Todos sabemos que momentos como os que
vivemos são devastadores a vários níveis. Em tempos de guerra, como se costuma
dizer, enterraram-se os mortos e cuidam-se os vivos. No entanto, a arqueóloga
Joana Freitas alerta que depois da nuvem de pó assentar, " teremos que
lidar com a epidemia económica, com a recessão e empobrecimento. Todos os
momentos são de alteração de políticas como nos foram ensinando outros eventos
históricos."
Joana Freitas refere que ainda é muito
cedo para se saber exatamente quais serão as consequências mas não duvida que
elas vão existir.
"É praticamente utópico achar que
depois de todo este cenário não iriam existir mudanças. Obviamente o seu grau
vai depender diretamente do tempo que a crise pandémica durar. Mas teremos que
estar cientes que haverá danos económicos elevados e sociais também.",
frisa a arqueóloga.
Continuando com a sua explicação, Joana
Freitas acredita que comparativamente não acredita que " o momento atual
não trará um cenário tão devastador como uma guerra mundial mas será comparável
e até mesmo superior ao momento que o mundo viveu com a crise que se iniciou em
2008."
A arqueóloga alerta que momentos de
crise deixam profundas marcas nas sociedades e que normalmente perduram no
tempo.
"As crises econômicas moldam
sociedades. Em 2008 o mundo empobreceu de maneira geral. Muitos ocidentais ainda
hoje vivem nas consequências dessa crise. O mundo do trabalho tornou-se
inseguro, precário. As gerações jovens viram-se sem grandes possibilidades de
ter uma vida que não fosse dependente dos pais. Muitos agregados familiares
voltaram a juntar-se para fazer face às dificuldades.", explica. "Por
outro lado, nenhum americano esqueceu o crash de 1929. É algo muito
próprio."
Há no entanto, segundo Joana Freitas,
cenários mais globais que trazem mudanças maiores.
" Há cenários como as guerras
mundiais ou a pandemia da pneumónica, a chamada gripe espanhola, em que as
alterações são mais drásticas. No fim da segunda guerra o mundo estava
arrasado, a pobreza dominava. No entanto, e a partir daí que a sociedade moderna
se começa a constituir no que se refere a parâmetros de nível de vida ou
económicos. Antes disso, no início do século, a pneumónica arrasa o mundo já
debilitado pela primeira guerra mundial. As perdas humanas e materiais foram
incalculáveis mas também existiram aspetos positivos. É neste momento que a
ciência avança e se dá valor à criação e melhoramento de sistemas públicos de
saúde".
Há muitas mudanças que se podem esperar.
A história, por sua vez, ensina que há pormenores a que devemos dar atenção.
"Não duvido que o setor econômico
vai mudar. Acredito que os países irão fazer uma reflexão e tentar perceber o
que podem produzir internamente e onde podem não estar tão dependentes. A
pandemia fez-nos ver o quanto a indústria e o comércio podem sofrer por a
cadeia de abastecimento ser tão longa. Este momento é crucial. Ou os países
optam por uma cooperação mais transparente e justa ou viveremos anos de grande
alteração nos setores produtivos.", opina.
Concluído, "Este gênero de
acontecimentos são propícios a uma onda de solidariedade e união iniciais. Há
uma preocupação global. Depois há separações quando a cooperação for ao nível
económico. Temos o exemplo da união europeia e veremos como ela vai lidar com
todo este caso, porque ou realmente revela coesão ou então irá sofrer muitas
fissuras.”
Joana Freitas, formada em arqueologia
pela Universidade do Porto e pela Universidade Autónoma de Barcelona, tem por
áreas de estudo a pré-história e a evolução da espécie humana. Membro e sócia
da CPAH – Centro de Pesquisas e Análises Heráclito, com sede em Portugal e
unidades no Brasil e na Holanda.