Paulo Martins foi um dos pioneiros na divulgação da gastronomia paraense - Foto João Ramid |
Reportagem Especial Celso Freire
Para a capital paraense tornar-se
referência mundial em gastronomia, foi necessário o trabalho conjunto de
diversas entidades públicas e privadas. Além da prefeitura de Belém, em
parceria com o Governo do Estado, o esforço dos empresários do setor também foi
recompensado. Uma dessas entidades de destaque foi o Instituto Paulo Martins
(IPM), criado em 2012, com o principal objetivo de promover o estudo e a
divulgação da gastronomia paraense e amazônica brasileira. O Instituto Paulo Martins vem
colocar em prática o que o famoso chef de cozinha Paulo Martins (falecido em 2010)
já apregoava pelos anos de 1990, por todo o Brasil: “Existia uma visibilidade
muito grande do trabalho dele, principalmente fora do estado e não podíamos
deixar isso parar ou morrer junto com ele. Foi aí que surgiu a ideia de criar o
Instituto e dar continuidade ao trabalho de divulgação da cozinha paraense”,
revelou Joanna Martins, diretora do IPM e filha do chef.
O IPM foi criado em três pilares:
a divulgação, o incentivo à pesquisa e a educação. Segundo Joanna, há uma necessidade
de aprofundar o conhecimento da gastronomia no Pará. “Tem um conhecimento
tradicional, mas ele é muito empírico, e sem registro ou com muito pouco
registro”, ressaltou. A diretora do IPM chama atenção para o “olhar” correto
sobre a gastronomia. “Ela prioriza o sabor do alimento e o prazer que ele traz
para as pessoas que o consome. Ele não é o alimento por si... somente para a
sua subsistência... é, além disso”, explica Joanna Martins. Para ter sabor,
ensina ela, os alimentos têm que ter qualidade.
Mas, será que essa atitude pode
tornar a gastronomia elitizada?. Joanna garante que não. Ela cita como exemplo,
uma boieira do mercado do Ver-o-Peso, que não estaria num ambiente considerado
adequado para cozinhar. A pessoa percebe se ela faz gastronomia ou se ela faz apenas
comida. “As pessoas não percebiam isso até o IPM surgir. Existia uma culinária
diferente por conta dessa diversidade de ingredientes, que não tem no resto do
país. Mas essa coisa de você olhar o alimento com qualidade, ela não existia,
ou existia muito pouco”, explica.
Foto: Dudu Maroja |
A partir daí, foi que o IPM
começou a realizar um trabalho de articulação com as entidades governamentais.
Iniciaram conversas com representantes da secretaria estadual de Agricultura,
com a secretaria estadual de Turismo e até com a secretaria de Ciência e Tecnologia,
para mostrar que o estado tem um potencial enorme de desenvolvimento, se for
olhado o alimento pelo viés da gastronomia.
Durante a 4ª Feira Internacional
do Chocolate e Cacau, realizado em agosto deste ano, em Belém, o secretário de
estado de Agricultura, Hildegardo Nunes ressaltou a importância de se produzir
mais e melhor. Mas como melhorar?. Segundo Joanna Martins, isso ocorre quando
há uma variedade de alimentos a ser escolhida. Devido a esse fator, os
empresários estão se unindo à pequenos produtores que conseguem produzir produtos
de melhor qualidade. “Esse mercado está tão acostumado com a questão da
produtividade, que ele deixou de se preocupar com a qualidade”, criticou a
empresaria. “E quando você olha o alimento com qualidade, você agrega valor a
ele, por isso, até seja visto como uma coisa de elite, não só o ingrediente,
mas o processo de fazê-lo”.
Tradição
x Modernismo - Culinária paraense x Culinária brasileira
Os três primeiros anos do Instituto
Paulo Martins foram praticamente realizando festival e mostrando que a
gastronomia e o seu desenvolvimento econômico passa por toda uma cadeia produtiva:
“vai do agrônomo, do técnico agrícola, produtor, antropólogo, sociólogo,
historiador... existe toda essa questão cultural relacionada com a gastronomia,
que pode ser um campo vastíssimo de pesquisa, que ainda é pouco explorada”,
afirma a diretora do IPM, Joanna Martins, que constatou que não há especialista
em antropologia da alimentação no mercado. “Você tem alguns que trabalham isso
também, mas não específico. São ciências que nunca viram a alimentação na Amazônia
como potencial de pesquisa”.
As ciências exatas e humanas têm
papel fundamental na formação da história da gastronomia em todo o mundo. E no
Pará, não é diferente. Pratos envolvem a história, a antropologia, o
conhecimento indígena ou até mesmo da miscigenação dos povos. “Isso é a base. Resgatar
a história da gastronomia. Mas, ela não precisa ficar presa a essas questões.
Vão vir sempre novos cozinheiros que vão conhecendo bem a história e reinventando
os pratos”.
Rabada com macaxeira x Bife com batata frita |
O Instituto Paulo Martins reitera que é a favor da modernidade andar junto com a tradição. “É fundamental que haja valor do tradicional, do registro do resgate, mas ela não pode impedir que o novo exista e tente reinventá-lo”, ensina Joanna. “A gastronomia considerada nova tende a ter uma sustentação financeira, porque o consumidor quer novidade. Ele valoriza menos a tradição em geral”.
Joanna não concorda com o
discurso de pessoas que negam a união da tradição com a modernidade. “É um
discurso muito mais de proteção do que de integração, que é o que a gente
acredita”. “Nosso trabalho é manter a tradição ao mesmo tempo em que incentiva
a inovação. Não vai perder a identidade, que é do povo, e ele evolui”,
finalizou Joanna.
Reportagem Celso Freire
OBS: Essa é a terceira e última da série de três reportagens sobre a Indústria da Culinária Paraense