Os pesquisadores, liderados por KathiJo
Jankowski, da Agência de Pesquisa Geológica dos Estados Unidos, analisaram o
que acontece com o fertilizante aplicado em plantios na Fazenda Tanguro, em
Mato Grosso, onde o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) coordena
trabalhos científicos em ecologia.
Quando até 80 quilos de nitrogênio por
hectare são aplicados em plantações de milho, a planta absorve o fertilizante
quase totalmente. Quando a quantidade é maior do que isso - 120, 160 e até 200
quilos de nitrogênio por hectare -, a produtividade não sobe e o excedente fica
estocado.
A intensificação da agricultura é uma
forma de evitar o desmatamento de novas áreas para a produção. Porém, seus
impactos ambientais ainda são pouco entendidos, entre eles os decorrentes do
uso de mais fertilizantes. O estudo agora publicado traz um pouco mais de
conhecimento sobre esse tema.
Os cientistas receiam que, quando o solo
saturar, esse nitrogênio atinja os corpos d’água da Amazônia, com consequências
ainda desconhecidas para a biodiversidade e o clima.
A preocupação tem razão de ser: nos
Estados Unidos, por exemplo, o uso excessivo de fertilizantes na bacia do
Mississipi derrubou a qualidade da água nessa região e criou uma zona morta
onde o rio desagua, no Golfo do México, que no ano passado atingiu mais de 22
mil quilômetros quadrados – a concentração de nitrogênio e fósforo é tão alta e
a taxa de oxigênio, tão baixa que a vida marinha é inviável ali.
Jankowski explica que há diferenças
entre a situação americana e a brasileira, como a forma e a quantidade de
nitrogênio aplicado na agricultura, assim como o tipo de solo. Contudo, há
semelhanças suficientes entre ambos os casos para levantar uma bandeira de
atenção, além de um fator determinante para manter a análise constante da
situação: o ineditismo de uma prática sendo aplicada num ritmo alto e de forma
extensiva por uma região muito grande.
“A conversão (da vegetação nativa) para
soja e milho fertilizados com nitrogênio é muito mais recente na Amazônia e no
Cerrado do que na bacia do Mississipi. A área de cultivo casado de soja e milho
cresceu mais de dez vezes em Mato Grosso desde 2001”, diz Jankowski.
O tipo de solo onde o estudo foi feito,
e que funcionou como uma “esponja” para o nitrogênio, é o latosolo
intemperizado, formado em locais quentes e úmidos. Ele é o mais comum na
transição entre Cerrado e Amazônia, onde a agricultura tem se intensificado nos
últimos anos. Em 2015, cerca de 2,3 milhões de hectares da soja da região (ou
68% do total cultivado) e 4,9 milhões do cultivo casado de soja e milho (80% do
total) estão nesse tipo de solo.
O pesquisador Christopher Neill, do
Centro de Pesquisa Woods Hole, que também participou do estudo, reforça que a
maior parte da monocultura da Amazônia tem se expandido sobre um tipo de solo
que, até agora, impediu que o excesso de nitrogênio se movesse para rios e
córregos. Mas isso não significa passe livre para o uso indiscriminado de
fertilizantes.
“Esse sistema de cultivo tem menos de 20
anos na região, e não conhecemos ainda qual é a capacidade de proteção do solo,
quanto tempo dura essa proteção ou que acontece se o índice de nitrogênio
acumulado for maior do que a capacidade de retenção”, diz o cientista. “Esses
resultados sugerem que é possível usar algum grau de fertilizantes na Amazônia,
mas essas são as perguntas críticas que determinarão a sustentabilidade
ambiental de um modelo mais intensivo de agricultura na região.”
No caso de a quantidade de nitrogênio
exceder a capacidade de retenção do solo, a manutenção de matas ciliares é
apontado pelos cientistas como fundamental para reduzir o risco de contaminação
de rios e córregos. A vegetação, no caso, pode servir como filtro.
Impacto climático
Outro fator ambiental que também
preocupa os cientistas é a emissão de óxido nitroso (N2O), um gás com um
potencial 300 vezes maior de piorar o efeito estufa do que o gás carbônico,
associado ao uso do fertilizante.
Pela medição dos cientistas, apenas 0,23%
da quantidade aplicada normalmente vira N2O, uma taxa muito menor do que a
observada globalmente. “A grande maioria do fertilizante é consumida pelo
milho, que deixa pouco para ser emitido como N2O”, conta Jankowski.
A preocupação vem da escala da produção:
extrapolando a medição, o uso do fertilizante nessa região pode equivaler de
8,8% a 14,7% das emissões diretas de N2O no Brasil.