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Aluno de Direito Miguel Cavalcante Lopes, de 22 anos |
O aluno de Direito Miguel Cavalcante
Lopes, de 22 anos, é o primeiro transgênero a defender o Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC) na Universidade Federal do Pará (UFPA). Intitulado "A gente
nem conhece o papel deles: o Ministério Público no Estado do Pará no amparo à
comunidade LGBT", o trabalho avaliou a atuação do Ministério Público do
Estado do Pará (MPPA), do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério
Público do Trabalho (MPT 8) no cumprimento da missão institucional junto a esse
público. A pesquisa concluiu que somente o MPPA possui uma atuação voltada para
esta temática no estado. A pesquisa defendida no primeiro semestre foi
orientada pela Professora Doutora e promotora de justiça Daniela Maria dos
Santos Dias e obteve conceito Excelente.
"A partir da minha vivência, eu
busquei produzir um trabalho que tivesse um potencial de transformação social,
que pudesse contribuir para mudar a realidade do grupo vulnerável do qual faço
parte, a comunidade LGBT", declara Miguel Lopes. "Eu investiguei a
atuação do Ministério Público, pois, nos espaços de decisão que participei,
sempre senti o MP ausente, se comparado à Defensoria Pública e algumas
secretarias do estado. Não havia presença física, aproximação ou diálogo para
pensar um plano de atuação." O aluno entrevistou um do MPPA, um do MPF e
um do MPT, assim como três representantes do movimento social LGBT.
"Concluí que o único com atuação
atualmente em nosso estado é o MPPA, desde 2016, muito recente, mas que já
realizou audiências públicas e tem buscado soluções para as áreas da saúde e do
sistema prisional. Já o MPF e o MPT não têm atuação nenhuma no Pará, são duas
instituições inertes no que tange à comunidade LGBT", ressalta.
Alguns dos principais problemas
enfrentados pela população LGBT são a marginalização e a insegurança motivadas
por LGBTfobia. "O MPF, enquanto
instituição incumbida da tarefa de garantir a igualdade no tratamento a todxs,
poderia e deveria reforçar o compromisso no combate à discriminação de LGBTs no
Pará." Em 2017, 445 LGBTs foram mortos no Brasil, dos quais 387 foram
assassinados e 58 cometeram suicídio pressionados por discriminação. Na Região
Norte foram 58 mortes, sendo 19 no Pará, de acordo com o Relatório Anual de
Violência LGBTfóbica no Brasil, produzido pelo Grupo Gay da Bahia. "A cada
19 horas, um LGBT morreu no Brasil, em 2017. O Brasil é o país que mais mata
LGBT no mundo. Nem nos países que criminalizam as vivências LGBTs se mata tanto
como no Brasil", observa Miguel.
O autor também coletou relatos da
discriminação que atinge de maneira mais preocupante o acesso a políticas
públicas de saúde, educação e emprego. "A garantia desses direitos
fundamentais são o primeiro passo para lutar sem se sentir em desvantagem,
garantindo o direito de viver e não apenas de sobreviver", conclui.
Ainda, apesar do MPT possuir uma
coordenadoria de promoção da igualdade e combate à discriminação, essa atuação
é pouco divulgada, aponta a pesquisa. "Uma mulher travesti entrevistada
relatou que nunca conseguiu emprego no mercado formal, pois é rejeitada ainda
na entrevista, por preconceito. Enquanto que outro entrevistado relata ter
sofrido preconceito quando trabalhou em instituições públicas e privadas devido
à orientação sexual."
A Associação Nacional de Travestis e
Transexuais (Antra) aponta que 90% das pessoas trans no Brasil acabam
recorrendo à prostituição por falta de opções para sobreviver. "Não se
está condenando a prostituição, mas essa não pode ser a única opção. Há muitos
casos de LGBTs rejeitados pela família que está em situação de rua, mas também
pelas raras oportunidades de emprego, em especial para mulheres trans e
travestis. Cabe ao MPT uma atuação preventiva, pois o emprego e um ambiente de
trabalho sadio são constantemente negados a LGBTs. É importante defender o
direito ao trabalho sem a obrigatoriedade de omitir a orientação sexual",
enfatiza.
Incentivo- Para a diretora da Faculdade
de Direito da UFPA, Professora Doutora Luanna Tomaz, que também participou da
banca examinadora do TCC de Miguel Lopes, a história de Miguel , pode estimular
outros jovens trans que tenham vivências similares a dele a lutarem por sua
formação acadêmica superando obstáculos, muitas vezes sociais, que são
impostos. "A Resolução 713, de 17 de dezembro de 2014, da UFPA, que
aprovou o uso do nome social na instituição, pode ser aperfeiçoada em alguns
aspectos, mas é um bom ponto de partida, pois mostra uma preocupação com alunos
travestis e transexuais e contribui para que eles saibam que caminhos procurar
para ter reconhecida a sua identidade na instituição."
Além das professoras Daniella Dias e
Luanna Tomaz, também participou da banca examinadora do TCC de Miguel, a
doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPA, Maria Cláudia
Bentes.