A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta sexta-feira (3), a suspensão da liminar que impede a aplicação da regra que atribui nota zero à redação com conteúdo ofensivo aos direitos humanos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2017. Para a PGR, a medida gera insegurança jurídica aos candidatos, já que a prova será realizada neste domingo (5), além de configurar retrocesso social.
“Toda a preparação dos
participantes do Enem 2017 foi realizada com base nas regras contidas no edital
do certame, dentre as quais a necessidade de respeito aos direitos humanos
prevista no item 14.9.4”, argumenta. A liminar questionada foi concedida pela
maioria da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que
acolheu pedido da Escola Sem Partido Treinamento e Aperfeiçoamento.
No pedido ao STF, Raquel Dodge
argumenta que a suspensão da regra pode causar grave lesão à ordem pública,
dada a proximidade do certame. Ela lembra que a necessidade de respeito aos
direitos humanos na redação, sob pena de o candidato receber nota zero, consta nos editais das provas do Enem desde
2013, conforme exigência das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos de 2012. “Nada há de ilegítimo,
na regra em si, que pudesse ensejar a interferência do Judiciário e a retirada
do item da lei do concurso”, sustenta.
Além disso, na decisão do TRF,
segundo ela, a liberdade de expressão é tomada como garantia absoluta,
desconsiderando outros direitos fundamentais. A própria Constituição limita
esse direito fundamental ao prever punição para atos de discriminação que
atentem contra direitos e liberdades fundamentais, além de atos de racismo.
“Não existe garantia constitucional absoluta e há limites ao exercício do
direito de liberdade de manifestação, impostos pela Constituição e por tratados
internacionais de direitos humanos, ignorados pelo julgador na origem”, afirma.
É o caso, por exemplo, da
Convenção Americana de Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos, que proíbem propagandas e atos com apologia ao ódio racial
ou religioso. Há, ainda, jurisprudência do STF no sentido de que as liberdades
públicas não são incondicionais, devendo prevalecer os princípios da dignidade
humana e da igualdade jurídica. A Suprema Corte também já admitiu que o Estado
pode impedir o ingresso de candidato no serviço público quando ostentar em seu
corpo tatuagem ofensiva aos direitos humanos.
Nesse mesmo sentido, segundo a
PGR, o Enem possibilita o aceso de estudantes às universidades públicas,
custeadas pelo Estado que tem o dever perante a comunidade nacional e
internacional de garantir e propagar o respeito aos direitos humanos. Essa
lógica, segundo Raquel Dodge, legitima a previsão de critério de correção de
redação que imponha o respeito a esses direitos. “A regra não destoa dos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, estando, mais que isso, em
plena harmonia com os valores constitucionais e convencionais consolidados e
almejados pela coletividade”, reforça.
A PGR também afasta o argumento
dos autores do pedido de que a aplicação da regra implicaria em falta de
objetividade na correção das provas e na imposição de determinada ideologia
política. Segundo ela, a avaliação de qualquer prova dissertativa envolve certo
grau de subjetividade, que é reduzido por providências tomadas pelos
organizadores da prova na redação do manual e nas regras de correção adotadas.
O manual do Enem dedica um
capítulo à definição de direitos humanos e detalha os casos que poderão ser
considerados ofensivos capazes de anular a redação. Além disso, cada redação é
corrigida por, no mínimo, dois avaliadores e, em caso de avaliações discrepantes,
um terceiro analisa a resposta. Todos os avaliadores também são submetidos a
treinamento, o que reduz a carga de subjetividade do trabalho, segundo a PGR.
No pedido, Raquel Dodge lembra
que no Enem de 2016, dos 6,1 milhões estudantes que fizeram a prova, apenas
4.798 obtiveram nota zero na redação por ferirem direitos humanos. Ela alerta
ainda para o risco de a liminar concedida pelo TRF1 – que é uma decisão
provisória – ter efeito definitivo. Isso porque, após a aplicação das provas,
não será mais possível usar esse critério de correção, ainda que a decisão seja
revertida no futuro.