O Ministério Público Federal (MPF)
enviou recomendação nesta terça-feira (8) a órgãos públicos e instituições
privadas para que sejam tomadas medidas que impeçam a entrada de ouro ilegal na
cadeia brasileira de circulação interna e de exportação do minério.
A facilidade de acobertar a origem
irregular do produto estimula uma série de violações que colocam em risco a
vida dos povos da floresta e o direito de consumidores nacionais e internacionais
à informação, alerta a unidade do MPF em Itaituba, no Pará, responsável pela
recomendação.
Segundo estudo da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG) produzido para o MPF, de 2019 a 2020 pelo menos 49
toneladas de ouro ilegal do país foram “esquentadas”, ou seja, tiveram sua
origem acobertada e foram introduzidas no comércio como produto legal. Esse
esquentamento gerou um prejuízo socioambiental no valor de R$ 9,8 bilhões para
a Amazônia.
No mesmo período, a mineração ilegal foi
responsável pelo desmatamento de 21 mil hectares (cada hectare tem uma área de
aproximadamente um campo oficial de futebol) na Amazônia, e 80% dessa área foi
desmatada em regiões fora das áreas oficialmente registradas como de origem do
ouro.
“Tanto entidades e órgãos estatais
quanto atores privados, compradores, vendedores e exportadores de ouro, pela
sua omissão deliberada, seja na implementação propriamente dita dos controles,
seja na ausência de cobrança pela sua implementação e na adoção e cumprimento
de regras de compliance [medidas para garantir o cumprimento de leis e ações
que aumentem a segurança dos atos e minimizem os riscos de condutas ilícitas e
antiéticas, por meio da atuação preventiva], terminam por estimular conflitos
em terras indígenas, depredações, incêndios e ameaças de morte contra
populações vulneráveis”, destaca o MPF.
Exemplo de violações – Algumas das
terras indígenas que mais sofreram desmatamento também foram as áreas mais
vitimadas pela violência direta dos mineradores ilegais. Como exemplo, o MPF
cita o caso do povo Munduruku, que desde março deste ano vem sofrendo uma
intensificação das invasões e ataques por milicianos armados, inclusive com
cobertura de helicóptero.
Além do risco de poluição a bacias
vitais para a vida da etnia, no sudoeste do Pará, os Munduruku vêm sendo alvo
de depredações e incêndio de prédios de associações e moradias, tiveram bens
roubados, e cotidianamente recebem ameaças.
Apesar de decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) e de manifestações de escritórios da Organização das Nações
Unidas (ONU) para que a mineração em terras indígenas seja combatida na região,
o Ministério da Defesa alegou que não tinha orçamento e retirou apoio de
operação realizada em Jacareacanga no final de maio.
“Pela sua omissão na implementação de
controles de certificação de origem e de rastreabilidade na cadeia de produção
e circulação de ouro de garimpo, o Estado Brasileiro promove e é ele próprio
responsável direto pelas ameaças e violências praticadas contra os povos
indígenas, em especial o povo Munduruku”, ressalta o MPF na recomendação.
Empresas em silêncio - Diferentemente de
outras cadeias econômicas, como as da pecuária e dos grãos, em que em alguma
medida já é exigida responsabilidade socioambiental dos atores dessas cadeias,
ajudando a elevar a imagem do país no âmbito internacional, na cadeia de
produção e circulação de ouro essa exigência não existe, frisa o MPF.
Em relação aos sucessivos episódios de
violências, ameaças e invasões praticados por garimpeiros ilegais em terras
indígenas, o MPF aponta que vigora um “silêncio eloquente” por parte dos
principais atores e entidades representativas dos setores de aquisição de ouro
de garimpo, de distribuidoras de títulos e valores mobiliários, e exportadoras,
em especial a Associação Nacional do Ouro (Anoro), a Associação Brasileira de
Metais Preciosos (Abramp), e a Associação Brasileira dos Fabricantes de Joias
de Ouro Certificado (Amagold).
Na recomendação o MPF também cita que
quase a totalidade do brasileiro é exportada, sendo que em 2019 o Canadá, o
Reino Unido e a Suíça registraram 71% de todas as importações de ouro do
Brasil.