Prevenir o câncer exige coragem para mudar o estilo de vida

Oncologista Paula Sampaio - Foto:Divulgação


Coragem é substantivo, como o próprio dicionário define: enfrentar, suportar, realizar. Mas podia ser verbo, afinal, coragem é prática diária, é rotina principalmente de quem dorme e acorda todos os dias com uma batalha que não escolheu – a luta contra o câncer. E quando falamos em doenças graves como essa, é óbvio que ninguém quer passar por isso.

“Alguns tipos podem e devem ser evitados, porque são ligados ao estilo de vida. É o caso do câncer colorretal, ou de intestino, um dos poucos tipos de tumor que podem ser prevenidos, porque está diretamente relacionado aos hábitos alimentares”, explica a oncologista clínica Paula Sampaio. Apesar de ser evitável, esse é o 3º tipo mais frequente em homens e o 2º entre as mulheres. Em 2018, o câncer colorretal deve registrar 36.360 novos casos, segundo estimativas do INCA. Um aumento de 6% em relação ao índice anterior.

Para alertar e conscientizar a população sobre a prevenção do câncer colorretal ou de intestino, a Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP) realiza durante todo o mês de setembro a campanha Setembro Verde.

A cirurgiã dentista Cyntia Viana Soares, de 50 anos, se enquadrava nesses fatores de risco. “Havia casos de câncer na família e eu sempre fui sedentária. Como trabalhava muito, comia na rua mesmo, sem horários certos. Minha alimentação era sempre com muitos carboidratos, com massas e molhos. Saladas e exercícios não fazem parte da minha rotina até hoje”, admite Cyntia. Em dezembro de 2014, ela descobriu que tinha câncer colorretal.

Cyntia conta que fazia endoscopias com frequência por ser bariátrica desde 2007, mas o exame não constatou nenhuma alteração. Como lembra que não se sentia bem, achava que estava com gastrite, pediu ao médico para fazer o exame de colonoscopia. O resultado mostrou uma lesão de 5 centímetros no intestino grosso. “Quando vi o resultado, tive certeza que era câncer e devia procurar um especialista”, conta ela. A cirurgia para a retirada do tumor e dos linfonodos próximos afetados aconteceu alguns dias depois, no início de janeiro. “Foi tudo muito rápido. Acredito que um anjo da guarda me inspirou para pedir o exame certo a tempo”, avalia.

Cyntia faz exames de controle a cada seis meses. Em 2014, descobriu 8 micro nódulos nos pulmões, que são acompanhados para verificar o risco de evoluírem para outro câncer. “Toda vez que faço os exames de controle bate aquele medo de descobrir outro tumor, de ter que fazer quimioterapia. Por isso, tento me cuidar melhor agora”, garante.

Cada vez mais jovens - Ter mais de 50 anos, ser sedentário, obeso e ter má alimentação são algumas das características de quem está no grupo de risco para desenvolver câncer colorretal (tumores que acometem um segmento do intestino grosso - o cólon - e o reto).

Um levantamento feito pelo Hospital A.C. Camargo no período entre 2008 e 2015 apontou que 20% dos pacientes diagnosticados com câncer colorretal tem menos de 50 anos. A recomendação atual da SBCP é que pessoas sem histórico de câncer colorretal na família procurem o coloproctologista a partir dos 50 anos. A SBCP já estuda antecipar a recomendação para 45 anos. Se houver casos na família, esse acompanhamento deve ter início 10 anos antes da idade do diagnóstico familiar.

A tendência de diagnósticos da doença em pacientes mais jovens também se repete em outros países. Um estudo divulgado pela Sociedade Americana de Câncer revela que o número de casos de tumor está aumentando entre adultos jovens e de meia-idade, principalmente no reto — antes mais comum entre idosos. De cada dez pacientes diagnosticados com essa doença, três têm menos de 55 anos, o que fez a Sociedade Americana de Câncer reduzir, em junho deste ano, a idade recomendada para rastreamento do câncer colorretal de 50 para 45 anos para pessoas sem histórico na família de tumor ou pólipo no intestino.

Prevenção - O câncer colorretal é tratável e, na maioria dos casos, curável, ao ser detectado precocemente, quando ainda não se espalhou para outros órgãos. Grande parte desses tumores se inicia a partir de pólipos, lesões benignas que podem crescer na parede interna do intestino grosso. Uma maneira de prevenir o aparecimento dos tumores seria a detecção e a remoção dos pólipos antes de eles se tornarem malignos. Esses tumores podem ser detectados precocemente através de dois exames principais: pesquisa de sangue oculto nas fezes e endoscopias (colonoscopia ou retossigmoidoscopia).

Entre os sintomas mais comuns da doença está a alteração do hábito intestinal, por exemplo, cólicas, sangramento durante a defecação, afilamento das fezes, perda de peso e anemia. “Entretanto, o paciente também pode não apresentar sintoma nenhum, por isso o check-up é essencial e as chances de cura estão intimamente ligadas ao estágio da doença. Quanto mais precoce o estágio, maior será a chance de cura”, alerta a oncologista Paula Sampaio.

Entre os hábitos que podem influenciar no surgimento da doença estão uma dieta rica em carne vermelha e alimentos processados, obesidade, sedentarismo, tabagismo e consumo excessivo de álcool. Um estudo publicado no “British Medical Journal” indica que cada 5kg/m2 ganhos no índice de massa corporal representam um aumento de 9% no risco de desenvolver câncer colorretal entre homens. Para os especialistas, esta pode ser uma das explicações para o aumento da incidência da doença entre a população mais jovem. “A obesidade está relacionada ao desenvolvimento de vários tumores, em particular os cânceres do intestino”, ressalta Paula Sampaio. “Mas a obesidade não é uma causa em si, ela é consequência dos maus hábitos alimentares e do estilo de vida sedentário, que se tornou padrão nas últimas décadas”.

História prévia de pólipos e câncer colorretal (pessoal ou familiar), diabetes tipo 2 e doenças inflamatórias intestinais (colite ulcerativa e doença de Crohn) são fatores que podem aumentar o risco de aparecimento do câncer de cólon e reto.