boto tucuxi 1 - Foto Pedro Nassar |
Um estudo feito com os botos
tucuxi (Sotalia fluviatilis) e cor-de-rosa (Inia geoffrensis), no rio Tapajós,
no Pará, traz novos argumentos a serem considerados para a conservação das
espécies, em locais que estão em planejamento a construção de usinas
hidrelétricas. Somente na bacia do Tapajós, estão em processo de licenciamento
doze empreendimentos hidrelétricos de grande porte.
No começo de agosto do ano
passado, o Ibama negou a concessão da licença ambiental para a construção da
usina de São Luiz do Tapajós, um megaprojeto hidrelétrico previsto para ser
executado nos próximos anos. O principal argumento contra a autorização foram
os impactos da obra sobre o povo indígena Munduruku, na área que seria atingida
pela barragem.
Agora, é a vez dos pesquisadores
mostrarem o que pode acontecer com as populações de botos naquele trecho do
Tapajós, caso seja instalada a barragem nas corredeiras de São Luiz do Tapajós.
Os resultados do estudo foram publicados na revista científica Endangered
Species Research.
boto vermelho 1 - Foto Pedro Nassar |
Enquanto a licença de São Luiz
tramitava ainda em Brasília, um grupo de cientistas liderados pelas
pesquisadoras do Instituto Mamirauá, Miriam Marmontel e Heloíse Pavanato, esquadrinhava
o rio para saber o tamanho da população das duas espécies de boto e o que
poderá acontecer se houver uma barreira que impeça o livre fluxo dos animais ao
longo do rio.
Os botos são amplamente
distribuídos nos rios da América do Sul, ocorrendo na bacia dos rios Amazonas,
Orinoco e Tocantins. É a maior diversidade de cetáceos de água doce do mundo.
São animais que se deslocam ao longo dos rios e dependem que estes sejam
ininterruptos para exercer funções vitais básicas, como alimentação e reprodução.
De acordo com a União
Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), os dados sobre as duas
espécies observadas no Tapajós no âmbito da pesquisa são
"insuficientes", o que torna difícil medir, por exemplo, os impactos
de obras de infraestrutura sobre esses animais. Daí a importância do estudo no
rio Tapajós para entender melhor a ecologia das espécies na região e prever
possíveis impactos.
"Sabemos que os botos são
muito afetados pela construção de barragens hidroelétricas. Uma barragem é um
obstáculo físico instransponível, mesmo para os botos, exímios nadadores",
explica Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos
Amazônicos do Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Segundo ela o estudo indica que o
possível isolamento de subpopulações dos botos acima e abaixo dessas barragens
- assim como a baixa variabilidade genética resultante destas subpopulações -
podem levar a um processo de extinção desses animais no âmbito local.
"Um fato como este traria
consequências drásticas para todo o sistema do rio. Os botos, por se
alimentarem de peixes, estão no topo da cadeia alimentar. Então eles têm o
potencial de refletir o que acontece em toda a cadeia trófica", diz Heloíse
Pavanato, uma das autoras do estudo.
Para a oceanógrafa, o estudo
aponta ainda para a importância de se olhar para a Amazônia não só do ponto de
vista da floresta - que cobre a maior parte do território da região -, mas pela
biodiversidade que habita os rios, que por sua vez integram um sistema complexo
que ajuda a sustentar de pé a floresta tropical.
"É a primeira vez que se se
faz um estudo sobre as espécies de uma bacia hidrográfica antes do processo de
licenciamento de uma obra de grande porte. Os resultados poderão redirecionar
os empreendimentos ou mesmo ajudar a repensar modelos de desenvolvimento para a
região amazônica", afirma Heloise.
Quanto à população dos botos, a
pesquisa traz importantes achados. O Tapajós é o quarto maior rio da Amazônia,
com tributários como o Teles Pires, o Juruena e o Jamanxim, todos na lista para
receber empreendimentos hidrelétricos.
Neste sistema aquático, os botos
apresentam baixa densidade populacional. Os dados coletados no Tapajós
confirmam uma das menores médias para essas espécies em toda a bacia amazônica.
Enquanto que nos lagos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no
Amazonas, chega-se a contar 18 botos/km2, no Tapajós essa média cai para menos
de um boto para uma área equivalente.
Para a coordenadora do Programa
de Ciências do WWF-Brasil, Mariana Napolitano, esses resultados mostram que
qualquer intervenção no Tapajós tenha de ser cercada de cuidados ainda maiores.
"Se afetarmos a população dos botos, que são animais que ficam no topo da
cadeia alimentar e funcionam como indicadores de qualidade ambiental, poderemos
desequilibrar o sistema hídrico e comprometer a biodiversidade da floresta de
modo irreparável. É preciso levar isso em conta. Não é só uma questão de
megawatts".