No arquipélago do Marajó é comum
que algumas pessoas substituam os óleos de cozinha industrializados, geralmente
utilizados em temperos ou frituras, por um óleo extraído da larva que se
reproduz no interior de um fruto típico da região: o tucumã. Para os marajoaras
o “óleo de bicho” ou “banha de bicho”, como é chamado, contém poderosos
benefícios para a saúde. Além de ser nutritivo, ele é terapêutico, substitui a
manteiga no pão, controla e combate a asma, inchaços, luxações, contusões,
derrames, reumatismo e picadas de formigas tucandeiras.
Interessados em compreender o
processo de produção e extração do óleo proveniente da larva encontrada no
caroço do fruto, Marília Silvany Souza dos Santos, 23 anos, e Kemuel de Abreu
Barbosa, 26 anos, egressos do curso de Tecnologia de Alimentos da Universidade
do Estado do Pará (Uepa), visitaram as comunidades da zona rural de Joanes,
Jubim e Maruacá, em Salvaterra, e descobriram que além de ser consumido como
alimento, o óleo também constitui uma fonte de renda complementar para as
comunidades extrativistas.
A extração é feita por dois
métodos. No primeiro, quebra-se a parte interna do fruto, retira-se as larvas
que, em seguida, são imersas em água limpa. Depois de secas elas são
transferidas para uma frigideira e aquecidas em fogo brando. O calor faz com
que as larvas soltem o óleo. Em outras comunidades, o processo é feito de forma
um pouco diferente: primeiro as larvas são amassadas em um crivo e só depois
levadas para a frigideira.
É no interior do caroço, parte também
conhecida como amêndoa do tucumã, que as larvas se instalam. O fruto tem um
caroço lenhoso de cor quase preta, que contém uma amêndoa de massa branca,
oleaginosa, dura e recoberta por uma película parda, aderente. Externamente,
ele é recorberto por uma polpa amarelo-alaranjada, de pouca consistência e
igualmente oleosa.
A partir de um quilo de larva, os
produtores obtêm em média 433,3 ml de óleo. O litro do óleo pode variar de R$
30 a R$ 60. Marília destaca os benefícios do produto extraído da natureza.
“Eles passam o óleo no pão como se fosse manteiga, o que já nao pode ser feito
com o óleo industrializado, que não pode ser consumido dessa forma. Outro
benefício é que o óleo de bicho dificilmente é descartado no meio ambiente
devido à dificuldade de extração e também por ser utilizado para fins
medicinais”, ressalta ela.
Consumo
As larvas tem o corpo
subcilíndrico, pouco encurvado, coloração esbranquiçada e apresentam pequenas
garras. O peso médio de cada uma é de 1,78g, com limite mínimo e máximo de
altura de 1,5 e 2,0 mm. Ao invés de serem descartadas, são consumidas cruas,
fritas ou assadas, colocadas em farofas e também utilizadas para fins
medicinais.
Kemuel de Abreu já provou a
iguaria. Segundo ele, o óleo tem consistência gelatinosa e sabor levemente
adocicado. A larva é o primeiro estágio no processo de formação do inseto
identificado como Speciomerus ruficornis, que se forma na amêndoa do tucumã.
Segundo a Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a entomofagia, consumo de
insetos por seres humanos, é praticada em vários países em redor do mundo,
predominantemente em partes da Ásia, África e América Latina. De acordo com o
renomado especialista em insetos, Eraldo Medeiros Costa Neto, o uso medicinal
destes na medicina tradicional é chamado de entomoterapia ou etnoentomologia.
“Fui criado em Salvaterra.
Conheci e fiz consumo artesanal do óleo e da larva”, diz Kemuel. “Elas (larvas)
trazem vários benefícios à saúde. Há pessoas que as comem cruas. Pelo alto teor
de proteína, elas são ricas em nutrientes, pois só se alimentam das amêndoas do
tucumã”, ressalta Marília.
Curiosidades - Os meses de junho
e julho são os mais favoráveis para a extração do óleo de bicho, pois é o
período em que a larva chega ao ápice do processo evolutivo. O tucumanzeiro é
uma palmeira que produz cerca de 50kg de frutos por ano, mesmo em solos pobres.
Anualmente, a árvore produz de dois a três cachos de fruto. Cada cacho pesa
entre 10 e 30 quilos e contém de 200 a 400 frutos. As árvores podem chegar até
cinco metros de altura.