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Abandono do Ver-O-Peso e preocupação com a falta de participação nos projetos de reforma. Fotos: Helena Palmquist/Ascom/MPF-PA |
Desde 2016, o Ministério Público Federal (MPF) acompanha com preocupação um
projeto de reforma do Ver-o-Peso, apresentado pela prefeitura de Belém sem consulta aos
feirantes, aos moradores da cidade ou aos órgãos que cuidam do patrimônio
cultural brasileiro. Obrigada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan) a fazer adequações no projeto, a prefeitura
recentemente anunciou que vai iniciar as obras em breve.
Em reunião com os feirantes no último
dia 9, a procuradora da República Nathalia Mariel recolheu relatos sobre o
abandono do Ver-O-Peso desde que a proposta inicial de reforma feita pela
prefeitura foi rejeitada. “Nós carregamos esse complexo no braço. As pessoas
chegam aqui para visitar e se decepcionam com as condições em que estamos
trabalhando. O Ver-O-Peso não aguenta mais um inverno”, disse Didi Rendeiro,
uma das lideranças mais conhecidas dos trabalhadores da feira. A avaliação dos
feirantes, boieiras, erveiras, peixeiros e demais trabalhadores presentes na
reunião é de que, depois das reivindicações de participação no projeto da
reforma, a prefeitura de Belém deixou de fazer manutenção no complexo, levando
a feira inteira a uma situação de abandono e perigo.
Os feirantes dizem que a situação
precária da feira, com a falta de manutenção na fiação elétrica, nos
encanamentos, piso, cobertura, já causou acidentes e provoca perdas financeiras
cotidianas. Calculam em 30% a queda nas vendas provocada diretamente pelo
estado de abandono. Frequentadores têm abandonado o Ver-O-Peso, preferindo
comprar em supermercados, para evitar a precariedade a que o local foi
relegado.
Eles também denunciam que, apesar de já
ter sido feita audiência e consulta pública em 2016, com várias recomendações
do MPF e do Iphan nesse sentido, o projeto de reforma continua sendo conduzido
sem nenhuma participação dos maiores interessados, os trabalhadores do
complexo. Eles dizem não saber até hoje, por exemplo, de que tamanho os boxes
vão ficar depois das obras. Também não sabem se foram feitos estudos sobre o
comportamento das marés, dos ventos e da chuva, cruciais porque o Ver-O-Peso
fica às margens da baía de Guajará e recebe grande parte dos produtos que vêm
das ilhas por barco. Um dos questionamentos mais repetidos trata de como vai
ficar o funcionamento do complexo durante as reformas que, segundo a
prefeitura, deve durar 18 meses.
O impacto de uma paralisação total das
atividades no Ver-O-Peso pode se espalhar por várias categorias de trabalhadores
que dependem da feira, desde taxistas, donos de mercados, mercearias e
restaurantes, até os fornecedores de açaí, farinha, castanha, pescado, que vêm
de áreas ribeirinhas e rurais diariamente escoar seus produtos. Para o MPF,
independente da definição que se adote para o complexo, cada comunidade ou
grupo de trabalhadores que vive da feira precisa ser ouvido antes de qualquer
definição sobre a reforma.
Às dúvidas dos feirantes se somam as
dúvidas dos Amigos do Ver-O-Peso, um coletivo formado por moradores de Belém
que frequentam assiduamente a feira e se preocupam com a falta de participação
social. Eles pediram a reunião com o MPF e apresentaram questionamentos sobre
pontos do projeto que, apesar de não terem sido discutidos com feirantes e usuários,
foram apresentados ao Iphan, como a proposta de rebaixar o piso da feira, o que
pode intensificar os alagamentos no período de chuvas e maré cheia. “Como vão
ser administrados os estacionamentos e os banheiros, que são cruciais para o
funcionamento do complexo? Qual o objetivo da reforma do Solar da Beira, que
integra o complexo da feira? O que vai ser feito com a Feira do Açaí?”, foram
algumas das questões apresentadas durante a reunião.
Espaços ociosos – Enquanto a reforma é
objeto de controvérsia e dúvida e a manutenção dos espaços do complexo do
Ver-O-Peso é negligenciada, espaços já reformados em outras obras financiadas
com verbas públicas, como o Mercado de Carne e o Mercado de Peixe, são
subutilizados. Após a reunião no dia 9, a procuradora da República Nathalia
Mariel e a equipe do MPF visitaram o piso superior do Mercado de Carne,
reformado em 2015 e que permanece até hoje com grande parte de suas salas
fechadas, sem nenhum aproveitamento.
Em documento enviado ao MPF em dezembro
de 2018, várias associações de trabalhadores do Ver-O-Peso denunciaram a
prefeitura de Belém e a Secretaria de Economia do município por negar as salas
do Mercado de Carne para utilização pelos feirantes. Eles afirmam ter proposto
a criação de uma creche para os permissionários da feira, que foi recusada pela
administração municipal. Também denunciaram ter solicitado uma das salas para
abrigar um museu, com objetos e documentos antigos que guardam precariamente,
pedido igualmente recusado.
No documento, as diversas associações
que representam os feirantes afirmaram que as recusas da prefeitura e o
abandono dos espaços do Ver-O-Peso tinham o caráter de retaliação contra o
movimento deles de reivindicar participação no projeto de reforma. “As
retaliações têm que ser encerradas. A grande vitalidade, a força da Feira do
Ver-O-Peso, vem dos trabalhadores que levam a vida nessa feira, que criam seus
filhos na feira e da feira alimentam não só as suas famílias como a cidade de
Belém, movimentando por dia, segundo dados do Dieese, divulgados em 2017, R$ 1
milhão por dia”, diz a carta. Em resposta às reivindicações dos trabalhadores e
usuários do Ver-O-Peso, o MPF deve promover nova audiência pública sobre o
projeto de reforma da feira, em data ainda por ser definida.
Ver-O-Peso em números
Segundo dados divulgados em 2017 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o comércio do Ver-O-Peso movimenta R$ 1 milhão por dia, oriundos das relações comerciais com as 50 mil pessoas que circulam pela feira diariamente.
A pesquisa indica que num período de 24
horas são comercializados entre 4 e 5 mil quilos de farinha de mandioca e de 12 a 15
toneladas de peixe por dia no mercado - uma fatia considerável das cerca de 80
toneladas de pescado vendidas em toda a capital paraense. Por mês são vendidos
30 toneladas de hortaliças, legumes e produtos de granjas. Na avaliação anual
os números são também impressionantes, 100 toneladas de pescado, 30 de açaí.