O gênio Beethoven disse certa vez que a
música é uma revelação superior à filosofia, porque ela não exige conhecimento
para ser compreendida. Esse poder da música que eleva a alma, encanta e une
pessoas de diferentes origens e idades, sem distinção de classe social, é
aliado dos profissionais de saúde que cuidam de vidas nos hospitais
administrados pelo governo do Estado.
Os ambientes que, algumas vezes, são
frios e fechados ganham vida nova com a presença dessa que é considerada uma
das formas de expressão mais sublimes já criadas pelo homem. Aquela canção que
está nas paradas de sucesso ou o flashback que anima o público no bar pode ser
usada como um eficiente recurso terapêutico no auxílio de diversos tratamentos,
dos mais simples aos mais complexos. Os benefícios são comprovados.
No Hospital Oncológico Infantil Octávio
Lobo, em Belém, a música chega para abrir o sorriso das crianças em tratamento
contra o câncer. As tardes de terça-feira são destinadas à atividade, dentro da
política de humanização que busca oferecer a melhor assistência e tornar o
ambiente hospitalar o mais acolhedor possível. Voluntários de entidades parceiras,
como o Instituto Áster, levam carinho e atenção aos pacientes internados, numa
liga do bem que ajuda a amenizar a dor, o sentimento de solidão e o medo,
muitas vezes comum entre quem precisa manter a positividade na luta contra uma
doença grave.
“Meu filho já espera pela chegada do dia
da música. Ele é muito musical. Estimulei isso nele desde a gravidez. É só os
meninos aparecerem que ele vem assistir às apresentações. É um momento de
descontração, de esquecer as agulhadas e o gosto amargo dos remédios, de
renovar as esperanças para que a gente vença a doença”. O depoimento emocionado
da cerimonialista Carolina Mendes 26, sobre o filho Davi, 6, que há seis meses
faz tratamento contra leucemia, resume o sentimento que a música suscita em
pacientes e acompanhantes. No Oncológico, a interação musical é realizada em
espaços específicos, como a brinquedoteca, mas pode ocorrer também nos quartos,
seguindo recomendações médicas.
Para Suzana Loureiro, terapeuta
ocupacional no Hospital Oncológico Infantil, a música contribui sobremaneira na
manutenção do bem estar de pacientes e familiares. “Com esse projeto,
valorizamos nossos usuários e as habilidades que eles têm. O voluntariado que
participa conosco é formado por pessoas de diversas áreas do conhecimento. Este
é um momento em que nos congregamos com os pacientes, dando-lhes assistência
humanizada. Sem dúvida a música quebra a rotina do processo de hospitalização,
que pode ser bem difícil para muitos”, explica. É o alcance da resiliência, que
pode ajudar pacientes e familiares a vencer dificuldades.
Indução
O uso terapêutico da música já foi
avaliado cientificamente. No estudo "Interação dinâmica entre ritmos
musicais, cardiovasculares e cerebrais”, feito na Universidade de Pavia, na
Itália, pesquisadores liderados pelo professor Luciano Bernardi contaram com a
participação de 24 jovens, a metade deles sem treinamento musical, para
comprovar os benefícios das melodias em diferentes tipos de tratamento médico.
De olhos fechados e usando fones de ouvido, eles ouviram, entre outras
composições, o adágio da Quinta Sinfonia de Beethoven e a ária "Nessum
dorma", de Puccini. O objetivo era analisar, principalmente, as respostas
do sistema nervoso autônomo da cada um.
Os pesquisadores perceberam que a
frequência cardíaca e a pressão arterial dos participantes aumentaram a partir
da vasoconstrição da pele, induzida, por sua vez, pelos trechos musicais
selecionados pelo estudo. A hipótese levantada – e comprovada – é que as
respostas inconscientes à música relacionadas ao sistema cardiovascular
eventualmente podem resultar em mais uma ferramenta para o tratamento de
doenças cardíacas. O estudo deve ser repetido com a participação de uma
população idosa, com idade acima dos 70 anos.
“A música pode trazer mais qualidade de
vida a todos os seres humanos. Aquelas pessoas que passam por um processo de
hospitalização recebem esse e outros benefícios, sem dúvida, porque essa
ferramenta ajuda na socialização, no estímulo à criatividade e na valorização
das capacidades cognitivas. É imediata a sensação de bem-estar que uma bela
melodia pode causar na gente. Por isso o recurso é tão usado nos hospitais e em
outros espaços que precisam criar um ambiente positivo”, endossa a professora
Eliana Cutrim, coordenadora do curso de Música da Universidade do Estado do
Pará (Uepa). Ela fala com a propriedade de quem já coordenou um projeto de
extensão da instituição que levou a música a hospitais para auxiliar o
tratamento médico.
E não são apenas os pacientes que
recebem os benefícios dessa interação musical. A estudante Graziele Reis, 18
anos, do Instituto Áster, canta e sorri para os pequenos que vão chegando, a
princípio tímidos, mas logo em seguida mais soltos, para assistir à
apresentação. Davi é um dos mais animados. Em poucos minutos ele começa a bater
o pé e fazer pedidos. “Esse trabalho me faz um bem danado. Venho com toda a
alegria e me dôo a essas pessoas que tanto precisam de uma palavra amiga, de
conforto. A música é capaz de nos transformar nesse processo. Saio daqui mais feliz
e ciente do quanto sou privilegiada por ter saúde”, assinala Graziele.
Expansão
Os hospitais do interior também usam a
música como ferramenta terapêutica. O Hospital Regional da Transamazônica, em
Altamira, no sudoeste do Estado, promove, há quatro anos, a apreciação musical
com o objetivo de humanização. Músicos do 51º Batalhão de Infantaria e Selva do
Exército apresentam-se uma vez por semana no hall de assistência. Tanto quem
está aguardando para fazer exames ou se consultar quanto os pacientes internados
e seus acompanhantes podem apreciar as apresentações, que chegam também a alas
específicas, como o ambulatório, os setores de hemodiálise e de imagem e o
laboratório.
No Hospital Regional do Sudeste do Pará,
que fica em Marabá, o trabalho também é feito com parceiros. Um deles é o grupo
Filhos da Caridade. Os voluntários não medem esforços para levar aos enfermos
um pouco de alegria e descontração. “Estou desde as 8 horas trabalhando, mas
não poderia deixar de vir aqui, porque é algo muito especial. Cada vez que faço
parte dessa ação, volto para casa com uma bagagem muito grande de experiências.
A gente vê tantas pessoas passando por problemas que, às vezes, o nosso fica
pequeno. São experiências de vida que mudam o nosso olhar”, atesta o voluntário
Jacenir Rodrigues.
O diretor geral do Hospital Regional de
Marabá, Valdemir Girato, diz que a música diminui a permanência do paciente na
unidade, pois ela traz conforto e aconchego. A musicoterapia, explica a
coordenadora de Humanização do hospital, Caroline Nogueira, está inserida no
Programa de Voluntariado. Os voluntários que vão ter contato com os pacientes
passam por treinamento específico, para atentar às normas de segurança
hospitalar. “Os usuários sentem muita alegria e melhoram a disposição e autoestima.
Às vezes eles estão abatidos por causa da dor ou pelo ambiente em si, mas o
voluntariado traz uma energia diferente”, completa.
* Colaboraram Aretha Fernandes (Ascom
Hospital Regional do Sudeste) e Gustavo Campos (Ascom Hospital Regional da
Transamazônica)