Vários projetos de lei e até de
emenda à Constituição estão em debate em Brasília com uma única temática: o
licenciamento ambiental. Atacado por empresários como obstáculo ao
desenvolvimento do país, o licenciamento é o principal instrumento de controle
de atividades econômicas potencialmente poluidoras que existe no ordenamento
jurídico brasileiro. Diante das várias propostas que surgiram no Congresso
Nacional – algumas inclusive prevendo a extinção do licenciamento – o poder
Executivo, por meio do Ministério do Meio Ambiente e Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente (Ibama), prepara um texto que sirva de substitutivo para ser
votado no parlamento. O assunto foi tema de um longo seminário na
Câmara dos Deputados.
Presentes ao seminário,
representantes da sociedade civil, de organizações não governamentais e o
Ministério Público Federal (MPF) foram unânimes em expressar preocupação com as
propostas existentes. “Estamos vinculados aos princípios da precaução, da participação,
da vedação ao retrocesso e do poluidor-pagador. Não há como fazer mudanças
legislativas tentando se afastar desses princípios, porque estaremos nos
afastando do estado constitucional”, disse a procuradora da República Fabiana
Schneider, que representou o MPF.
“Qualquer proposta de dispensa de
licenciamento em atividade potencialmente poluidora é inconstitucional”, disse
Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA). "Não queremos
novas Marianas, não queremos novas Belo Monte. Não temos o direito de errar de
novo. Faço um apelo a essa casa: não votem legislação em atropelo”, disse Malu
Ribeiro, da organização SOS Mata Atlântica.
Entre as propostas em tramitação,
a proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65/2012 e o Projeto de Lei do Senado
(PLS) 654/2015 na prática extinguem o licenciamento ambiental. A primeira
institui que a apresentação de Estudos de Impacto implica automaticamente em
concessão de licença, excluindo qualquer controle social do procedimento. A
segunda estabelece o chamado fast track, um rito sumário que também
significaria o fim do controle social.
A terceira proposta em trâmite é
de uma lei geral do licenciamento, que está com relatoria do deputado Ricardo
Trípoli, da Comissão de Meio Ambiente da Câmara. A esse anteprojeto – PL
3729/2004 – o governo federal prepara um texto substitutivo, que tem sido
debatido há alguns meses, inclusive com organizações da sociedade civil. A
presidente do Ibama, Suely Vaz, presente ao seminário, detalhou as premissas do
projeto do Executivo.
“A lei geral do licenciamento
pretende criar uma norma que contemple da usina nuclear ao posto de gasolina”,
disse. O projeto prevê ritos simplificados para o licenciamento de autoridades
com menor potencial poluidor, racionalizar os termos de referência
(questionários que dão origem aos estudos de impacto ambiental), fixa prazos
máximos para as análises e até uma metodologia para dispensa de licenciamento.
Um dos pontos polêmicos é a limitação da participação das autoridades
intervenientes – órgãos que se pronunciam em áreas em relação às quais o Ibama
não tem competência, como em caso de impactos sobre povos indígenas,
quilombolas ou à saúde da população.
A pressão das entidades
representativas de agentes econômicos é para acelerar os trâmites ambientais e
reduzir etapas. A chamada segurança jurídica foi mencionada por todos os
representantes do empresariado presentes ao seminário. “A PEC 65 é inviável
constitucionalmente, mas é um grito de desespero de quem quer empreender e
investir diante da situação atual”, disse Rodrigo Justus, da Confederação
Nacional da Agricultura (CNA). O representante da Confederação Nacional da
Indústria (CNI), Marcos Guerra, também se disse contrário à PEC 65, mas elogiou
o projeto que prevê a fixação de prazos para aumentar a celeridade do
licenciamento e cobrou a manutenção da proposta de desvincular o licenciamento
das manifestações de órgãos intervenientes. A CNA também cobrou que existam
ritos diferentes para atividade agropecuária: “Nenhum país do mundo tem licenciamento
para a produção de alimentos”, disse Justus.
Intervenientes - Ao discurso da celeridade proferido pelas
entidades empresariais os representantes da sociedade civil contrapuseram o
discurso da precaução ambiental e criticaram os projetos apresentados pelas
empresas brasileiras. “O que dificulta aprovação de projetos no Brasil não é o
licenciamento, é a baixa qualidade de projetos que atendem interesses pouco
republicanos”, disse Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica.
“Ibama e órgãos estaduais não têm
competência jurídica para se manifestar sobre impactos em terras indígenas. Se
a manifestação da Funai for excluída, vai haver uma corrida ao Judiciário,
gerando mais insegurança jurídica. Não se trata de estabelecer prazos, se trata
de dar condições para que esses órgãos cumpram suas missões institucionais”,
disse Maurício Guetta, do ISA.
“Não existe metro quadrado na
Amazônia que não esteja ocupado por pessoas. Então não se pode afastar a
posição dos órgãos intervenientes no processo. É preciso respeitar os direitos
dos povos tradicionais”, disse Fabiana Schneider.
* Colaboração Ministério Público Federal no
Pará