É a mais de 40 metros de altura que o
professor Edson Vargas Lopes, da Ufopa, desenvolve uma de suas pesquisas na
Floresta Nacional (Flona) do Tapajós, em Belterra. Do alto de duas torres de
plataforma instaladas pelo Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na
Amazônia (LBA) na Flona, ele observa aves que habitam, preferencial ou
exclusivamente, o dossel da floresta Amazônica.
Dossel é a camada da copa das árvores.
Apesar de ser um dos estratos mais ricos em biodiversidade nas florestas
tropicais, o dossel é um compartimento muito pouco conhecido pelos
pesquisadores, principalmente pela dificuldade de acesso para coleta de dados.
"Então, quando conseguimos uma oportunidade, concentramos esforços, porque
são poucos locais disponíveis. Em toda a Amazônia tem uns dez locais em que
você consegue acessar regularmente, com facilidade, o dossel da floresta",
explica Lopes.
Na Flona Tapajós, o dossel tem cerca de
45 metros de altura, com emergentes alcançando até 50 metros de altura ou mais.
Algumas espécies regionais, como a castanheira, a maçaranduba e a sucupira, por
exemplo, podem ultrapassar o dossel. "Tem espécies animais que só
encontramos no dossel. Lá em cima temos alguns grandes gaviões, tucanos e seus
parentes, e muitos passarinhos coloridos. Tem muitas cotingas e anambés também,
que são aves que se alimentam de frutas e ajudam na regeneração natural da
floresta. Para a gente é muito importante documentar a ocorrência e a
abundância destes bichos. São aves muito belas e coloridas, porém discretas, o que
torna difícil percebermos a presença delas só pela voz, é uma voz bem
baixinha", detalha o professor.
Um dos objetivos do trabalho do docente,
destaque na recente reportagem especial exibida no programa Globo Repórter, é
caracterizar a comunidade de aves que habita o dossel florestal na Flona. O
monitoramento das aves é feito a partir das duas torres de plataforma do
Programa LBA, uma de 45 metros de altura, situada no quilômetro 67 da rodovia
BR-163, que margeia a Flona, e outra com 40 metros de altura, localizada no
quilômetro 83. "Tem muitas aves que vivem no dossel e que você consegue
evidenciá-las a partir do chão, como as araras, bichos que gritam alto. Mas tem
muitos bichos pequenos, silenciosos, que você só consegue ver lá de cima mesmo.
Já registrei lá o menor passeriforme do mundo, o caçula (Myiornis ecaudatus).
Ele tem menos de 5 gramas de peso e 6,5cm de comprimento, maior apenas que
alguns beija-flores. Como vou ver um bicho desses lá do chão da floresta? A voz
dele é igual à de um grilo, os ruídos da floresta dificultam ouvir um bicho
assim lá de baixo", esclarece.
Para fazer o inventário das aves, o
pesquisador sobe às torres para observação uma vez por mês. O dia começa cedo.
Ele precisa estar lá antes que o sol nasça, por volta das seis da manhã. Até o
momento, já foram identificadas cerca de 130 espécies. Em média, a Flona abriga
um total de 400 espécies de aves. "Registrar um terço do total de espécies
a partir de um único ponto é bem representativo. Registramos, inclusive, duas
ou três espécies que a gente não tinha registro delas na região, como por
exemplo a araponga-do-horto (Oxyruncuscristatus), um bicho discreto, que pode
passar despercebido. Com esse registro, aumentamos a distribuição geográfica
dele em centenas de quilômetros", destaca.
A observação também permite identificar
a sazonalidade de algumas espécies. "Estamos vendo como as aves se
comportam ao longo das estações do ano. Temos a presença de espécies migrantes,
que só passam aqui uma determinada época do ano. Fora isso, temos também o
deslocamento das aves que se alimentam principalmente de frutos, por exemplo.
Conforme a frutificação vai mudando de lugar, elas vão acompanhando. Isso
também faz com que a abundância deles ao longo do ano mude um pouco",
informa o pesquisador.
A partir das torres, ainda é possível
relacionar as comunidades de aves e sua dinâmica sazonal a parâmetros
abióticos, como pluviosidade, temperatura e umidade relativa do ar. Esses dados
são coletados diariamente pelo programa LBA. "Pretendo analisar a
influência desses fatores no número de espécies que eu vejo em determinado dia.
Qual a influência da umidade, da pluviosidade, da temperatura? Em dias mais
quentes eu vejo mais bichos? Em dias mais chuvosos eu vejo menos? Pretendo
explorar isso também", ressalta.
O registro das aves inclui, além de
fotografias, a gravação do som que elas emitem. "A voz da ave é como uma
digital", avalia Edson. Os registros fotográficos deverão compor um guia
com a identificação e informações sobre a biologia das espécies típicas do
dossel. "Queremos divulgar o conhecimento. O guia não terá custo e
queremos distribuí-lo ao maior número de pessoas possível", acrescenta o
docente.
Outro objetivo da pesquisa é colaborar
para o fomento do ecoturismo na Flona através do birdwatching, como é conhecida
internacionalmente a observação de aves. Muito praticada no hemisfério Norte,
onde conta com mais de 100 milhões de adeptos, a atividade vem ganhando cada
vez mais praticantes no Brasil, considerado um dos países com maior diversidade
de aves no mundo. Tamanha riqueza atrai os olhares e as lentes de birdwatchers
ao redor do globo.
Edson vê Santarém como um local de
grande potencial para o turismo de observação de aves. "Além das
florestas, temos ambientes diferentes aqui, áreas de savana, ambientes
aquáticos de vários tipos, como várzea, igapós e lagos. Cada ambiente desses tem
espécies diferentes. Isso é muito atrativo para o turista observador de
aves", enfatiza.
Nesse sentido, no âmbito do projeto de
pesquisa, foi realizado um minicurso de capacitação para guias de ecoturismo
que moram nas comunidades tradicionais da Flona Tapajós. O curso sobre
observação de aves, realizado na comunidade de Maguari, foi composto de partes
teórica e prática. "Continuo capacitando os comunitários que participaram,
porque só as vinte horas do curso não seriam suficientes para uma capacitação sobre
o tema. Assim, a cada dois meses vou na Flona, nas trilhas onde eles já
costumam guiar turistas, e juntos fazemos uma atividade de observação de aves.
Esse tipo de turismo é muito promissor, mas exige um conhecimento bem
aprofundado sobre o tema, então continuo batalhando com eles", reforça.
O mesmo minicurso está previsto para ser
ministrado em junho deste ano, desta vez na região sul da Flona, área que ainda
não conta com turismo tão desenvolvido quanto nas comunidades de Maguari e
Jamaraquá. "Estamos tentando alavancar o turismo de observação de aves
nessa região para que eles tenham uma fonte de renda a mais. É uma atividade
muito rentável, porque o turismo de observação de aves costuma ser mais caro
que alguns outros tipos de turismo. Um bom guia, por exemplo, pode receber R$
200,00 ou R$ 300,00 por um dia de trabalho", informa. Em curso há dois
anos, o estudo do professor deve continuar, com a intenção de que se torne um
monitoramento de longo prazo.