Todos os meses,
cerca de oito mil bolsas de sangue são coletadas no Pará para ajudar pacientes
de todas as idades e nas mais diversas situações. Alguns sofreram acidentes,
outros fazem tratamento contra algum tipo de câncer ou têm alguma doença
hematológica, como é o caso de Seije. O fundamental, em todos os casos, é
garantir a qualidade do sangue. É a chamada segurança transfusional.
O coordenador de
Hemoterapia do Hemopa, Carlos Victor Cunha, explica que, como qualquer
procedimento hospitalar, uma transfusão possui riscos e cabe ao médico indicar
o procedimento correto. O trabalho da Fundação em garantir a segurança
transfusional é aplicado em duas vertentes: a triagem clínica e a sorologia.
Esta consiste nos “exames de triagem laboratorial realizados nas amostras de
sangue de doadores que verificam se o sangue doado pode ser utilizado para a
transfusão”.
Quando um dos
exames dá um resultado alterado, o sangue é automaticamente bloqueado pelo
sistema informatizado que gerencia o ciclo do sangue para ser, então,
descartado, seguindo as normas sanitárias vigentes. Segundo o coordenador, uma
carta é enviada ao doador “convocando-o para que retorne ao Hemopa e faça nova
coleta de amostra de sangue para repetição dos exames alterados. Caso a
alteração se mantenha, o doador fica inapto definitivamente para uma nova
doação. Ele recebe orientações e é encaminhado para um serviço de saúde onde
realizará exames confirmatórios, acompanhamento e tratamento, se necessário”.
Carlos Victor
chama atenção que os exames laboratoriais realizados pelo Hemopa, por se
tratarem de exames de triagem, não possuírem a finalidade de estabelecer o
diagnóstico de doenças. “Nesse sentido, o hemocentro está sempre em busca de
ofertar serviços laboratoriais de triagem de excelência, de acordo com as
normas mais exigentes para bancos de sangue”.
Além disso,
existe a “janela imunológica”, que é o tempo transcorrido entre a contaminação
e aparecimento de anticorpos que permitem a detecção de doenças no sangue.
Dependendo da enfermidade, esse período pode chegar a um ano. Ou seja, nesse
tempo, mesmo que o indivíduo esteja contaminado, a doença não vai aparecer nos
testes. Por isso, outras medidas são tomadas para garantir a segurança do
sangue.
A importância da
triagem
Quando um
voluntário chega ao Hemopa para doar sangue, existe uma rotina a ser seguida. O
ciclo do sangue começa na recepção, onde o candidato apresenta documento de
identificação oficial original e com foto. Se for a primeira doação, é feito
seu cadastro. Caso já seja doador de sangue, suas informações pessoais são
confirmadas e/ou atualizadas. Depois vem a pré-triagem, com a verificação do
peso, pressão arterial, temperatura e nível de hemoglobina no sangue.
O passo seguinte
é a triagem, a outra vertente da segurança transfusional. “A triagem
clínica-epidemiológica é uma entrevista que avalia, com dados fornecidos pelo
candidato, riscos potenciais que a doção pode representar tanto para a saúde do
doador quanto do receptor de sangue, podendo ter como resultado uma inaptidão
temporária ou definitiva para a doação, seguindo critérios estabelecidos pelo
Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e
recomendações de estudos científicos nacionais e internacionais”, detalha
Carlos Victor.
Há mais de 15
anos na triagem do Hemopa, a médica Socorro Ferreira conta que toda a
legislação do sangue determina o que deve ser perguntado durante a triagem,
possibilitando ao profissional adentrar na intimidade do doador para investigar
a vida sexual e social dele. “Vamos perguntar, por exemplo, se a pessoa tem
múltiplos parceiros. Se positivo, isso leva a inaptidão. Porque, segundo a
legislação, essa pessoa tem uma exposição maior às doenças sexualmente transmissíveis”.
Esses
questionamentos abrangem diversas situações, umas voltadas à proteção do
doador, outras protegem os pacientes. “O uso de determinados medicamentos
impossibilita a doação porque as substâncias são veiculadas pelo sangue
afetando quem irá receber a transfusão. Já o doador que está com algum problema
de saúde, como uma infecção, por exemplo, também não poderá doar. Essa é uma
medida de proteção ao voluntário”, comenta Socorro.
A médica observa
que toda transfusão parte da premissa de que o voluntário vai ao hemocentro
para salvar uma vida e não para contribuir para o agravamento da saúde de
alguém que já está tão debilitado. “Eu sempre digo que eu trio pensando que as
minhas filhas que vão receber esse sangue. Gosto de fazer triagem. Nós criamos
laços com as pessoas, ouvimos histórias. O contato é direto com o doador.
Algumas vezes um candidato que nunca doou chega desesperado porque alguém da
família está precisando. Ele acaba não podendo doar porque a pressão está
alterada ou porque não tem condições emocionais para isso. Então precisamos
conversar com ele, acalmá-lo. É um trabalho muito humanizado”, fala.
O profissional
da triagem pode ser um médico ou qualquer outra pessoa da área da saúde de
nível superior, desde que seja capacitado e qualificado para desempenhar a
função e que esteja sob a supervisão de um médico.
A médica comenta
que muitas pessoas têm medo de ir a uma unidade de saúde e relatar a suspeita
de contaminação por alguma doença. “Infelizmente, essas pessoas acham que o
caminho mais fácil é vir ao Hemopa. Mas nós percebemos isso. Nosso objetivo é
garantir a segurança de quem vai receber o sangue”.
Assim como há
constante sofisticação tecnológica na sorologia, também existe uma evolução na
legislação do sangue. Isso é causado pela série de estudos e entendimentos que
permitem a inclusão de critérios, como também a exclusão de outros. “Costumo
dizer que não existem doadores. Existe o doador. Não existem pacientes. Existe
o paciente. Cada caso é um caso e a lei acompanha tudo isso”, comenta Socorro.
Um exemplo disso
é o exame de endoscopia. Antes, não havia vedação à doação para quem fazia o
procedimento. Mas agora é diferente. “Para as pessoas que fazem endoscopia, se
dá um período de seis meses porque existem estudos que comprovaram que, mesmo
minimamente, há risco de se contrair hepatite C durante o exame”.
Caso o candidato
à doação seja aprovado na triagem, ele segue para dar seu voto de autoexclusão.
A pergunta feita por uma máquina é “você está seguro que seu sangue pode ser
usado em pacientes”. O candidato deve responder “sim” ou “não”. Esse voto é
fundamental para maior segurança daquele que recebe a transfusão, caso o
candidato tenha omitido alguma informação durante a entrevista. Se a resposta
for negativa, a bolsa de sangue a ser coletada será automaticamente descartada.
Por fim, o
doador é conduzido até a sala de coleta. O procedimento é seguro, já que o
material utilizado é totalmente descartável. São coletados cerca de 450 ml de
sangue, além de amostras para a realização dos exames.

