Cartaz falando de consulta prévia nas línguas waiwai e tiriyó. Foto: Rodrigo Magalhães/Ascom/MPF-PA |
Representantes de cerca de 25 povos
indígenas que vivem em territórios de ocupação ancestral na região conhecida
como calha norte amazônica, na margem esquerda do rio Amazonas, entre o Pará e
o Amapá estiveram reunidos em assembleia geral, na aldeia Tawanã, no rio
Mapuera, dentro da Terra Indígena Katuxyana-Tunayana. O Ministério Público
Federal (MPF) participou dos três dias de debates, entre 14 e 16 de maio de
2018. Um dos principais temas foi a consulta prévia, livre e informada a que
povos indígenas têm direito de acordo com a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho.
O procurador da República Camões
Boaventura e o assessor do MPF Rodrigo Magalhães Oliveira conduziram uma
oficina sobre o direito de consulta e consentimento em caso de obras e projetos
que afetem povos indígenas. A oficina trouxe relatos de casos concretos de
construção de protocolos, como o que foi elaborado pelo povo Munduruku, do
Tapajós, em que estão estabelecidos os princípios pelos quais eles devem ser
consultados. A oficina teve tradução simultânea nas línguas waiwai e tiriyó e
teve o apoio do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé).
Os povos da região da calha norte estão
discutindo internamente a elaboração de seus próprios protocolos de consulta e
apresentaram, durante a assembleia, a memória das obras e projetos impostos
pelo regime militar brasileiro com graves danos, incluindo a remoção forçada de
indígenas para o Parque do Tumucumaque pela Força Aérea Brasileira. De acordo
com dados dos próprios indígenas, são 25 etnias que vivem em seis territórios
ao longo das calhas dos rios Mapuera, Trombetas, Katxuyru, Kaxpacuro, Nhamundá,
Paru D'Oeste e Paru D'Leste.
Além dos debates sobre consulta prévia,
livre e informada, foi discutida a questão da demarcação da Terra Indígena
Katxuyana-Tunayana. Parte das famílias desse território sofreu deslocamento
compulsório pela ação do governo ditatorial e de missões religiosas, mas
retornaram à calha do rio Trombetas, retomando territórios de ocupação
tradicional. Os estudos para a demarcação dessa terra se iniciaram em 2003 e o
Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) foi publicado
em 2015. O relatório não teve nenhuma contestação e tem parecer favorável da
procuradoria federal especializada da Fundação Nacional do Índio (Funai). O
procedimento de demarcação ficou parado na presidência da Funai com a recente
troca de comando, mas após ofício do MPF (veja aqui), foi encaminhado esta
semana para o Ministério da Justiça, que dá a palavra final sobre a demarcação,
Ângela Katxuyana afirmou que a
resistência do povo Kahyana começou em 26 de setembro de 1968, data em que
houve o deslocamento compulsório para o Parque Indígena do Tumucumaque.
Emocionada, a liderança lembrou: “Nos
separaram do Kuhá (rio Trombetas), nos separaram
de nossas terras, dos nossos parentes”,
“lá não tinha floresta”, “passamos a viver de favor na
terra dos parentes Tiriyó, e isso foi
muito duro”. Com pesar, lembrou que sua avó morreu de
depressão ao chegar em uma terra muito
diferente da sua, sem a densa floresta. Destacou que
o episódio está na memória dos
antepassados e das gerações presentes.
Saúde indígena
O terceiro dia da assembleia foi
dedicado às questões da saúde indígena, com a apresentação do projeto de
construção da nova Casa de Saúde Indígena (Casai)e de um novo Pólo Base para o
atendimento da saúde indígena em Oriximiná, que já foi aprovado pelo Conselho
Distrital de Saúde Indígena (Condisi) e está em fase de elaboração dos projetos
estrutural, elétrico e terraplanagem. A obra está avaliada em R$ 4 milhões.
Também foi informada a construção de um posto de saúde na aldeia Mapuera, para
atendimento dos indígenas da região.
Em julho de 2017, o MPF fez uma inspeção
surpresa nas instalações da Casai e do Polo Base do Distrito Sanitário Indígena
em Oriximiná e constatou uma grave situação de precariedade, com falhas graves
na infraestrutura dos prédios, no serviço nas aldeias, insuficiência das
equipes de atendimento, riscos de atraso na execução do plano distrital de
saúde indígena, entre outros pontos críticos. A inspeção resultou em um
relatório (confira aqui) que ajudou a apressar o encaminhamento das obras para
as novas estruturas, agora prestes a começar.
Os indígenas destacaram a precariedade
do transporte até as Aldeias Ayaramã (mais a montante no rio Trombetas, leva-se
até cinco dias e 250 litros de gasolina para chegar a partir da aldeia Mapuera)
e Turuni. Os Tiriyó informaram que o acesso às aldeias do parque do Tumucumaque
é feito exclusivamente por transporte aéreo, e que várias aldeias estão sem
cobertura para casos de emergência, porque as pistas de pouso não estão
regularizadas. Os indígenas solicitaram a contratação de agentes indígenas de
saúde para as Aldeias Ayaramã e Tamiuru, bem como de barqueiros para as aldeias
Ponkuru, Tamiuru e Inajá. Nos dois primeiros casos, os indígenas pleitearam
também a construção de postos de saúde, uma vez que os atendimentos estão sendo
feitos em locais precários e improvisados.