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Cenas do filme Brutos Inocentes - de Líbero Luxardo |
Belém faz
aniversário nesta sexta-feira, 12. São 402 anos da cidade conhecida como
metrópole da Amazônia, título que vem do crescimento e progresso locais. Mas a
capital paraense, chamada carinhosamente de cidade morena, também é fonte de
inspiração para as artes em geral, como a literatura, as artes plásticas, a
música, a fotografia e, igualmente, o cinema. Por isso, Belém já foi cenário de
vários filmes produzidos por diretores locais, de fora do Estado e até do
Brasil, o que a torna sempre um manancial de boas histórias a serem contadas.
Quase no final
da década de 1930, o cineasta paulista Líbero Luxardo veio pela primeira vez a
Belém fotografar e registrar um congresso médico. E mesmo com a experiência de
já ter filmado nos estados de São Paulo e Mato Grosso, ele se encantou com a
beleza da capital paraense, lugar para onde se mudou e viveu durante 40 anos,
até sua morte em 1980.
Luxardo não foi
o primeiro - e não será o último - cineasta a voltar suas lentes para Belém. O
primeiro longa metragem de ficção de Luxardo, “Um Dia Qualquer”, lançado em
1962, é o retrato de uma Belém que não existe mais, e ainda assim traz saudosas
lembranças a todos.
O filme mostra
24 horas de um dia qualquer na capital paraense, quando um homem que acaba de
perder a esposa passa por pontos onde sempre passeava com ela, como o
Ver-o-Peso, o cemitério da Soledade, a igreja de Nossa Senhora do Carmo, as
avenidas Presidente Vargas e Almirante Barroso e as praças Batista Campos e da
República. Luxardo ainda filmaria três outros longas de ficção, “Marajó –
Barreira do Mar”, “Um Diamante e Cinco Balas” e “Brutos Inocentes”, todos tendo
como cenário o estado do Pará.
Depois de Líbero
Luxardo, Belém voltou a ser cenário de produções de cinema, sejam de fora do
Estado ou locais. Às produções internacionais como “Floresta de Esmeraldas”, de
John Boorman - que revelou ao mundo a atriz Dira Paes -, e “Brincando nos
Campos do Senhor”, de Hector Babenco, se juntam os filmes nacionais “Bye Bye
Brasil”, de Cacá Diegues, “Iracema - Uma Transa Amazônica”, de Jorge Bodanzky e
Orlando Senna, “Órfãos do Eldorado”, de Guilherme Coelho, e outros.
E a essas
produções que vêm de fora, o cinema paraense responde com curtas metragens como
“Ver-o-Peso”, de Januário Guedes, e “Vila da Barca”, de Renato Tapajós, e mais
recentemente com obras audiovisuais de nomes como Jorane Castro, Roger Elarrat,
Priscilla Brasil, Luiz Arnaldo Campos, Afonso Gallindo, Vitor Souza Lima,
Fernando Segtowick, Júnior Braga, Roger Paes, Aladim Júnior, entre outros.
Jorane - Mais de
50 anos depois do primeiro longa metragem de Líbero Luxardo, Belém voltou a ser
cenário de uma produção local, outro longa, que começa na capital paraense e
sai pela estrada, no gênero conhecido no cinema como road movie. A cineasta
Jorane Castro, que tem no currículo vários curtas metragens que têm Belém como
local de ação, como “Mulheres Choradeiras” e “Ribeirinhos do Asfalto”, é a
diretora de “Para Ter Onde Ir”, que em breve será lançado, depois de uma
carreira em festivais de cinema.
Para Jorane,
Belém é uma cidade muito fotogênica e que tem uma luz muito especial. “Eu tenho
uma vontade maior quando filmo em Belém e gosto de filmar aqui, mas isso
engloba uma cidade que está crescendo desordenadamente, com poucos cuidados com
ela, mas que por outro lado ainda pode render bons filmes e boas imagens e é
por isso que eu tenho sempre projetos para filmar em Belém”, revelou a
cineasta.
