Nesta terça-feira, 23,
ocorre o segundo julgamento do fazendeiro José Décio Barroso Nunes, o Delsão,
acusado de ser o mandante do assassinato do sindicalista José Dutra da Costa, o
Dezinho. O crime aconteceu em Rondon do Pará em novembro de 2000. Neste próximo
julgamento, quase 20 anos após o crime, os familiares de Dezinho e as entidades
de Direitos Humanos que acompanham o caso decidiram não participar do
julgamento de Delsão por entenderem que não existirão condições mínimas para
que seja feita JUSTIÇA. Confira a Nota Pública das organizações:
Está marcado para
amanhã, dia 23 (terça feira), o segundo julgamento do fazendeiro José Décio
Barroso Nunes, o Delsão, acusado de ser o mandante do assassinato do
sindicalista José Dutra da Costa, o Dezinho, crime ocorrido em Rondon do Pará
no dia 21 de novembro de 2000. O julgamento ocorrerá em Belém devido o processo
ter sido desaforado para a comarca da capital. Delsão foi condenado em
julgamento ocorrido em Belém em 30 de abril de 2014 a uma pena de 12 anos de
prisão, no entanto, atendendo a recurso da defesa de Delsão, o TJPA anulou o
julgamento.
Ao longo desses 18
anos, os familiares do sindicalista, com apoio da FETAGRI e de entidades de
defesa dos direitos humanos (CPT, SDDH, Terra de Direitos e Justiça Global),
concentraram todos os esforços para que todos os acusados pelo assassinato do
sindicalista fossem identificados e punidos, mas, forças contrárias que atuam
dentro de governo do Estado, do Ministério Público e do Poder Judiciário têm
impedido que isso aconteça.
A tramitação do
processo sempre foi marcada por situações nebulosas e mal explicadas que
favoreceram o poderoso madeireiro e fazendeiro Delsão. Quando foi preso em 30
de novembro de 2000, Delsão passou apenas 14 dias na prisão, pois foi
beneficiado por uma liminar do então desembargador Otávio Maciel, numa situação
inusitada. Quando os advogados de Delsão ingressaram com o pedido, o HC foi
distribuído para a desembargadora Yvone Santiago. Sabendo da firmeza da
desembargadora, estranhamente, os advogados desistiram daquele HC e protocolaram
um segundo HC que desta vez foi distribuído para o então desembargador Otávio
Maciel. O desembargador, contrariando a
sistemática do Tribunal, deferiu de imediato o pedido de liminar sem solicitar
informações da juíza de Rondon que tinha decretado a prisão preventiva do
fazendeiro. Graças a esse artifício, Delsão foi colocado em liberdade apenas 14
dias após ter sido preso.
Na conclusão da
instrução do processo, a então promotora Lucinere Helena, que respondia
temporariamente pelo MP em Rondon, requereu a impronúncia de Delsão. O então
juiz da Comarca, Haroldo da Fonseca, impronunciou o poderoso fazendeiro.
Inconformada, a assistência de acusação ingressou com recurso e o Tribunal de
Justiça do Pará cassou a decisão do juiz e determinou que o fazendeiro fosse
julgado pelo tribunal do Júri.
Com o desaforamento do
processo da comarca de Rondon para a comarca de Belém, foi então marcado o
julgamento para o dia 29 de abril de 2014. Mais uma vez fomos surpreendidos
pela decisão dos promotores que atuam no tribunal do Júri da capital de se
negarem a fazer a acusação do fazendeiro no julgamento. Após as sucessivas e
injustificáveis recusas, o promotor que concordou em assumir o processo era da
área cível e a definição só ocorreu 15 dias antes do julgamento, na véspera de
um feriadão. Um processo complexo, com quase 4 mil páginas.
Ainda assim a acusação
teve êxito, e os jurados, por 4 votos a 3, decidiram pela condenação do
fazendeiro. Na leitura da sentença, o juiz, mais uma vez, surpreendeu e
indignou a todos os presentes: a condenação foi por homicídio duplamente
qualificado, o qual a pena mínima é de 12 anos e máxima de 30 anos.
Inexplicavelmente, o juiz definiu a pena em 12 anos e ignorou as
qualificadoras. O pistoleiro Welington, autor do crime, teve sua pena fixada
pelo mesmo juiz em 29 anos de prisão. Ao final do julgamento, o juiz ainda
afrontou, em tom de ameaça, o advogado assistente de acusação Fernando Prioste.
O pistoleiros
Welington, condenado a 29 anos de prisão, meses após a condenação foi autorizado
a passar um feriado de final de ano em casa e nunca mais retornou para cumprir
a pena. Os intermediários do crime Igoismar Mariano e Rogério Dias tiveram suas
prisões decretadas, mas nunca houve interesse da polícia em prendê-los. Dois
outros acusados de terem participação no crime (intermediário e mandante) foram
julgados mas foram absolvidos.
Durante as
investigações da morte de Dezinho, foram abertos outros 04 inquéritos para
apurar a participação de Delsão no assassinato de 05 trabalhadores de suas
serrarias. Nenhum desses inquéritos foi concluído. A testemunha de acusação,
Magno Fernandes, que ajudou a dominar o pistoleiro no dia do crime foi
assassinado no dia 10/09/2002 e ninguém foi punido pelo crime. Em 07/02/2004,
foi assassinado Ribamar Francisco dos Santos, então presidente do STR de Rondon
e ninguém sequer foi identificado como autor ou mandante do crime.
Delsão é um fazendeiro
poderoso e violento, possui cerca de 130 mil hectares de terra em Rondon, quase
totalidade em terra pública federal e estadual. Até hoje nunca foi incomodado
pelo INCRA, ITERPA ou Terra Legal sobre essas propriedades. Responde a mais de
30 embargos do IBAMA por crimes ambientais praticados em suas fazendas.
Responde a mais de 500 processos na Justiça do Trabalho por desrespeito aos
direitos trabalhistas dos funcionários de suas serrarias e fazendas. Responde
ainda a mais de uma dezena de execuções fiscais já Justiça Federal de Marabá.
Talvez por isso, a Justiça do Pará tenha sido tão omissa em sua punição como
mandante da morte do sindicalista Dezinho.
Mesmo diante das
provas, desse quadro de impunidade, da condenação de Delsão pelo Júri de Belém,
uma das turmas de desembargadores do TJE Pará anulou a sentença condenatória, e
determinou que houvesse outro julgamento. Esta decisão, diante de tudo o
que contém o processo, é uma decisão
absurda e altamente questionável, tanto que vamos contestar a postura do TJE-PA
nas instâncias internacionais como OEA e ONU.
Frente a esse quadro,
os trabalhadores rurais de Rondon representados pela FETAGRI, os familiares de
Dezinho e as entidades de Direitos Humanos que acompanham o caso, decidiram não
participar do segundo julgamento de Delsão, marcado para amanhã, dia 23, em
Belém. Entendem as entidades e os trabalhadores que não existirão condições
mínimas para que seja feita JUSTIÇA durante o julgamento.