Fim da picada - Plantas da Amazônia contra o veneno da Jararaca

Plantas da Amazônia no combate ao veneno da Jararaca - Foto Divulgalção

Com o objetivo de resgatar e preservar o conhecimento tradicional sobre o uso de plantas medicinais em acidentes com serpentes na Amazônia, a bióloga Valéria Mourão iniciou sua pesquisa de mestrado em 2010 na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), sob a orientação da professora doutora Rosa Helena Mourão, do Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais da Amazônia (PPGRNA). O grupo decidiu investigar as plantas utilizadas em algumas comunidades na área do município de Santarém, no Pará, para tratar o envenenamento por cobras.

Em todo o mundo, os acidentes ofídicos afetam cerca de 420 mil pessoas por ano, chegando a 20 mil casos de morte. No Brasil, a maioria dos acidentes desse tipo notificados ao Ministério da Saúde ocorre na região Norte, sendo o Pará o estado com maior número de registros. Dentre os municípios paraenses, Santarém tem o maior número de notificações, com uma média de 300 acidentes por ano. Apesar do número expressivo de casos, Valéria verificou que ainda eram poucos os estudos científicos abordando acidentes com cobras na área de Santarém.

O tratamento preconizado pelo Ministério da Saúde para o envenenamento por serpentes é a aplicação de soro antiofídico. Na região Oeste do Pará, o atendimento médico costuma ser realizado no Hospital Municipal de Santarém. Mas esse tipo de acidente ocorre com maior frequência na zona rural e o deslocamento até a área urbana do município nem sempre é fácil ou rápido. “Muitas vezes os pacientes demoram até conseguir receber o tratamento específico. Isso pode levar ao aumento do número de complicações nos casos”, explica Valéria. É aí que entram as plantas medicinais, de fácil e rápida obtenção. “As plantas são usadas como coadjuvantes à soroterapia ou como medicamento alternativo aplicado na falta de recursos soroterápicos”, destaca.

Em seu projeto, Valéria testou o potencial antiofídico das plantas frente ao veneno de serpentes do gênero Bothrops (Bothrops atrox e Bothrops jararaca), popularmente conhecidas como “jararacas”. Esse gênero foi escolhido porque até 95% dos acidentes ofídicos na região de Santarém são atribuídos a Bothrops. O envenenamento por este tipo de cobra causa reações locais como edema, dor, hemorragia, necrose e mionecrose (um tipo grave de gangrena, com necrose do músculo). Dependendo da gravidade, o acidente pode levar também a reações sistêmicas, principalmente problemas de coagulação sanguínea e hemorragia mais severa.


                            Valéria é doutoranda em Biotecnologia pela UFAM

Todas as 12 espécies testadas reduziram, em diferentes porcentagens, a atividade hemorrágica induzida pelo veneno, mas os chás preparados com extratos de cinco espécies (Bellucia dichotoma, Connarus favosus, Plathymenia reticulata, Aniba fragrans e Philodendron megalophyllum) se mostraram mais eficazes e inibiram 100% da atividade hemorrágica, utilizando o protocolo de pré-incubação. “Fiz um projeto muito grande no mestrado, pois acreditava que conseguiria, naquele curto espaço de tempo, dar um retorno da pesquisa para as comunidades. Como dois anos não foram suficientes, ingressei no doutorado em 2012 e resolvi focar meu trabalho em uma única espécie (Bellucia dichotoma), para fazer um estudo mais aprofundado”, enfatiza Valéria.

Ainda segundo a docente, alguns alunos dos cursos de Farmácia e Biotecnologia da Ufopa estão complementando os estudos do projeto, com o objetivo de melhorar os preparos e garantir o controle de qualidade dos extratos vegetais. Além de avaliar a caracterização química e outras atividades biológicas, a equipe tem desenvolvido formulações, que deverão ser testadas primeiramente em animais. “Estamos elaborando um kit com um fitoextrator/percolador para o preparo de extratos em oficinas nas comunidades, como uma forma de fazer com que a população compreenda a importância do estudo científico aliado ao conhecimento popular”, avalia Rosa Mourão.
Atualmente, o grupo do qual Valéria participa é o único dos estados do Pará e do Amazonas que pesquisa plantas antiofídicas. Os interessados em contribuir para a continuidade da pesquisa podem acessar a página http://www.kickante.com.br/campanhas/plantas-da-amazonia-contra-o-veneno-de-jararaca.

*Colaboração Ascom/Ufopa