Um estudo realizado no Rio Tapajós, no
Pará, comprovou que os pescadores possuem profundo conhecimento sobre a
ecologia e os padrões migratórios das espécies de peixes mais capturadas na
região, trazendo à tona, inclusive, informações que ainda não foram registradas
na literatura científica. Os resultados da pesquisa permitem ainda prever
possíveis impactos dos projetos hidrelétricos nos peixes e na pesca. A pesquisa
foi publicada na revista internacional Hydrobiologia, qualificada no estrato A1
da área de Biodiversidade da Capes.
O trabalho é de autoria de pesquisadores
da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pela
Ufopa, participou da pesquisa o professor Gustavo Hallwass, do Campus de
Oriximiná, que coordena o Laboratório de Ecologia Humana, Peixes, Pesca e
Conservação (LEHPPEC).
Foram entrevistados 270 pescadores de 17
comunidades ribeirinhas ao longo de 550 km de rio, nos municípios de Santarém,
Aveiro, Itaituba e Jacareacanga. Os pescadores indicaram rotas migratórias,
sazonalidade, uso de habitats e possíveis áreas de desova do filhote
(Brachyplatystoma filamentosum), jaraqui (Semaprochilodusspp.), mapará
(Hypophthalmus marginatus), matrinchã (Brycon spp.), tucunaré (Cichla spp.),
acaratinga (Geophagus spp.) e pescada (Plagioscion squamosissimus), sendo as
três últimas espécies sedentárias – que não migram para reproduzir.
Este é um dos poucos estudos já
realizados sobre o Rio Tapajós, se comparado a outros rios amazônicos. O
filhote, por exemplo, tem sua distribuição e ecologia bem documentada em rios
de águas brancas, mas havia poucas informações sobre a ocorrência e ecologia em
rios de águas claras, como o Tapajós.
Hallwass, que estuda a relação entre o
conhecimento tradicional e a ecologia de peixes, afirma que “cada conversa,
cada entrevista com um pescador(a) é uma aula sobre a pesca, biologia e
ecologia dos peixes da região. É incrível poder aprender e registrar o
conhecimento tradicional de pescadores(as) que é transmitido de geração em
geração. Devemos, como sociedade, valorizar e aprender com o conhecimento de
populações tradicionais, como pescadores, quilombolas, indígenas, entre
outros”.
Impactos das hidrelétricas – Ao
relacionar o conhecimento tradicional a estudos científicos, foi possível
prever impactos que hidrelétricas podem ocasionar. No Rio Tapajós, há a
previsão de um complexo com mais de 40 barragens ao longo do rio, o que poderia
afetar diretamente a reprodução de espécies migratórias como filhote, matrinchã
e jaraqui.
Só o jaraqui e o filhote representam 28%
de toda a captura da pesca de pequena escala no Baixo Tapajós. Em outros rios
da Amazônia, já há uma drástica redução dos estoques pesqueiros associados a
construção de hidrelétricas: de jaraqui no Rio Tocantins, próximo à UHE de
Tucuruí; e dos grandes bagres do gênero Brachyplatystoma, como a dourada e o
filhote, no Rio Madeira, afetados pelas UHE Santo Antônio e Jirau.
Barragens podem mudar o curso das águas,
impedir migrações para desova e prejudicar o crescimento de peixes. De acordo
com o estudo, as espécies que percorrem longos trajetos requerem ainda maior
proteção, em nível regional ou mesmo nacional.
“Dessa maneira, se forem construídas as
hidrelétricas no Rio Tapajós é previsto forte impacto na pesca e nos peixes da
região, o que irá afetar diretamente a renda e a segurança alimentar de
milhares de famílias que dependem do peixe para sua alimentação e sustento ao
longo do rio. Assim, espera-se que os órgãos governamentais estejam atentos aos
fortes impactos e prejuízos à população local que esses projetos podem causar”,
alerta o pesquisador da Ufopa.