O turismo de interação na Amazônia, como
é chamado esse tipo de atividade, é muito comum na localidade do baixo Rio
Negro, um dos ambientes de ocorrência do boto-vermelho - mais conhecido fora da
Amazônia como boto-rosa. No entanto, no local, nenhum estudo foi feito a fim de
entender a distribuição da espécie, suas ameaças ou estimativa populacional.
Por ser um animal bastante curioso, o ecoturismo com o boto-vermelho aguça a
curiosidade dos turistas por ser um animal extremamente sociável, mas essa
atividade pode acabar sendo prejudicial a espécie, devido à falta de
informações sobre as suas fragilidades e outras características.
Foi pensando nisso que a Associação
Amigos do Peixe-boi (AMPA), com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à
Natureza, iniciou uma pesquisa, denominada “Distribuição e estimativa
populacional de boto-vermelho (Inia geoffrensis) e tucuxi (Sotalia fluviatilis)
no baixo rio Negro, Amazonas”, que estuda aspectos da biologia da duas espécies
de golfinhos fluviais.
“Entendemos que a atividade do turismo
de interação no local é rentável para a região, mas precisamos visar a
conservação desses animais. Não queremos eliminar essa atividade, mas levantar
todos os dados possíveis, para que haja melhor embasamento na educação ambiental,
tanto para agentes do turismo, quanto para turistas. Além disso, pretendemos
com esse projeto, apoiado pela Fundação Grupo Boticário, identificar os
botos-vermelhos envolvidos nessa atividade, visando sempre a conservação da
espécie na região”, analisa a responsável técnica do projeto, Marcele Cunha
Ribeiro do Valle.
Segundo Marcele, o Conselho Estadual do
Meio Ambiente do Amazonas aprovou recentemente o ordenamento do turismo de
interação com botos no estado do Amazonas que, teoricamente, irá aumentar a qualidade
da atividade e maior segurança dos animais e do turista. “Precisamos que as
pessoas entendam as espécies. Os botos utilizam a ecolocalização e são
extremamente sensíveis na região da cabeça, onde fica o melão. Esse local deve
ser evitado de ser tocado, mas muitas vezes essa informação não é repassada aos
turistas, que acabam apertando e até machucando os animais. Outra ação
prejudicial é a alimentação recorrente durante os períodos de visitação, o que
pode ocasionar uma ingestão excessiva de peixes”, alerta.
Na opinião da pesquisadora Vera da
Silva, coordenadora do projeto, o turismo de interação é uma faca de dois gumes
e deve ser realizado com cautela. “O boto-vermelho e o tucuxi não são bem
vistos na região e estão sendo caçados quase à beira da extinção. Apesar de o
turismo de interação não ser a melhor forma de estimular a conservação dessas
espécies, é uma das únicas armas que temos para conseguir a empatia da
sociedade e a conscientização da necessidade de proteção desses carismáticos
animais”, analisa a pesquisadora, que é membro da Rede de Especialistas de
Conservação da Natureza e coordenadora do Laboratório de Mamíferos Aquáticos do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Apesar da proibição, o uso do boto como
isca para a Piracatinga continua sendo praticada na região, de acordo com Vera
da Silva. “Os pescadores se aproveitam da pouca fiscalização e continuam
matando botos, mesmo sendo uma atividade proibida por lei. A piracatinga,
pescada com carne de boto, é vendida como carne de surubim e outros peixes
comerciais nos supermercados de Manaus, enganando tanto os consumidores como as
entidades fiscalizadoras”, denuncia. Com isso, desde 2000, a população do
boto-vermelho chegou a ser reduzida pela metade. “A população de botos no Rio
Amazonas só vem declinando, mesmo na região onde o estudo foi desenvolvido que
é uma área de reserve, protegida e conservada. Isso mostra como a caça
predatória ainda não acabou, mesmo com a proibição”, lamenta.
Objetivos do projeto
Como ponto de partida, Vera e Marcele
garantem que o foco das pesquisas está na conservação das espécies no local
visando a recuperação e a melhoria de status de conservação de ambas. O projeto
pretende fornecer dados junto com outras instituições parceiras para que fique
clara a situação desses animais e, com isso, o turismo de interação traga
somente bons frutos à sociedade, aos botos e ao meio ambiente. “Temos que
entender a distribuição desses animais na região para, a partir daí, saber
quais são suas principais ameaças e necessidades”, completa a pesquisadora. De
acordo com Vera, os dados populacionais coletados nesta pesquisa servirão como
subsídio para a campanha Alerta Vermelho, criada pela AMPA, que vem trabalhando
junto aos órgãos públicos.
O boto-vermelho e o tucuxi são espécies
endêmicas da bacia amazônica e ambas estão inseridas em listas de alerta. O
boto-vermelho aparece na lista do Ministério do Meio Ambiente na categoria “Em
perigo”, enquanto o tucuxi está como “Quase ameaçado”, segundo os dados de 2014.
“No caso do boto-vermelho, a grande ameaça foi por conta de sua caça para a
pesca de Piracatinga, também chamado de urubu d´água. Essa atividade, muito
comum até recentemente e desde 2015 está proibida no Brasil”, argumenta Marcele
do Valle.
Sobre a Fundação Grupo Boticário
A Fundação Grupo Boticário de Proteção à
Natureza é uma organização sem fins lucrativos cuja missão é promover e
realizar ações de conservação da natureza. Criada em 1990 por iniciativa do
fundador de O Boticário, Miguel Krigsner, a atuação da Fundação Grupo Boticário
é nacional e suas ações incluem proteção de áreas naturais, apoio a projetos de
outras instituições e disseminação de conhecimento. Desde a sua criação, a
Fundação Grupo Boticário já apoiou 1.510 projetos de 501 instituições em todo o
Brasil. A instituição mantém duas reservas naturais, a Reserva Natural Salto
Morato, na Mata Atlântica; e a Reserva Natural Serra do Tombador, no Cerrado,
os dois biomas mais ameaçados do país. Outra iniciativa é um projeto pioneiro
de pagamento por serviços ambientais em regiões de manancial, o Oásis. Mais
informações: http://www.fundacaogrupoboticario.org.br/
Sobre a Rede de Especialistas de
Conservação da Natureza
Rede de Especialistas de Conservação da
Natureza é uma reunião de profissionais, de referência nacional e
internacional, que atuam em áreas relacionadas à proteção da biodiversidade e
assuntos correlatos, com o objetivo de estimular a divulgação de
posicionamentos em defesa da conservação da natureza brasileira. A Rede foi
constituída em 2014, por iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à
Natureza.