A troca de ovos da Páscoa se
repete neste domingo ao redor do mundo. A milenar arte criada para simbolizar a
fertilidade e o renascimento da vida foi ganhando contornos diversos ao longo
do tempo, até virar objeto de desejo graças ao sabor sedutor do chocolate.
Nesse momento de celebração, uma curiosidade pode passar despercebida da
maioria: sai do Pará grande parte do cacau que abastece a indústria responsável
por fazer dessa data uma das mais importantes para a economia. Maior produtor
do Brasil, o Estado agora avança para o próximo passo da cadeira, a
verticalização.
O Pará produziu, em 2016, 117 mil
toneladas de cacau, superando a produção da Bahia, até então o maior produtor
nacional. Espécie nativa da Amazônia, o fruto hoje é encontrado em diversas regiões
do estado, entre elas o sudeste paraense, onde municípios como Tucumã e São
Félix do Xingu se mostram como terrenos férteis para o afloramento da produção,
pelas condições naturais e a organização das cooperativas de agricultores. É no
sudoeste, entretanto, que fica o pólo de produção não apenas do Brasil, mas do
mundo. A região sob influência da Rodovia BR-230, conhecida como
Transamazônica, é o grande expoente em produtividade e área plantada, com
destaque para Medicilândia, distante cerca de 900 quilômetros de Belém.
A implantação de programas
específicos, com aumento significativo nos investimentos, foi determinante para
que o Estado tomasse a dianteira no ranking da produção nacional. O Fundo de
Apoio à Cacauicultura do Pará (Funcacau) foi o maior deles. Depois de completar
dez anos, no fim do ano passado, o Funcacau foi renovado por igual período,
graças aos avanços que possibilitou. Hoje o Estado tem a maior produtividade do
mundo, com 911 quilos por hectare, enquanto a média nacional é de 500 quilos
por hectare e a da Bahia, segundo maior produtor, a metade disso.
Aliado ao programa de incentivos
do Estado está o trabalho da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira
(Ceplac), maior detentora do conhecimento técnico-científico sobre o cacau no
País. Pesquisas já identificaram, por exemplo, 22 mil espécies diferentes do
fruto, o que faz do banco de germoplasma da Ceplac o maior do planeta. Para
turbinar a produção, somente no ano passado, a partir de convênio com o Estado,
foram distribuídas aos produtores paraenses 14 milhões de sementes
desenvolvidas a partir dessa tecnologia. A tudo isso, soma-se a assistência no
campo, essencial para levar o saber ao homem, que lá atua.
Expansão
No ano passado, o Funcacau
viabilizou a execução de seis projetos, que permitiram a capacitação de
técnicos e produtores, especialmente nas áreas de defesa sanitária e gestão de
negócios, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Uma
das ações prioritárias foi a produção de propágulos, que são materiais de
propagação da cultura, como sementes e clones resistentes às doenças, projeto
executado há dez anos pela Ceplac testado, primeiramente, em Marituba, Tomé-Açu
e Medicilândia.
A área de plantio do Estado, que
hoje chega a 170 mil hectares, também vem crescendo. Por ano, o Pará planta
pelo menos sete mil hectares novos. Considerando que, do total plantado, cerca
de 37 mil hectares não chegaram a produzir – já que o cacaueiro leva, em média,
cinco anos para começar a germinar os primeiros frutos –, a produção tende a
crescer ainda mais. “A produção cresceu em função de uma política de incentivos
forte e consolidada aliada a fatores ambientais. Não temos problemas com
pragas, como a vassoura de bruxa, e aqui a espécie germina naturalmente, graças
à fertilidade do solo e ao clima favorável”, avalia o secretário adjunto da
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), Afif
Jawabri.