“Belém tem um ar
de melancolia e decadência. Muitos diretores de fora já filmaram aqui, de uma
forma um tanto exótica. E ao contrário disso, acredito que eu e meus colegas,
diretores de cinema, ainda temos histórias daqui que ainda não foram contadas,
porque são histórias humanas que se contam com honestidade e mais
representatividade. Pra mim, é um desafio e eu gosto disso”, afirma.
Jorane cita o
poeta paraense Max Martins, que dizia que quando ele falava da Amazônia, ele
estava sendo Amazônia, que o escrevia de volta. “O mesmo ocorre com Belém, que
tem características amazônicas. Contar Belém é também contar a Amazônia e nós,
moradores daqui”, argumenta a diretora.
Atualmente,
Jorane está com dois projetos de cinema que continuam tendo a Região Amazônica
e Belém como cenários. O primeiro é o documentário “Mestre Cupijó e seu Ritmo”,
com cenas gravadas em Cametá e Belém; e o segundo, o próximo longa metragem de
ficção dela, “A Herança”, com roteiro de Ângela Gomes, que será totalmente
filmado em Belém, nos bairros da Cidade Velha e da Campina.
Elarrat - O
diretor Roger Elarrat é formado em Jornalismo e foi na Universidade Federal do
Pará (UFPA) que ele deu os primeiros passos no cinema, área onde atua há 18
anos. Depois vieram os curtas “Visagem” e “Juliana Contra o Jambeiro do Diabo
pelo Coração de João Batista”, além do documentário “Chupa-Chupa, a História
que Veio do Céu” e a série “Miguel Miguel”. Todas as produções têm Belém e a
Região Amazônica com pano de fundo.
Roger diz que
Belém tem particularidades únicas. “Belém tem qualidades estéticas que vêm da
nossa herança cultural europeia, em um cenário bem marcante, com grandes
construções e a natureza ao redor. Ao mesmo tempo em que se pode ter cenários
de lugares mais antigos e bucólicos, andando pela cidade, numa busca cuidadosa,
podemos ter outros cenários, e todos de forma significativa. Filmar aqui é ter
uma estética diferente, que influencia diretamente no trabalho, na forma do
enquadramento da câmera e no processo de documentação”, analisa Elarrat.
“Filmar em Belém
é um constante aprendizado. É um desafio filmar aqui, e acredito que isso nos
dá experiência para produzir filmes em qualquer lugar fora daqui”, disse Roger,
que utilizou a Ladeira do Castelo, na Cidade Velha, como um dos cenários de seu
curta “Juliana Contra o Jambeiro do Diabo pelo Coração de João Batista”.
Até o final
deste ano, Roger vai lançar seu primeiro longa metragem, “Nirvana”, que foi
filmado no ano passado em vários lugares de Belém, como o colégio Gentil
Bittencourt e a Santa Casa. No elenco estão atrizes Carolina Oliveira e Manuela
do Monte e atores paraenses como Joyce Cursino. Além disso, Belém é cenário da
série assinada por ele, “Squat na Amazônia”, que está pronta e será lançada em
breve.
Segtowick - O
cineasta Fernando Segtowick foi um dos contemplados com o Edital de Curtas
Metragens da Prefeitura Municipal de Belém, em 2001, pelo curta “Dias”, e a
visão que esse trabalho traz é a de uma Belém metropolitana e cosmopolita,
diferente do que era usual por aqui. Uma das cenas cruciais em “Dias” e que dá
a motivação à história, se passa em plena avenida Visconde de Souza Franco, a
conhecida Doca, em meio ao trânsito costumeiro no local.
Para Fernando,
Belém é um bom cenário de imagens e histórias. “Só o fato de ser uma metrópole,
na fronteira entre cidade, floresta e rio, já chama a atenção na cidade. Além
disso, temos uma grande cena cultural, questões sociais e uma arquitetura de
400 anos. Belém é esse caldeirão de histórias que fazem a cidade ser do jeito
que é. Se filmo em Icoaraci é diferente de Batista Campos ou de filmar no Guamá
ou na Pedreira. Cada bairro e seus moradores para quem escreve sobre Belém é
uma fonte de histórias”, comenta.
