Representantes dos taxistas e dos
motoristas de aplicativos estiveram reunidos na manhã desta quarta-feira, 18,
para mostrar à equipe técnica da Prefeitura de Belém seus respectivos pontos de
vista acerca da prestação de serviço de transporte de passageiros por
aplicativos na cidade. A reunião, mediada pelo prefeito Zenaldo Coutinho, teve
por objetivo esclarecer a posição de cada grupo para subsidiar a construção do
decreto que regulamentará o serviço.
A reunião iniciou com uma explanação da
Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos (Semaj), apresentando aspectos
relacionados à Lei Federal que não podem ser alterados pelo município, e
contextualizando o que já foi tentado por algumas prefeituras e derrubado por
tribunais, como a questão de determinar uma outorga prévia com definição de
placa específica e cor de veículo, como ocorre com os táxis. Muito menos
limitar a quantidade dos veículos aptos a prestar o serviço, o que deve ser
regulado pela lei de mercado.
“O que a gente tem visto no judiciário
brasileiro é que há uma distinção muito clara do serviço público de
passageiros, prestado por taxistas, e o dos aplicativos, entendido como
iniciativa privada. Não há como se adotar a mesma sistemática dos taxistas aos
aplicativos. Placa diferente, determinar cor de carro, exigir licença prévia
são requisitos que não se tem como exigir dos aplicativos, porque isso
influiria na iniciativa privada e é exatamente isso que vem sendo considerado
inconstitucional pelos tribunais. Não podemos, então, fazer o mesmo método de
regulamentação para o exercício das atividades, porque partem de ideias
completamente distintas, apesar de o serviço prestado ser similar”, pontuou o
procurador-chefe da Semaj, Bruno Freitas.
“Hoje há a Lei Federal, que tem que ser
o farol para nos conduzir. Somos obrigados a nos submeter a ela, que tem alguns
princípios que devem ser seguidos pelo município”, destacou o prefeito Zenaldo
Coutinho. “É uma lei bastante restritiva quanto à relação dos aplicativos com
os municípios, por isso vieram diversas ações questionando essa lei. Nós
mesmos, no âmbito do município de Belém, chegamos a editar uma lei que
estabelecia uma série de requisitos que transformava o serviço por aplicativos
muito similar ao dos taxistas. A gente tentou dar um tratamento igualitário às
duas prestações de serviço, o que foi suspenso pela Justiça, e agora começamos
a discussão quanto ao que efetivamente poderá ou não ser feito dentro do que
nos permite a Lei Federal”, completou o procurador da Semaj.
A Lei Federal 13.640, de 26 de março de
2018, diz que o serviço de transporte remunerado privado individual de
passageiros somente será autorizado ao motorista que cumprir as seguintes
condições: possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior,
que contenha a informação de que exerce atividade remunerada; emitir e manter o
Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV); apresentar certidão
negativa de antecedentes criminais; e conduzir veículo que atenda aos
requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autoridade de
trânsito e pelo poder público municipal. E é exatamente neste ponto que o
município pode regulamentar.
“A lei também diz que podemos fazer a
efetiva cobrança dos tributos municipais devidos pela prestação do serviço, o
que inclui o ISS (Imposto Sobre Serviços), taxa de ocupação de rua, que pode
ser cobrado da plataforma e do motorista. São mecanismos que pela lei cabem ao
município, e é isso que vamos discutir. O que não dá é para que os aplicativos
fiquem prestando serviço como hoje, completamente sem fiscalização”, completou
o prefeito.
Concluída a introdução sobre os aspectos
jurídicos, abriu-se o debate com espaço de 20 minutos de fala para cada grupo,
mais réplicas, tréplicas e perguntas entre si. Por sorteio, ficou definido que
os taxistas foram os primeiros a ter a palavra.
