Quase 50% das 28 mil ligações recebidas pelo Samu são trotes

Foto:Ascom
O que aparenta ser uma brincadeira infantil, é crime e pode ter consequências graves para quem precisa verdadeiramente de um atendimento de urgência e emergência. Hoje, os trotes representam quase 50% das 28 mil chamadas que o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) recebe, em média, por mês em Belém.

O número é alarmante e preocupa a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma). De acordo com Ivison Carvalho, diretor do Departamento de Urgência e Emergência, o trote é um prejuízo de tempo e dinheiro para um serviço essencial, ocupando as equipes de triagem desde a chamada telefônica até o deslocamento de uma ambulância ao suposto local.  “Isso prejudica o tempo resposta das ambulâncias do SAMU no atendimento dos casos que são realmente graves. Muitas vezes, quando a ambulância consegue chegar ao local correto, já não há mais o que fazer”, garante Ivison.

O Ministério da Saúde dimensiona uma Unidade de Suporte Básico (USB) para cada 150 mil habitantes, tripulada por técnicos de enfermagem, condutores, além de uma Unidade de Suporte Avançado (USA) para cada 350 mil habitantes. “Quando esta chamada indevida aciona uma unidade móvel, seja USA ou USB, toda a população daquela área, ou seja, 150 mil a 350 mil pessoas, fica desguarnecida e sob risco. Daí o prejuízo do tempo resposta do SAMU para as atividade que realmente lhe cabem”, enfatiza o diretor e acrescenta ser muito frustrante para a equipe de atendimento chegar a um local e perceber que foi vítima de um trote.

Atualmente, as equipes que atendem a central de regulação das urgências recebem treinamentos constantes e possuem expertise na identificação das chamadas para diminuir os trotes. São observados vários critérios: desde o estado emocional do demandante, descrição clínica da cena onde o suposto usuário se encontra, identificador de chamadas, mailing de números que frequentemente passam trotes e ligações de números não identificados. “Ainda assim, há pessoas que interpretam tão bem que acabam convencendo a equipe reguladora”, frisa Ivison.

A Guarda Municipal de Belém também sofre com o alto número de ligações indevidas. Lá, quase 60% das chamadas mensais são trotes ou engano. Desde a implantação do disque 153, em setembro de 2016, os números só aumentam. “A maioria das ligações é de pessoas fazendo piadas ou crianças fantasiando uma ocorrência. Nós procuramos orientar a todos sobre a importância desse serviço para a população”, conta Rogério Cardoso, coordenador do Sistema Integrado de Videomonitoramento (SIM).

Os trotes preocupam a instituição, pois ocupam as linhas e impedem que ocorrências verdadeiras possam ser averiguadas pela Guarda Municipal e representam custos altíssimos para a gestão pública. O coordenador reforça que a implantação do número 153 veio complementar o sistema de videomonitoramento da guarda para ações estratégicas de segurança. “Pelo telefone, os cidadãos comuns podem acionar a GMB para verificar ocorrências de roubo, furto, moradores de rua. Em casos de trote, deslocamos viatura para a falsa ocorrência e deixamos uma área descoberta. Gastam-se peças e combustível, que poderiam estar sendo usadas para o atendimento real”.

Para o psicólogo Eduardo Martins, muitas pessoas tendem a confundir o bom humor com brincadeiras de mau gosto com consequências prejudiciais impensadas. Segundo ele, pessoas assim, buscam plateias para satisfazer seus devaneios. “Essas pessoas acham que um trote é engraçado dentro dos critérios que ela criou para se divertir. Na verdade, não percebem que elas mesmas podem ser a próxima vítima, quando necessitarem de uma ambulância que está ocupada atendendo um trote”.

Segundo o psicólogo, "embora prejudicial, o trote era uma brincadeira entre duas pessoas: uma que ligava e outra que atendia. Atualmente, o indivíduo motivado por plateias, anseia filmar ou gravar sua ‘façanha’, para que outros achem engraçado, e que neste caso especifico, tem uma motivação aparentemente patológica, pois o autor não reflete sobre as consequências em detrimento de um desejo insano de parecer engraçado", afirma.

Eduardo acrescenta que quando essas pessoas passam trote e transgridem a segurança pública e o bem-estar do próximo, são consideradas desinformadas ou psicopatologicamente comprometidas. “É preciso reflexão sobre os limites, visto que tais atitudes colocam a vida de outras pessoas em risco. Quem passa um trote é aquela pessoa que perdeu a capacidade de refletir e de fazer o movimento de se colocar no lugar do outro”, assegura o profissional.

De acordo com o Código Penal, artigo 340, provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado (trote) pode levar a pena de detenção, de um a seis meses, ou multa.

O coordenador da Guarda Municipal faz um alerta aos pais e às escolas para que orientem as crianças a não fazer essas ligações indevidas. “As crianças são multiplicadoras e guardam as informações que passamos. É muito importante passar a elas a noção de que uma mentira pode ser maléfica e comprometer o atendimento a uma pessoa que realmente precisa”, observa. A mesma opinião é compartilhada pelo diretor de Urgência e emergência da Sesma. Ivison Carvalho destaca que  preciso se conscientizar que o SAMU é voltado para atendimento de pessoas com risco iminente de morte e por isso, não pode brincar em serviço, precisa ser eficiente, assertivo e resolutivo. “Definitivamente, trote é um desserviço para a própria população”, conclui.