Justiça acatar os pedidos do MP e a decisão
não for cumprida, a ação pede que os responsáveis sejam multados em R$ 5 mil
por dia de desobediência à Justiça.
Contaminação – O Laboratório de
Química Analítica e Ambiental da UFPA detectou nas amostras os seguintes
elementos em quantidades superiores às dos limites máximos apontados pela
legislação brasileira: chumbo, alumínio, selênio e fósforo. Textos científicos
citados pelo MP na ação informam que os efeitos tóxicos desses elementos podem
incluir distúrbios no sistema nervoso, anemia, doença cardiovascular, câncer,
degeneração dos ossos, distúrbios na função renal e na reprodução.
Em 2015, vistoria e perícia do
MPPA confirmaram a precariedade do acesso à água em várias comunidades locais.
No sistema de abastecimento público não foi identificado nenhum tipo de
controle de qualidade do produto, determinado pelo Ministério da Saúde.
Descontrole – Para o MP, há
fortes indícios de que a população de Barcarena vem consumindo água com contaminação
ligada à atividade industrial que é desenvolvida no município.
Por isso, além do município – o
ente federativo que tem a obrigação de fornecer água tratada -, figuram como
réus a União, pelo descaso com os impactos socioambientais decorrentes da
decisão política de criação do distrito industrial de Barcarena, o Estado do
Pará, pela falta de monitoramento desses impactos, e indústrias (Albras,
Alunorte, Imerys, Oxbow, Votorantim e Yara) com atividade efetiva ou
potencialmente poluidora.
Para demonstrar a precariedade do
licenciamento ambiental das atividades industriais em Barcarena, o MP elencou
alguns dos acidentes ambientais ocorridos na área:
2000: naufrágio da balsa Miss
Rondônia, com derramamento de aproximadamente 2 milhões de litros de óleo BPF
no rio Pará;
2002: derramamento, no rio Pará,
de cerca de 100 quilos de coque (pó preto derivado do petróleo, também
conhecido como carvão mineral), devido a uma falha no sistema utilizado para
transportá-lo de um navio para o interior do complexo industrial
Albras/Alunorte, ocasionando uma mancha negra em suas águas de aproximadamente
dois quilômetros de extensão;
2003: vazamento de grande
proporção de lama vermelha de bacias de rejeitos da Alunorte, acarretando
contaminação do rio Murucupi, o que gerou a assinatura de Termo de Ajustamento
de Conduta (TAC) com o MPPA e inquéritos policiais;
2003: a localidade de Vila do
Conde registrou episódio de uma chuva de fuligem, em que as praias, rios,
residências e estabelecimentos comerciais foram completamente cobertos de
material particulado com coloração preta, não tendo havido definição sobre a
identificação da empresa responsável pela ocorrência, sendo que a fuligem, que
chegou a atingir cinco centímetros de espessura, gerou reação alérgica e
complicações respiratórias em grande quantidade de pessoas;
2004: vazamento de grande
proporção de material proveniente de bacias de rejeito na Imerys, ocasionando
contaminação dos igarapés Curuperê e Dendê;
2006: “floração de algas” no
igarapé Mucuraçá e praia do Caripi;
2006: novo vazamento de material
proveniente de bacias de rejeito na Imeyrs com nova contaminação dos cursos
d'água;
2007: novo acidente ambiental
envolvendo rejeito da empresa Imerys, desta vez de proporção ainda maior,
atingindo até mesmo o rio Pará, o que gerou a assinatura de TAC com o MPPA,
além de inquérito policial;
2007: mortandade de peixes no rio
Arienga, iniciando-se próximo à área industrial da Cosipar;
2008: vazamento de óleo das
instalações da Petrobras em Vila do Conde;
2008: naufrágio do rebocador
Jeany Glalon XXXII, próximo à localidade denominada Furo do Arrozal,
ocasionando o vazamento de aproximadamente 30 mil litros de óleo e uma mancha
de cerca de 17 quilômetros de extensão;
2009: vazamento de lama vermelha
das bacias de rejeito da Alunorte, atingindo várias comunidades;
2010: ocorrência de fenômeno de
nuvem de fuligem que encobriu todo o bairro industrial do município;
2011: rompimento de duto com
efluentes ácidos da Imerys, atingindo, mais uma vez, os igarapés Curuperê e
Dendê;
2012: mais um vazamento de
material das bacias de rejeito da Imerys;
2014: novo vazamento de rejeito
da Imerys, o que chegou a ser objeto de ação cautelar ajuizada pelo MPF e MPPA
na Justiça Federal de Belém, tendo havido posterior assinatura de TAC, que se
encontra em fase de fiscalização do respectivo cumprimento;
2015: naufrágio do navio Haidar,
no leito do porto de Vila do Conde, com 5 mil bois vivos, que provocou graves
impactos ambientais sobre toda a região, sendo a questão objeto de ação civil
pública em andamento na Justiça Federal de Belém.
Processo nº
0030344-74.2016.4.01.3900 – 9ª Vara da Justiça Federal em Belém (PA)