O Ministério Público do Trabalho (MPT)
ajuizou, no dia 8 de novembro de 2021, ações contra as empresas 99, Uber, Rappi
e Lalamove solicitando que o Poder Judiciário reconheça o vínculo de emprego
com os motoristas e os entregadores de mercadorias. O MPT pretende o
reconhecimento da relação estabelecida entre o trabalhador e a plataforma
digital, com a garantia de direitos sociais trabalhistas, securitários e
previdenciários. Requer, ainda, a melhoria das condições de saúde e segurança
do trabalho nas atividades desenvolvidas por trabalhadores contratados por
plataformas digitais, de forma a reduzir a precarização das relações
trabalhistas.
No total, 625 procedimentos já foram
instaurados contra 14 empresas de aplicativos: Uber (230), iFood (94), Rappi
(93), 99 Tecnologia (79), Loggi (50 procedimentos), Cabify (24), Parafuzo (14),
Shippify (12), Wappa (9), Lalamove (6), Ixia (4), Projeto A TI (4), Delivery
(4) e Levoo (2).
Para o procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, o mundo do trabalho é dinâmico, como toda a sociedade, e precisa se adaptar. “Essa adaptação, no entanto, não pode significar precarização do direito do trabalhador. É preciso que o Estado elabore regras específicas para esse tipo de trabalho e que os direitos garantidos na Constituição de 1988 cheguem aos trabalhadores”, explica Lima. Para ele, há uma relação de trabalho, não convencional, com vínculo empregatício, na maioria dos casos. A competência para apreciar as demandas seria, portanto, da Justiça do Trabalho, que deve assegurar a observância da legislação trabalhista.
O titular da Coordenadoria Nacional de
Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret), Tadeu Henrique Lopes da
Cunha, diz que o comportamento das plataformas digitais frente ao Poder
Judiciário revelou a existência de um contexto de atuação de defesa com base na
jurimetria, com a intenção de dificultar o revolvimento da matéria pelo Poder
Judiciário, construindo um posicionamento jurisprudencial a seu favor, mediante
proposição de acordos manipulatórios da jurisprudência.
Ocorre que a jurimetria fortalece a postura das empresas de proporem acordos aos trabalhadores, em condições economicamente favoráveis a eles, sem o reconhecimento do vínculo de emprego. As decisões favoráveis estratégicas às empresas formam jurisprudência e as potencialmente desfavoráveis, em alguma das fases de tramitação processual, são substituídas por acordos homologados judicialmente e sem o reconhecimento do vínculo de emprego, impossibilitando a formação de divergência jurisprudencial.
Os pedidos
O Ministério Público do Trabalho requer
a declaração da relação jurídica de emprego entre as empresas de aplicativo de
transporte de passageiros e de mercadorias e seus motoristas, que prestam
serviços de transporte de passageiros e mercadorias através de seu aplicativo;
a condenação das empresas para registrar imediatamente seus motoristas,
independentemente de local de residência e da inscrição como microempreendedor
individual (MEI), em carteira de trabalho, sob pena de multa de R$ 10 mil por
trabalhador encontrado em situação irregular, a cada constatação; a condenação
das empresas para se abster de contratar ou manter motoristas, contratados como
autônomos ou microempreendedores individuais, por meio de contratos de
prestação de serviço, de parceria ou qualquer outra forma de contratação civil
ou comercial, quando presentes os requisitos da relação de emprego, sob pena de
multa de R$ 10 mil, por cada trabalhador encontrado em situação irregular, a
cada constatação; a condenação das empresas a pagar indenização, a título de
reparação pelos danos causados por suas condutas ilegais aos direitos difusos e
coletivos dos trabalhadores coletivamente considerados, por dumping social e
lesão ao erário, de valor não inferior a 1% do faturamento bruto do último exercício
anterior ao ajuizamento da ação. Todos os valores deverão ser revertidos ao
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
“O controle da jornada de trabalho é fundamental. Se o motoboy ficar 20 horas na rua, irá morrer, pois o trânsito é o nosso meio ambiente de trabalho”. A reflexão é de Gilberto Almeida dos Santos, o Gil, presidente do Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxista Intermunicipal do Estado de São Paulo (SindimotoSP). Tem 42 anos. É motoboy, com carteira assinada, há 17 anos e sindicalista há 14. “Já nasci sindicalista”, diz.
Ele está há bastante tempo na rua, como
clandestino e como trabalhador com vínculo empregatício. Tem 25 anos de rua.
Está no sindicato desde 2008. Para ele, os direitos dos mototaxistas são os
direitos básicos de qualquer trabalhador. Direito de acesso à previdência
social, férias, 13º salário, adicional de periculosidade e controle rígido da
jornada de trabalho. “Semelhante a todas as categorias de trabalhadores.
Para o SindMoto/SP, a relação entre trabalhadores e plataformas de aplicativos é de vínculo empregatício. O sistema criado pelas empresas descaracteriza este vínculo e, a cada dia, isso está mais claro. “Acabamos trabalhando em dobro para poder podermos receber, no final do mês, o que você ganhava antes. São 15 horas a 16 horas de trabalho diários, sem folga semanal, para ganhar o piso da categoria (hoje estipulado em R$ 2.712,00)”.
Para Gil, o futuro dessa relação passa pelo reconhecimento do vínculo de emprego. “Não consigo enxergar outra forma a não ser através do estabelecimento formal dos vínculos tradicionais de trabalho e emprego. As empresas vendem a tese de que os trabalhadores são autônomos, que serão donos do negócio e do próprio tempo, mas os trabalhadores são clandestinos, pois a rotina é similar à do casamento cansado. Ele é um trabalhador enganado e clandestino. Ele não é MEI, não é autônomo.”
Gilberto Almeida dos Santos está disponível para falar com a imprensa por meio do WhatsApp (11) 98517-0826.
Na pandemia
Os entregadores de mercadorias permaneceram trabalhando durante a pandemia, sem as condições necessárias para protegerem sua saúde e a de terceiros. Tornaram-se, assim, muito vulneráveis ao vírus e suscetíveis de impulsionarem a transmissão comunitária.
O MPT confirmou que as empresas de aplicativos não forneceram, de forma suficiente, insumos para higienização das mãos e máscaras de proteção. Tampouco ofereceram apoio financeiro de forma a permitir o isolamento necessário dos trabalhadores integrantes dos grupos de risco ou daqueles que se contaminaram, em prejuízo aos trabalhadores e à sociedade consumidora.
Durante a pandemia, o ajuizamento de novas ações civis públicas exigiram judicialmente das empresas uma mudança de postura que assegurasse condições mínimas de trabalho à categoria. Ações na Justiça do Trabalho em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Fortaleza foram propostas e as investigações contra as empresas de entregas de mercadorias por aplicativos prosseguiram. No total, 12 ACPs foram propostas.