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Comunidade que vivem da pesca enfrentam danos - Foto: Ascom/PRPA |
O Ministério Público Federal (MPF) irá
recorrer da suspensão de liminar concedida pela presidência do Tribunal
Regional Federal da 1a Região (TRF1), em Brasília (DF), em favor da usina
hidrelétrica de Belo Monte. A decisão é do último dia 26 e suspendeu a decisão
da Justiça Federal de Altamira (PA) que garantia mais estudos e consulta prévia
sobre o hidrograma da Volta Grande do Xingu, trecho do rio que teve suas águas
desviadas para alimentar as turbinas da usina.
Essa é a sétima vez que a presidência do
TRF1 suspende liminares da primeira instância em favor da usina de Belo Monte.
A suspensão de segurança é um tipo de recurso que retira a efetividade de
qualquer decisão judicial provisória até o trânsito em julgado do processo,
impedindo, na prática, que o tema discutido na ação do MPF seja solucionado
pelo poder Judiciário. Pela legislação que prevê esse tipo de recurso, ele pode
ser manejado quando há evidência de “grave lesão à ordem, à saúde, à segurança
e à economia pública”.
Para o MPF, nenhum desses requisitos
está presente no caso do hidrograma de Belo Monte. Em manifestação que não foi
levada em consideração pela presidência do TRF1, o MPF sustentou que é falsa a
argumentação de que haverá impacto na geração de energia porque, sendo uma
usina a fio d’água, Belo Monte só contribui significativamente para o esforço
energético no primeiro semestre, quando a bacia do Xingu está cheia. Os efeitos
da liminar suspensa só valiam para o segundo semestre de 2021.
Na decisão suspensa, a Justiça Federal
de Altamira tinha ordenado a manutenção, até dezembro, de um hidrograma
calculado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) para permitir a
sobrevivência da Volta Grande do Xingu, enquanto novos estudos sobre os
impactos do desvio eram realizados pela concessionária Norte Energia. Agora,
volta a valer um hidrograma muito mais restritivo para as comunidades
indígenas, ribeirinhas e para os ecossistemas da região, todos dependentes do
ciclo de inundações do rio.
Além de assegurar o controle da
concessionária sobre as águas do Xingu, a suspensão de liminar desobrigou a
Norte Energia e o Ibama de realizarem a consulta prévia, livre e informada às
comunidades atingidas, direito assegurado pela Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e que garantiria a participação dos moradores
na decisão sobre o desvio do rio. Para o MPF, ouvir as comunidades não é um
fato exclusivo da fase de licença prévia, mas uma obrigação que se aplica a
todos os atos que produzam impactos para a comunidade.
A suspensão também se aplica à exigência
de transparência sobre o licenciamento, ordenada pela liminar de 1ª instância,
que determinou ao Ibama que informe a população sobre a análise dos estudos
produzidos pela Norte Energia. Nem a consulta prévia, nem a transparência sobre
as análises do Ibama, nem o hidrograma provisório que seria mantido até
dezembro de 2021 teriam nenhum impacto sobre a geração de energia, argumentou o
MPF, que deve apresentar recurso contra a suspensão.
Entenda o caso - Desde 2019, estudos
científicos demonstram impactos graves sobre a vida na região da Volta Grande
do Xingu, com mortandade de peixes, rompimento de processos ecológicos e uma
situação de emergência humanitária entre as 25 comunidades indígenas e
ribeirinhas que vivem no local. Esse trecho de 130 quilômetros do rio sofre a
mais profunda interferência da usina de Belo Monte, não por alagamento, mas
pelo desvio da vazão do rio, que é conduzida por um canal de concreto até as
turbinas da hidrelétrica. A seca permanente criada por esse desvio provoca
alterações drásticas para animais, plantas e pessoas. Em parecer de dezembro de
2019, a equipe técnica do Ibama, responsável pelo licenciamento da usina,
atestou a gravidade dos impactos e considerou impossível manter o desvio sem
segurança sobre os riscos para as comunidades e o meio ambiente.
Na época, o Ibama determinou a aplicação
do chamado hidrograma provisório, que previa a liberação de quantidades mínimas
de água – maiores do que os hidrogramas previstos anteriormente – para os
ecossistemas até que fossem realizados três estudos complementares que
demonstrassem afinal qual a quantidade de água necessária para garantir o
alagamento de florestas, a alimentação e
reprodução da fauna aquática, cruciais para a sobrevivência de toda a
região e a manutenção dos modos de vida indígenas e ribeirinhos. A Norte
Energia tinha o prazo de um ano para realizar esses estudos, mas apresentou
apenas dois deles. Ao analisá-los, os técnicos do licenciamento ordenaram a
devolução e readequação dos estudos porque não responderam à questão
fundamental sobre a segurança para os ecossistemas.
Com a devolução dos estudos em fevereiro
de 2021, a Norte Energia, responsável pela usina, ganhou prazo de mais um ano,
até 2022, para concluí-los. Mas, em vez de manter o hidrograma provisório que
reduz os impactos do desvio das águas, foi assinado um termo de compromisso
entre o Ibama e a empresa que permitiu a aplicação do hidrograma B, sem nenhuma
garantia técnica ou científica de que possa manter a vida na Volta Grande do
Xingu.
Para o MPF, a decisão do Ibama de
liberar o hidrograma B carece de “tecnicidade”. O termo de compromisso assinado
com a concessionária afirma que seriam aplicadas 16 medidas de mitigação
adicionais como compensação pela perda da água na Volta Grande. Mas um grupo de
pesquisadores analisou as medidas e concluiu que, das 16, 13 são obrigações da
Norte Energia que já constam no Plano Básico Ambiental de Belo Monte, muitas
das quais estão inclusive atrasadas e representam uma dívida da empresa. As
outras três são projetos experimentais que não foram aprovados pela equipe
técnica do Ibama e que consistem em lançar alimentos para a fauna aquática,
plantar mudas de árvores nas margens secas do rio e desenvolver protocolos de
reprodução e repovoamento dos peixes.
Processo nº 1000684-33.2021.4.01.3903 –
Justiça Federal em Altamira (PA)