A Justiça Federal em Santarém, no
Pará, encaminhou à sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), em Brasília, proposta de acordo que prevê um cronograma para a
regularização fundiária e ambiental de assentamentos do oeste do estado. Assim
que receber oficialmente o documento, a presidência do Incra terá 120 dias para
apresentar uma resposta. Caso a proposta seja aceita e o acordo seja homologado
pela Justiça, 18 assentamentos poderão ser desinterditados imediatamente e,
desde que comprovada a viabilidade técnica e ambiental para a reforma agrária,
haverá a possibilidade de desinterdição de outras 43 áreas.
Para possibilitar que essas áreas
sejam liberadas para uso, o Incra deve comprometer-se a providenciar a
regularização fundiária e ambiental dos assentamentos, além de investir na
implementação e desenvolvimento desses projetos. Um relatório de acompanhamento
dessas iniciativas deverá ser enviado ao Ministério Público Federal (MPF) a cada
180 dias.
Elaborada pelo MPF, Ministério
Público do Estado do Pará (MPPA) e pela superintendência regional do Incra no
oeste do estado, a SR-30, a proposta de acordo, se aceita, suspende processo
judicial iniciado em 2007 a partir de ação do MPF que denunciou irregularidades
na implementação de 106 projetos de assentamento na região.
"O acordo é resultado de
várias dezenas de reuniões envolvendo os órgãos acordantes, movimentos sociais
e, em determinada ocasião, a Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo,
e garante a realização de diligências essenciais à liberação dessas áreas para
a implementação da política de reforma agrária no oeste do estado com segurança
fundiária e ambiental", destaca o procurador da República Camões
Boaventura, que representou o MPF nas negociações.
Situação dos assentamentos –
Ainda em 2007 a Justiça Federal acatou os pedidos urgentes do MPF e suspendeu
os projetos de assentamento. Desses, apenas 24 puderam ser utilizados para
reforma agrária após 2011, quando o Incra provou para a Justiça que as irregularidades
foram corrigidas.
Outros 18 podem ser liberados
para a utilização por famílias beneficiárias da reforma agrária após a
assinatura do acordo e homologação pela Justiça Federal porque não dependem de
avaliação técnica da viabilidade ambiental e produtiva das áreas.
Para as 43 áreas cuja liberação
depende da avaliação de viabilidade, o prazo para a revisão administrativa dos
procedimentos de criação desses assentamentos será de um ano contado da
homologação do acordo.
Outros 21 assentamentos já foram
avaliados e considerados pelo Incra inviáveis do ponto de vista técnico ou
ambiental.
Entenda o caso - Entre 2005 e
2007, 6% dos assentados de todo o país foram registrados no Incra de Santarém:
51,7 mil famílias apareceram nos números anunciados pelo governo como
beneficiários da reforma agrária nos 25 municípios sob jurisdição da SR-30.
Isso significa que em apenas dois
anos a superintendência regional assentou 61% das famílias assentadas em toda a
história da reforma agrária no oeste paraense, desde que foi estabelecido o
primeiro assentamento na região, em 1927.
Para o MPF, a velocidade de
criação de assentamentos impossibilitou a adequada seleção das famílias
beneficiárias. "A inserção atabalhoada dos dados acarretou o cadastro de
beneficiários incompatíveis com perfil da agricultura familiar. Adicione-se a
tais fatos a ausência de uma estrutura de fiscalização compatível com o
gigantismo dos números de famílias assentadas e teremos a receita do desastre
na gestão de recursos públicos. Como verificar no campo a efetiva aplicação dos
recursos destinados às famílias ou mesmo a sua real existência se o número de
servidores é incompatível com o número de famílias beneficiadas?",
questionou o MPF na ação.
De acordo com as investigações do
MPF, os projetos de reforma agrária criados pelo Incra na região nesse período
se localizavam preferencialmente em áreas de mata virgem, evitando regiões já
alteradas pela ação humana, o que significou o assentamento – evidentemente
fictício – de famílias em porções completamente inacessíveis da floresta
amazônica.
A explicação para isso,
registrada em farta documentação apreendida pelos procuradores da República, é
a ingerência do setor madeireiro no processo de criação dos assentamentos. Mais
de 2 milhões de hectares foram destinados ao setor privado dessa forma.
"Esta área se destinava à
implantação de 43 Projetos de Desenvolvimento Sustentável em área de floresta
primária. Em termos econômicos, área de elevado potencial madeireiro",
alertava a ação.
O MPF chegou a calcular o
potencial econômico dos assentamentos que na verdade serviriam para a
exploração madeireira, calculando a área total manejável dos PDS criados na
região. "Teríamos a gigantesca cifra mais de R$ 11,5 bilhões a serem
transferidos para a iniciativa privada mediante a cessão praticamente gratuita
de terras públicas à indústria madeireira".