Um curioso animal por cerca de 300 anos
gerou uma acirrada discussão no meio científico, até ser definida a sua
classificação taxonômica, ou seja, a qual grupo pertence. Parte dos cientistas
achava que se tratava de uma espécie de serpente e a outra acreditava ser um
lagarto. Em meados do século 20 foi finalmente estabelecido que se tratava de
um terceiro grupo de répteis com escamas, chamado de Amphisbaenia. Um exemplar
jovem de uma das espécies deste grupo foi encontrado na última terça-feira (7),
no Parque Estadual do Utinga Camillo Vianna, nas proximidades do Lago Bolonha.
Foi durante as suas atividades que o
pesquisador responsável pelo inventário de répteis e anfíbios do Parque do
Utinga, Augusto Jarthe, encontrou o animal, identificado como Amphisbaena
fuliginosa, que circulava próximo à borda da pista. Jarthe realiza esse
trabalho de levantamento da herpetofauna da Unidade de Conservação Estadual em
parceria com o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do
Estado do Pará (Ideflor-Bio), órgão gestor do Parque.
Augusto Jarthe explica que o grupo das
Anfisbenas apresenta características peculiares, que são adaptadas para
atividades de escavação e a vida em ambientes subterrâneos. "Não é um
animal raro e as espécies presentes no Parque do Utinga não estão nas listas de
animais em extinção. Raro é o encontro com eles, porque são animais que vivem
em túneis subterrâneos construídos por eles próprios e o principal órgão
utilizado para escavação é a sua cabeça", pontuou o gestor ambiental.
Devido ao seu modo de vida peculiar, há
poucos estudos sobre a espécie, conforme lembrou o pesquisador. "Existem
poucos exemplares depositados nas coleções científicas e, consequentemente,
poucos estudos a respeito desse animal, principalmente pela grande dificuldade
que temos de encontrá-los. Faço a pesquisa há 8 anos no Parque e foi a segunda
vez que encontrei essa espécie. E encontrar um indivíduo jovem é muito bom,
pois percebemos que o Parque é um ambiente preparado para a reprodução e
desenvolvimento desses animais", frisou o pesquisador.
Biodiversidade - Para a diretora de
Gestão e Monitoramento de Unidades de Conservação do Ideflor-Bio, Socorro
Almeida, a identificação dessa e outras espécies que fazem parte da fauna livre
do Parque demonstra a importância da conservação desse ambiente. "Além de
ser uma grata surpresa, vai muito além disso. Para nós é um instrumento
fantástico de gestão, porque quando sabemos o que temos de recursos naturais,
que são frutos da pesquisa, sabemos o que vamos fazer para preservar esse
recurso. É fundamental que essa pesquisa ande na frente da gestão",
ponderou.
A reprodução da espécie mostra ainda que
a Unidade de Conservação está cumprindo o seu papel de assegurar a conservação
da biodiversidade. "Estamos cumprindo o objetivo da Unidade de
Conservação, que é permitir a reprodução das espécies e, ao mesmo tempo,
conciliando com a visitação pública. Em tempos de pandemia, percebemos que
essas espécies e outras de fauna e flora estão se reproduzindo com mais
facilidade", acrescentou Socorro Almeida.
Nomes Populares
A Anfisbena possui o corpo coberto por
escamas e o seu nome é um termo grego, formado pela união de (Amphis), que
representa duplo, e (baena), que significa caminhar. Ou seja, a junção
significa "aquele que caminha para ambas as direções". A espécie é
conhecida por três nomes populares, como cobra-cega (pelo tamanho reduzido de
seus olhos), cobra-de-duas cabeças (pela semelhança entre a cauda e a cabeça de
algumas espécies) ou mãe-das-saúvas (alusão à presença de algumas espécies em
ninhos de formigas cortadeiras). É através do olfato que o animal consegue
identificar suas presas e parceiros.
Dentre as características, o animal
apresenta um corpo cilíndrico e alongado, sem membros locomotores (exceção no
gênero mexicano Bipes), cauda curta e arredondada, olhos muito reduzidos e
capacidade de se movimentarem para frente e para trás com a mesma habilidade.
O animal encontrado no Parque possui 18
centímetros de comprimento e em torno de um centímetro de diâmetro, de acordo
com a análise feita por Augusto Jarthe. Na fase adulta, a espécie pode atingir
até 50 centímetros de comprimento e de 4 a 5 centímetros de diâmetro. As
Anfisbenas são animais carnívoros, possuindo uma alimentação parecida com a de
alguns lagartos. Por viver em ambientes subterrâneos, se alimentam com o que
está presente no solo como cupins, larvas de besouros e de formigas, dentre
outros invertebrados.