O diretor
concorda que em produções anteriores, principalmente as de fora do Estado, se
criou um olhar muito exótico e superficial sobre a cidade. “Eu acho que
precisávamos colocar mais protagonismo nos moradores daqui. É importante que as
pessoas se reconheçam como em todas as suas histórias, sem precisar de tantas
referências de fora, e isso é um processo que sempre tento colocar em meus
filmes. É importante achar nas histórias locais a sua universalidade. Mesmo que
o filme se passe em Belém é importante que ele seja entendido em qualquer lugar
do mundo. Esse é o grande desafio”, avalia.
Segtowick assina
também a direção de curtas metragens premiados como “Matinta”, “No Movimento da
Fé” e “O Caminho das Pedras”. No momento, ele começa a produção de um
documentário de longa metragem que será filmado em Tucuruí, região sudeste do
Pará, e está escrevendo seu primeiro longa de ficção, "Passagem
Esperança", que tem foco em histórias de três mulheres que se passam nos
bairros do Guamá, Pratinha e Icoaraci.
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Diretor Aladim Júnior - ao centro |
Aladim - O
diretor Aladim Júnior nasceu em Tefé, no estado do Amazonas, mas veio morar em
Belém aos 15 anos. “A família foi o começo de tudo, na vinda para Belém acabei
vivendo a primeira grande metrópole da minha vida. A minha adolescência foi
andando pela cidade de ônibus, a pé, de bicicleta, sempre olhando a cidade como
um 'estrangeiro'. Talvez por isso eu continue olhando a cidade com essa
diferença, só que agora é minha casa, minha paixão e meu sonho de retorno”,
revela Aladim, que atualmente reside em Macapá (AP).
O diretor - que
assina grandes campanhas publicitárias paraenses -, foi co-diretor do curta
“Matinta” e do documentário “Mora na Filosofia”, entre outros. Ele diz que
perceber e se apaixonar pelo que é daqui não é difícil. “Manter um processo de
exaltação, ou mesmo de narrar tudo sob uma ótica mais romântica, talvez seja
mais difícil, porque a cidade cresceu, revelou grandes problemas e se tornou um
labirinto de conteúdo para o audiovisual que ainda procura sua identidade, mas
que já é formada por variedades de estilos incrível”, pondera.
Aladim comenta
que a atual fase em que está é mais rústica e mais extrema no quesito “vida em
sociedade”. “Me atenho em contar histórias de gente invisível da floresta
amazônica e quanto mais remotos são os lugares, pra mim, melhor. Tudo que penso
sobre filmar em Belém é sempre com conteúdo histórico”, considera.
“Belém tem alegria,
Belém tem luta, Belém tem dor, Belém tem cheiros, tem sorriso sem dentes de
gente feliz e especial. Tem um povo acolhedor e amigo, tem água de tudo que é
lado, revelando nosso dom aquático. Belém tem gente andando na chuva, tem manga
nas esquinas e farinha no ‘Veropa’. Belém sente a falta de cuidado de todos nós
e tem urgência em se modernizar, em evoluir e se tornar ainda mais humana.
Belém está num caminho sem volta pelo reconhecimento do tesouro que é, de amor
incondicional por seu povo e de seu povo por ela. Belém é nossa maior joia,
nossa casa, Belém do Pará”, encerra poeticamente e saudoso, o diretor.
Ainda em 2018,
Belém voltará a ser cenário de um longa metragem, em uma produção vinda de São
Paulo (SP). A produtora O2, do cineasta Fernando Meirelles, anunciou que será
gravado na capital paraense o filme “Pssica”, baseado no romance policial do
escritor paraense Edyr Augusto Proença. O filme será o primeiro longa assinado
por Quico Meirelles, um dos diretores que atuam na produtora e filho de Fernando.