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Fotos aéreas da UFPA - Foto: Alexandre Moraes |
Uma instituição
financeira internacional, o Banco Mundial, publicou um relatório criticando,
entre outras políticas públicas no Brasil, o Ensino Superior público e
gratuito. O documento contém inúmeros erros na apresentação do Sistema de
Universidades Públicas Federais, que merecem reparo. Além disso, parte da
justificativa afirma que as políticas públicas têm favorecido os mais ricos,
mas não refere a acentuada injustiça tributária no País, muito menos recomenda
a tributação de grandes fortunas ou a revogação de desonerações fiscais que favorecem
grandes grupos econômicos, medidas que poderiam financiar iniciativas de
combate à desigualdade, problema maior da nação. Limitado a indicadores
financeiros, o documento ignora dados da realidade social brasileira e o papel
das universidades públicas no desenvolvimento econômico e social do País.
A Associação
Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, Andifes,
informa que estão incorretos, naquele relatório, entre outros, os dados sobre o
perfil dos discentes das universidades federais e sobre os investimentos
públicos realizados nas instituições.
Entre outros
fatos que o Banco ignora, estão os processos seletivos massivos, como o ENEM, a
criação de mais de 300 campi no vasto interior do País e a própria Lei de
Cotas, que contribuem para que apenas 10% dos alunos matriculados nas
universidades federais venham de famílias com renda bruta familiar de dez ou
mais salários mínimos. Na outra ponta, 51% dos alunos das universidades
federais pertencem a famílias com renda bruta abaixo de três salários mínimos.
Se considerada a renda média per capita, 78% dos alunos são de famílias com
renda per capita de até dois salários mínimos. Não há, portanto, fundamento
para a afirmação de que os alunos das universidades federais pertencem aos
estratos de renda mais altos da sociedade, muito menos que possuem capacidade
financeira para pagar mensalidades.
Por outro lado,
é verdade que os mais ricos deveriam pagar pela educação pública, mas não
apenas os mais ricos que têm filhos nas universidades públicas. Uma política
distributiva séria tributaria todos os ricos (com ou sem filhos nas
universidades públicas) taxando fortunas, heranças e propriedades, a fim de
possibilitar a parcelas maiores da população o acesso à educação pública de
qualidade. Acrescente-se a isso o olhar simplista daqueles que reduzem a
formação e a atuação dos egressos das universidades públicas a uma apropriação
exclusivamente pessoal, sem considerar a contribuição estrutural às demandas de
uma sociedade complexa por parte desses profissionais altamente qualificados.
O investimento
em educação no Brasil é dos mais baixos entre todos os países da OCDE.
Considerados todos os níveis educacionais, o Brasil só investe mais que o
México. Fica atrás de todas as outras nações, inclusive do Chile, da Coreia do
Sul, da Estônia, da Hungria e da Polônia. Considerada apenas a Educação
Superior, o investimento do Brasil por aluno (US$/PPP 13.540,00) está abaixo da
média da OCDE (US$/PPP 15.772,00), isso em um cálculo que inclui, para o
Brasil, os gastos com os aposentados das universidades (gasto previdenciário),
o que corresponde a cerca de 25% de todo o valor contabilizado.
Por fim, a
afirmação de que o investimento por aluno em universidades públicas é maior do
que o financiamento por aluno em instituições privadas é uma obviedade. As
primeiras são responsáveis por quase toda a pesquisa científica e tecnológica
realizada no País, gerando resultados econômicos extraordinários, como na
produção de alimentos, na exploração de petróleo e no desenvolvimento de novas
fontes de energia. São as universidades federais, também, as responsáveis por
mais da metade do Sistema Nacional de Pós-Graduação, que forma mestres e
doutores em todas as áreas de conhecimento, base da inclusão do Brasil na
sociedade do conhecimento, inclusive com a elevação do País à condição de 13ª
nação com maior participação em toda a produção científica mundial.
Além das
inúmeras incorreções, o documento do Banco Mundial ignora aspectos fundamentais
da atuação das universidades federais no Brasil. Inseridas em um ambiente social
marcado pela desigualdade e pela exclusão, as universidades federais, públicas
e gratuitas, acolhem alunos de todas as origens sociais, raças e etnias,
oferecem-lhes oportunidades e incluem em suas agendas de pesquisa e extensão
questões que dizem respeito à promoção da cidadania. Mantêm uma rede de
hospitais públicos de alta complexidade, além de clínicas, laboratórios e
serviços diversos de atendimento gratuito à comunidade, sendo, muitas vezes, as
únicas opções de acesso ao atendimento de saúde. Atuam em todas as mesorregiões
do País, inclusive nas mais distantes e inacessíveis, e desenvolvem projetos
inovadores para a geração de riqueza e renda, para o desenvolvimento
sustentável e para a formação cultural.
A rigor, o que
surpreende é que as universidades federais consigam resultados acadêmicos,
científicos e sociais tão expressivos, apesar de se desenvolverem em um
ambiente de políticas de financiamento instáveis e de ataques recorrentes dos
grandes grupos econômicos, interessados em transformar a educação do País em
fonte cada vez mais atrativa de ganhos financeiros. A questão que se coloca é:
em qual país as recomendações do Banco Mundial, repetidas há décadas, levaram
ao desenvolvimento e à soberania?