“Hoje a nossa luta não é contra os
profissionais que estão do outro lado do volante. A gente fala na questão da
deslealdade das empresas, que vêm praticando um valor menor, explorando seus
profissionais e, com isso, inchando o mercado. A gente não tem competitividade,
não tem como acompanhar o preço deles. E o impacto que a categoria de táxi
sofreu com o quantitativo desses aplicativos? Hoje somos 5402 taxistas,
enquanto nos aplicativos são mais de dez mil motoristas”, desabafou César
Santos, falando pela categoria de taxistas, na qual milita há 24 anos. “Antes,
a minha renda era de R$ 6 mil a R$ 7 mil mensais. Hoje, não consigo chegar a R$
2 mil e, no final do mês, tenho que escolher o que pago de contas. Nós sabemos
a dificuldade que o país passa, mas para amenizar esse problema econômico vamos
sugar outra categoria? Ninguém está querendo que os aplicativos parem de
existir, porque isso é de âmbito internacional, estamos cientes disso, mas
queremos uma regulamentação”, disse.
A oferta do serviço com um preço mais
baixo do que o cobrado pelos taxistas é, para os motoristas de aplicativo, um
benefício do mercado. “Colocou-se aqui apenas o interesse do motorista e
esqueceu-se o do consumidor. Não há concorrência desleal. O que há é a inserção
de outros clientes neste serviço. Antes, quando alguém ligava da Terra Firme
pedindo um táxi, ele ouvia um ‘não’, porque o bairro é perigoso. Hoje o
motorista mais próximo é acionado pelo aplicativo. Há, então, a inclusão
social”, disse Karl Marx, advogado que falou em nome dos motoristas de
aplicativo, ele mesmo um prestador desse tipo de serviço. “Não me envergonho,
acho profissão digna e honro o que faço. Em tempos em que há concorrência, o
consumidor tem o direito da escolha”, justificou.
Além das exigências da Lei Federal e as
que serão impostas pela Prefeitura de Belém, o advogado disse que há mecanismos
de regulamentação das próprias empresas, o que já restringe a prestação do
serviço. “Há uma série de exigências de documentação, procedimentos de
verificação de segurança. Todo mundo acha que basta se cadastrar que na hora e
já sai motorista de aplicativo. Sem contar que o passageiro pode avaliar a
corrida, deixar comentários, e o mais importante de tudo que é o controle de
direção. O aplicativo tem acesso ao GPS do carro e pode ver aceleração,
frenagem e verificar se o motorista está dirigindo de forma agressiva, o que
pode resultar em sanção pedagógica com punição para o motorista. Não é, então,
um serviço sem exigências. Esperamos que o clima de conflito seja superado para
que o município possa estar integrado, pensando não só nos bolsos dos
prestadores de serviço. O mercado por si só se encarrega disso. O
relacionamento, tratar a pessoa com dignidade, é que faz a diferença,
independente se é taxista ou motorista de aplicativo”, pontuou.
A fala dos aplicativos foi concluída por
Roberto Moreira, ele mesmo filho de pai taxista, e que portanto conhece bem os
dois lados da moeda nas ruas. “Meu pai é taxista com muitos anos de praça e
sentimos o impacto da chegada dos aplicativos. Mas o avanço tecnológico chegou
para todos. A categoria dos taxistas tem que procurar ver como melhorar o
serviço sem onerar a população. O mercado e a concorrência se encarregam do
resto”, ponderou.
Passada a fase de exposição de ideias,
os técnicos da Semaj e da Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana
(SeMOB) irão alinhavar o decreto, que deverá ser assinado pelo prefeito até o
mês de agosto. “Vocês falaram com o coração, com razão, com defesas jurídicas,
mas acima de tudo mantiveram civilidade. Não estamos tratando de coisas
abstratas, mas de vidas das pessoas, entendendo os dramas pessoais. Mais do que
nunca o município quer ter uma atitude concreta, com resultados”, destacou Zenaldo
Coutinho. “Hoje estamos vivendo um vazio legislativo. É o pior momento, que não
tem regra nenhuma, a não ser o que está na legislação federal, sem
regulamentação. Tivemos uma lei que foi derrubada e precisamos ter uma
regulamentação que gere consequências para todos, positivas e negativas. Hoje
não temos regras e precisamos delas, para o bem dos taxistas, dos motoristas de
aplicativos e dos usuários”, concluiu.