Como os manguezais são representados nas
lendas, crenças e manifestações artísticas? De que forma conservar e
reflorestar esses ambientes naturais pode contribuir para a continuidade de
tradições milenares? Em busca de respostas, entender o papel do conhecimento
transmitido entre gerações, essencial à valorização cultural das populações
locais, é ponto de destaque dos estudos apoiados pelo projeto Mangues da Amazônia,
voltado a ações socioambientais em três reservas extrativistas marinhas do
Pará.
Com atividades nos municípios de Augusto
Corrêa, Bragança e Tracuateua, beneficiando diretamente 1,6 mil pessoas, o
projeto, iniciado em março, é realizado pelo Instituto Peabiru e pela
Associação Sarambuí, em parceria com o Laboratório de Ecologia de Manguezal
(LAMA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), com patrocínio da Petrobras,
através do Programa Petrobras Socioambiental.
A iniciativa prevê o plantio de mudas e
sementes para a recuperação de outros 12 hectares, em áreas degradadas, com
oferta de assistência técnica e engajamento social. Ao mesmo tempo, no
propósito de promover o uso sustentável desse ecossistema, berçário da
biodiversidade marinha e fonte de renda para as comunidades, são realizadas
ações transversais promovendo a
sensibilização dessas populações tradicionais, bem como a realização de
atividades socioambientais e de estudos sobre a identidade cultural local.
“O tema é essencial a um maior
reconhecimento e valorização dessas populações, guardiãs dessas matas que
estocam carbono e são importantes no enfrentamento da mudança climática”,
afirma Marcus Fernandes, coordenador do Laboratório de Ecologia de Manguezais
da UFPA.
Na costa do Pará, Maranhão e Amapá, a
Região Amazônica reúne a maior faixa contínua de manguezais do planeta – e
cerca de 80% da extensão total desses ecossistemas no País. E o trabalho de
desvendar e fortalecer esse mundo pouco conhecido pelos brasileiros inclui a
dimensão cultural: “Queremos saber como os manguezais influenciam as
manifestações artísticas nas comunidades ao redor”, explica o engenheiro de
pesca e músico Ruann Lins, apoiado com bolsa de pesquisa em etnomusicologia – o
estudo da relação entre conhecimento tradicional e música. Sabe-se que por lá
existem artistas de carimbó, xote e outros ritmos relacionados à Marujada,
ponto alto dos festejos de São Benedito, de origem afro-brasileira, celebrados
no mês de dezembro.
Das lendas à atividade tradicional das
marisqueiras, as catadoras de marisco nos manguezais, “a cultura faz parte dos
serviços ecossistêmicos ofertados pelos manguezais à humanidade, juntamente com
a biodiversidade, alimentação, regulação do clima e provisão de água, entre
outros”, ressalta Indira Eyzaguirre, pesquisadora do LAMA, voltada a estudos
sobre estratégias de uso sustentável e conservação ambiental baseadas na
valorização desses serviços, inclusive a recreação e lazer.
Como ação paralela à restauração do mangue,
o projeto apoiará o levantamento das plantas existentes nos quintais das casas
e usadas tradicionalmente pela população, promovendo um trabalho de resgate de
memória alimentar. Além disso, identificará os locais utilizados para passeios
e diversão, nos manguezais e arredores das comunidades extrativistas, de modo a
fornecer subsídios ao desenvolvimento do ecoturismo de base comunitária com
possibilidade de geração de renda local.
Com objetivo de conhecer e promover a
valorização da identidade cultural dos indivíduos e grupos que são diretamente
influenciados pelo ecossistema manguezal, o projeto beneficiará o público
infantil através do Clube do Recreio, com ações de educação para crianças até
seis anos. O Clube de Ciências, por sua vez, vai promover a sensibilização de
crianças de até 12 anos para a importância da conservação dos manguezais e da
sua função socioambiental, além de estimular a entrada da ciência na vida da
criança. Na iniciativa de promover a capacitação dos adolescentes, criou-se o
Grupo Comunitário Protetores do Mangue (PROMANGUE), oferecendo treinamento para
atuarem como condutores de trilha e agentes ambientais. Os adultos terão cursos
profissionalizantes, conforme as demandas locais.