O Pará também vem investindo, ao
longo dos anos, no trabalho de assistência ao agricultor, já que a produção
paraense hoje, em grande parte, ainda é familiar. Recentemente, por meio do
Funcacau, foi aprovado um projeto que visa ampliar a ação da Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) sobre a cultura cacaueira. Para
isso, serão investidos cerca de R$ 4,5 milhões. Foi aprovada ainda a criação do
Laboratório de Análise Sensorial, para quantificar as diferenças nas
características de cor, aroma e paladar de sucos, vinhos e frutas, na
perspectiva de um painel de degustadores treinados. O espaço será
operacionalizado pelo Parque de Ciência e Tecnologia do Guamá (PCT Guamá).
Industrialização
Nem só de matéria-prima, porém, o
Pará quer viver. Alcançado o topo no ranking da produção, o desafio agora é
investir no beneficiamento do cacau, para que, em breve, o coelhinho da Páscoa
distribua ovos produzidos por empresas locais. Uma das metas é instalar
unidades fabris que trabalhem a técnica bean to bar (da amêndoa ao chocolate).
Em março deste ano, secretários
de Estado, entre eles, o titular da Secretaria de Desenvolvimento Econômico,
Mineração e Energia (Sedeme), Adnan Demachki, reuniram-se com representantes da
indústria suíça Barry Callebaut, a maior fabricante de chocolates do mundo. A
empresa multinacional, que já atua no município de Altamira adquirindo amêndoas
e gerando 50 empregos, deve instalar uma unidade para transformar a amêndoa de
cacau paraense em licor, que é o chocolate puro em forma líquida. Será a
primeira a atuar neste segmento na região.
Ao mesmo tempo, indústria de
processamento de derivados de cacau Ocra Cacau da Amazônia Ltda., instalada em
uma área de 18 mil metros quadrados, com meta de produção plena até junho de
2019, na Estrada do Tapanã, em Belém, já iniciou a produção de nibs de cacau
(grãos tostados e quebrados). A empresa se prepara ainda para a montagem da
segunda e terceira etapas necessárias à fabricação de massa, manteiga e torta
de cacau, fomentando um novo e promissor nicho de negócios, vital à
industrialização do chocolate na Região Metropolitana de Belém (RMB).
“Já somos o maior produtor de
cacau do Brasil, mas não podemos errar como erramos no passado, só exportando
nossas matérias-primas. Temos de agregar valor à produção. Entre o cacau e o
chocolate, que é o produto final da cadeia, temos uma indústria intermediária,
que é esta, a processadora de nibs, massa e manteiga de cacau, insumos
essenciais à fabricação do chocolate. Ela agora está aqui, começa a produzir e
já gera empregos diretos e indiretos'', afirma Adnan Demachki, referindo-se também
a setores como transporte e embalagens, incluídos nessa cadeia de negócios.
Sensorial
Outra indústria que já beneficia
o cacau no Pará é a Chocolate De Mendes, localizada na colônia Chicano, em
Santa Bárbara do Pará, na RMB. O chef de cozinha e chocolatier que dá nome à
empresa é o responsável por desenvolver produtos criados a partir de cacau
nativo ou selvagem, cultivado por comunidades tradicionais amazônicas, como
quilombolas, indígenas e ribeirinhos. Produtos de alto valor agregado, os ovos
são feitos sob encomenda e hoje vão para diversas partes do País. O quilo do
produto chega a ser vendido por R$ 240.
“O cacau da Amazônia é plantado
por Deus. Tenho esse trabalho junto às comunidades tradicionais porque busco a
experiência sensorial. Estou sempre atrás de um cacau fino, de excelência, que
é altamente valorizado nos mercados nacional e internacional. Pago a esses
produtores um valor quatro vezes maior do praticado no mercado, para
valorizá-los”, diz De Mendes, que trabalha sob encomenda. Para a Páscoa deste
ano, ele enviou uma remessa de 100 ovos e brindes de chocolate para São Paulo.
Além do chocolate nativo, que ele processa na indústria em Santa Bárbara, os
ovos vão em embalagens de cerâmica produzidas pelo oleiro Carlos Pantoja,
professor do Liceu de Arte de Icoaraci. É a receita ideal, com cara e sabor do
Pará, diante dos ovos recheados de brinquedos que hoje dominam o mercado.