O pedido de desculpas da refinaria de
alumina Hydro Alunorte pelo descarte de água não tratada em rio de Barcarena,
no Pará, não é o bastante para resolver os impactos socioambientais provocados.
É preciso a adoção de medidas concretas para reduzir os efeitos desses impactos
na saúde da população e nos meios de subsistência e geração de renda, como a
agricultura e a pesca.
Essa é a conclusão de vários dos moradores
de Barcarena ouvidos nesta quinta-feira (22)
pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público do
Estado do Pará (MPPA) em audiência pública no município.
"Pedidos de desculpas matam sede?
Pedidos de desculpas matam fome? Queremos dignidade, queremos um sistema de
abastecimento de água, e não alguns potes d'água entregues uma vez e
pronto", reivindicou o agricultor familiar Eduardo do Espírito Santo, da
comunidade quilombola de Burajuba.
Moradores relatam que, depois do
vazamento de lama com resíduos tóxicos ocorrido em fevereiro deste ano em uma
das bacias de rejeitos da refinaria, a água dos poços das comunidades está com
gosto amargo, coloração esbranquiçada e viscosidade.
São comuns os relatos de ocorrência de
diarreia, náuseas, vômitos, dores de cabeça e estômago, dores nas articulações,
cólicas, coceiras por todo o corpo, irritação e lacrimejamento excessivo nos
olhos, aparecimento de feridas e manchas na pele.
Também há denúncias de redução drástica
da produtividade de roças e no extrativismo, e prejuízos a quem vive da pesca.
Transparência - Outra demanda da
população é por mais participação e transparência nos processos de
licenciamento das empresas do distrito industrial de Barcarena e na
fiscalização do cumprimento das obrigações estabelecidas nesses processos.
No polo petroquímico de Camaçari, na
Bahia, há muito mais indústrias que em Barcarena e, no entanto, lá não há
acidentes nem poluição como há em Barcarena porque em Barcarena não há um
sistema de fiscalização constante por conselhos comunitários, disse o
representante da organização Fórum de Diálogo Intersetorial de Barcarena,
Petronilo Alves.
Também foi sugerida a revisão de todos
os licenciamentos ambientais do distrito industrial, com a participação de
pesquisadores, universidades e das comunidades de Barcarena.
Moradores de Barcarena sugeriram, ainda,
que a empresa seja obrigada a pagar indenização de dois salários mínimos
mensais às famílias atingidas, e que o governo norueguês, acionista da Hydro
Alunorte, seja cobrado a se pronunciar publicamente sobre o vazamento e sobre o
tratamento que será dado às comunidades atingidas.
Representantes de entidades sindicais
dos empregados da Hydro Alunorte reivindicaram a adoção de medidas para evitar
demissões na empresa, e pediram para participar de reuniões. O procurador da
República Felipe de Moura Palha destacou que o Ministério Público está aberto
para reunir-se com todos os interessados.
Respostas - A promotora de Justiça
Eliane Moreira destacou que uma solução rápida para todas as questões
emergenciais apresentadas pela população só depende da Hydro Alunorte, tendo em
vista que as demandas apresentadas pelos moradores são as mesmas já apontadas
pelos membros do Ministério Público, e que podem compor um Termo de Ajuste de
Conduta (TAC).
No início de março a Hydro Alunorte
indicou que pode aceitar a realização de acordo emergencial que trate da
avaliação e efetividade do plano de emergências da empresa, da avaliação da
segurança das barragens e de todo o processo produtivo da refinaria - incluindo
o tratamento de efluentes -, e de medidas de garantia de fornecimento de água
potável, informações e tratamento de saúde às famílias atingidas.
A manifestação dos dirigentes
internacionais da empresa foi feita em reuniões com membros do MPF, MPPA e
Ministério Público do Trabalho iniciadas após o Ministério Público e a
Defensoria Pública do Estado terem adotado, em fevereiro, medidas judiciais e
extrajudiciais logo após o acidente.
Com base em investigações que
confirmaram o vazamento, inclusive por meio de perícia do Instituto Evandro
Chagas (IEC), a Hydro Alunorte foi recomendada pelo Ministério Público e pela
Defensoria Pública do Estado a tomar medidas urgentes e apresentar uma série de
informações relativas à minimização dos impactos e à prevenção contra novos
vazamentos.
Na Justiça Estadual o MPPA conseguiu que
a Hydro Alunorte fosse obrigada a reduzir pela metade sua produção, decisão
confirmada em segunda instância. A Justiça do Estado também proibiu o uso da
bacia de rejeitos nº 2 da Hydro até que empresa obtenha licença de operação e
demonstre a capacidade operacional e de segurança de sua estrutura, reavaliados
todos os requisitos técnicos construtivos adequados a um padrão de chuva e
também de operação.
No MPF e MPPA atuam no caso os
procuradores da República Ricardo Negrini, Felipe de Moura Palha e Ubiratan
Cazetta e os promotores de Justiça Eliane Moreira, Laércio Abreu e Daniel
Barros. A audiência pública contou com a participação da promotora de Justiça
Myrna Gouveia.
Diálogo público - Além de ouvir a
população, a audiência pública realizada pelo MPPA e MPF nesta quinta-feira
teve como objetivo prestar contas aos moradores sobre a atuação do Ministério
Público em relação ao vazamento e ouvir quais seriam suas principais demandas
emergenciais.
Iniciando a apresentação dos trabalhos
realizados pelo Ministério Público, o promotor de Justiça Laércio Abreu
destacou que não há nenhum acordo feito entre o Ministério Público e a Hydro,
porque antes de fechar qualquer negociação o Ministério Público quer ouvir a
sociedade por meio de eventos como a audiência pública realizada nesta
quinta-feira.
“Graças ao apoio da sociedade de
Barcarena é que o Ministério Público foi alertado sobre o vazamento logo após o
fato ter ocorrido”, lembrou o procurador da República Ricardo Negrini, que
também agradeceu o apoio do Ministério Público do Trabalho e da Defensoria
Pública do Estado nas investigações e conversações com a Hydro.
O procurador da República Felipe de
Moura Palha ressaltou que é preciso que a sociedade seja consultada, para que o
Ministério Público considere tais fatos
nos próximos passos a serem tomados na conversação com a empresa.
"Vamos visitar cada uma das comunidades para saber quais foram os impactos
a cada uma das famílias, para podermos chegar a uma solução que leve em
consideração as necessidades reais de cada um de vocês", anunciou.
Atuação detalhada - O promotor de
Justiça Laércio Abreu detalhou o passo-a-passo das investigações - dois
inquéritos no MPPA e um inquérito no MPF apuram os fatos - e providências
tomadas no caso, destacando a descoberta, durante as investigações, de mais um
canal irregular de descarte de rejeitos.
A descoberta foi narrada pela promotora
de Justiça Eliane Moreira, que registrou que esse canal é consideravelmente maior
que a tubulação ilegal identificada nas primeiras vistorias.
"Estamos quase todos os dias
vistoriando a empresa em busca de verificar a ocorrência de novos problemas
como esses, e para conferir se estão sendo tomadas todas as medidas
emergenciais que apontamos", informou.
A promotora de Justiça informou que
denúncias sobre eventuais novos vazamentos e outras informações que possam
auxiliar a atuação do Ministério Público devem ser encaminhadas por e-mail para
ftbarcarena@gmail.com .