Agência Brasil - Rio de Janeiro
A principal violência que mulheres e meninas sofrem em ambientes digitais é o assédio nas interações virtuais (38%) e, na sequência, as ameaças de vazamento de imagens íntimas (24%). Os dados são da segunda etapa do estudo inédito Além do Cyberbullying.: A Violência Real Do Mundo Virtual, desenvolvido pelo Instituto Avon em conjunto com a Decode, empresa especializada em pesquisa digital. O resultado corresponde ao período entre julho de 2020 e fevereiro de 2021, quando estavam em vigor as medidas de isolamento social e de fechamento de espaços. A outra etapa do estudo foi realizada antes da pandemia de covid-19, entre janeiro de 2019 e março de 2020.
Para investigar a violência de gênero na
internet, o estudo analisou mais de 286 mil vídeos, 154 mil menções,
comentários e reações na forma de curtidas, compartilhamentos e repercussões
que ocorreram em ambientes digitais, e mais de 164 mil postagens de notícias
sobre o tema.
Outra conclusão da pesquisa relacionada
ao período de pandemia é que metade dos casos de assédio envolve recebimento de
mensagens não consensuais com conteúdo de conotação sexual. Foi relatado ainda
o envio de fotos íntimas e comentários de ódio contra as mulheres.
Ex-companheiros são ligados a 84% dos relatos de stalking, que são casos de
perseguição praticada em meios digitais.
“Boa parte de vazamentos de nudes
envolve ex-companheiros, ex-parceiros, pessoas que receberam materiais enviados
de forma consentida, só que não era consentido que eles espalhassem a seu
bel-prazer”, disse a coordenadora de pesquisa e impacto do Instituto Avon,
Beatriz Accioly, em entrevista à Agência Brasil.
O levantamento identificou três formas
de propagação de violência no ambiente digital. A descentralizada, que é a
violência cometida diariamente contra mulheres e meninas. A ordenada, que ocorre
a partir de grupos organizados de ataques, humilhações e exposições. Além da
que resulta do ato de compartilhar conteúdos íntimos sem o consentimento ou a
autorização dos envolvidos. Os pesquisadores observaram que as formas mais
comuns de propagação de violências contra meninas e mulheres na internet são o
assédio, o vazamento de nudes, a perseguição/stalking e o registro de imagens
sem consentimento.
Conforme a pesquisa, o resultado emocional e psicológico das violações virtuais tem consequências que ultrapassam as barreiras digitais. Elas restringem a liberdade e o acesso de mulheres e meninas. O medo de sair de casa foi apontado por 35% das vítimas, e mais de 30% relataram efeitos psicológicos sérios, como adoecimento psíquico, isolamento social e pensamentos suicidas. O estudo mostrou ainda que 21% delas excluíram suas contas das redes sociais.
O medo passou a fazer parte da vida de
uma estudante de 19 anos, que prefere não ter o nome e nem o local onde mora
identificados. No início de 2020, começou a receber mensagens de um perfil fake
de homem. Pelo tipo de mensagem, ela já sabe que é de um ex-colega de escola. A
perseguição ou stalking ficou tão forte que a estudante deixou de sair de casa,
reduziu o número de contatos nas redes sociais e começou a ter a preocupação de
que algo pudesse ocorrer, tanto com ela, quanto com alguém da família. Com a
pandemia, ela, que estudava fora, teve que voltar para a sua cidade, onde
também mora o perseguidor.
Na primeira fase da pesquisa,
correspondente ao período entre janeiro de 2019 e março de 2020, mais de 10%
dos casos analisados se referem a relatos de meninas e mulheres, que depois de
passarem por situações de vazamentos sem consentimento, tiveram algum tipo de
pensamento suicida. “Uma em cada dez mulheres que passam por algum tipo, por
exemplo, de vazamento de nudes, chega a pensar em tirar a própria vida. Esse é
um dado muito grave”, afirmou.
Também durante a pandemia, o acesso aos
três principais sites de pornografia registrou crescimento de 35%, o que
significa maior frequência da procura dos usuários por esse tipo de conteúdo.
As visualizações de vídeos com teor ou alusão à violência e ao assédio contra
meninas e mulheres aumentaram 55% no período.
Também na análise feita no período da
pandemia, foi observada alta de 44% nos relatos de assédios de professores,
tutores e educadores, que passaram a ter mais contato com as vítimas, por meio
de aulas remotas. Conforme os dados, houve uma média de 36 relatos mensais
sobre violências de professores contra alunas no digital.
De acordo com Beatriz Accioly, a maior parte dos casos não chega ao conhecimento de alguma autoridade ou de algum serviço público, seja de saúde ou socioassistencial. “A gente, no Brasil, carece de estatísticas oficiais para mapear o tamanho desse fenômeno e saber justamente a proporção da subnotificação, mas percebe, na pesquisa, que há ainda mais desinformação sobre o que fazer, como buscar ajuda e aonde ir, onde é possível buscar informação quando a violação acontece em meios digitais.
Legislação
Beatriz destacou, no entanto, que do
ponto de vista jurídico já existem leis que permitem criminalizar a violência
no meio virtual e todas valem tanto no off-line quanto no online. Além disso,
há legislações específicas para a internet, como a criminalização da divulgação
não autorizada de imagens sexuais e uso de nudez, a criminalização da gravação
sem autorização, que são dois aspectos diferentes. A coordenadora acrescentou
que existe a nova tipificação penal para os casos de perseguição ou stalking,
que podem ser caracterizados em qualquer meio físico ou digital.
Na visão da coordenadora, o mais
interessante na pesquisa foi o desafio de identificar os impactos reais do que
ocorre na vida das meninas e mulheres que passam por violência nos espaços
digitais “Ainda há uma percepção de que o que acontece na internet é menos
grave do que face a face. 'Foi só uma humilhação na internet, foi só um
cancelamento, foi só uma exposição '", disse Beatriz, reproduzindo
comentários que costumam ser feitos e minimizam os efeitos.