Embora o manejo participativo de
jacarés possua autorização legal, ainda é uma atividade pouco desenvolvida por
populações tradicionais e ainda há muito a ser desenvolvido em relação às
metodologias e técnicas para a sustentabilidade da atividade. Exemplo disso é
que ainda não existe um modelo padrão de estrutura flutuante para o abate do
animal, embora a legislação que autoriza e estabelece regras para este manejo
esteja em vigor há mais de cinco anos. Visando solucionar esta lacuna, o
Instituto Mamirauá está desenvolvendo a Planta de Abate Remoto (Plantar), que
será uma estrutura piloto para o desenvolvimento do manejo participativo de
jacarés.
A proposta é que a Plantar possa
servir de modelo, em acordo com as legislações vigentes e conciliando
sustentabilidade ambiental, tecnologia e inovação, e adequação às exigências
higiênicas e sanitárias, como descreve o pesquisador do Grupo de Pesquisas em
Inovação, Desenvolvimento e Tecnologias Sustentáveis do Instituto Mamirauá,
João Paulo Borges Pedro. "Ainda não existe no estado do Amazonas uma
estrutura flutuante que permite abater jacarés e que contemple as exigências
legais e sanitárias. Além disso, a estrutura flutuante é inovadora porque
permitirá que o abate de jacarés, seguindo os protocolos de manejo, seja
realizado na área da comunidade, próximo aos locais de captura, reduzindo assim
o esforço dos comunitários envolvidos com o processo", comentou.
A estrutura está sendo construída
no município de Tefé, no Amazonas, com envolvimento de técnicos e pesquisadores
do Instituto, que atua como uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações. Será uma estrutura flutuante de metal, de
112 metros², com tecnologias adaptadas para geração de energia e tratamento de
água e resíduos. Esta ação é financiada pela Fundação Moore.
Manejo
Robinson Botero-Arias,
pesquisador do Instituto Mamirauá, reforça que as pesquisas científicas já
demonstraram que o manejo de jacarés é viável na região. De acordo com o
pesquisador, são dois locais com informações científicas de longo prazo, no
estado do Amazonas, sobre o status das populações de jacarés: a Reserva
Mamirauá e a Reserva Piagaçu-Purus. Estes resultados dão suporte científico
para a implementação de um sistema participativo de manejo de jacarés pelas
comunidades locais.
"Na Reserva Mamirauá, temos
informações sobre a dinâmica populacional, uso de habitat e ecologia
reprodutiva dos jacarés, importantes no desenvolvimento do sistema de zoneamento
e uso", comentou Robinson. O pesquisador enfatiza que estes dados são
"a base para a implementação e acompanhamento do uso de jacarés, dentro
dos preceitos de manejo participativo, no qual o monitoramento é componente
fundamental para entender o efeito sobre as populações naturais, após as
extrações, e garantir assim a sustentabilidade ecológica".
Inovação
Toda a energia utilizada para o
funcionamento dos equipamentos e tecnologias da Plantar será gerada a partir de
um Sistema de Energia Solar Fotovoltaica, escolha para evitar a utilização de
combustíveis fósseis e o lançamento de gases nocivos à atmosfera. A água
utilizada durante o manejo será obtida por um Sistema de Captação e Tratamento
de Água de Chuva. O projeto também conta com a instalação de um Sistema de
Tratamento de Efluentes, para que a água suja, gerada durante o processo
produtivo, seja tratada antes de ser devolvida ao rio, e também de um Sistema
de Armazenamento de Resíduos Sólidos.
"No Instituto Mamirauá,
sempre tivemos a preocupação com a geração de renda das famílias ribeirinhas,
conciliada ao uso sustentável dos recursos naturais. Assim, desde a concepção
do projeto Plantar, consideramos como prioridade o uso de tecnologias de baixo
impacto ambiental", contou João Paulo. O pesquisador explicou que, após
muitas discussões e planejamento, a equipe chegou a um modelo de flutuante que
pode ser considerado sustentável, a partir da utilização dessas tecnologias.
O projeto terá a duração de três
anos. Neste primeiro ano de realização, a Plantar está sendo construída e
haverá a instalação de todos os dispositivos e tecnologias. Após esta etapa,
será feito o primeiro manejo participativo de jacarés nesta estrutura, previsto
para 2018. Todo processo é executado com o envolvimento de uma equipe de
especialistas do Instituto Mamirauá, formada por engenheiros ambientais e
sanitários, um zootecnista, uma médica veterinária, biólogos, especialistas em
tecnologias sociais, entre outros. O manejo participativo será realizado na
Reserva Mamirauá, por um grupo de manejadores, com assessoria técnica do
Instituto.
Histórico
Em 2000, a lei n°9.985 instituiu
o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. O capítulo III
delimita as diferentes categorias de unidades de conservação e autoriza o uso
de recursos naturais pelas populações que vivem em áreas protegidas como
Reservas Extrativistas (Resex) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
Em 2004, o Governo do Estado do
Amazonas desenvolveu o primeiro projeto de manejo experimental de jacarés na
Amazônia. O local escolhido para a implementação do projeto foi a Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Desde então, foram realizadas quatro
experiências de manejo com o mesmo grupo de manejadores do setor Jarauá, uma
das áreas da divisão administrativa da Reserva (em 2004, 2006, 2008 e 2010). O
Instituto Mamirauá contribuiu com dados de pesquisa sobre a biologia e ecologia
de duas espécies que ocorrem na região: o jacaré-açú e o jacaretinga. A partir
de 2008, o Instituto passou a colaborar com o Governo do Estado com o
acompanhamento da aplicação dos critérios técnicos, junto às comunidades que
realizaram a atividade.
"O que fundamentou se pensar
no manejo foi a descoberta de uma grande quantidade de jacarés na Reserva
Mamirauá, o recurso natural fundamental para se fazer isso. Depois, foi a base
legal que permite o manejo de recursos naturais em RDS e Resex. Além disso, já
se desenvolvia um sistema de manejo participativo funcionando muito bem na
reserva, que era do pirarucu. E também que existia um histórico de exploração
tradicional do jacaré na região", comentou Diogo de Lima Franco,
pesquisador do Instituto Mamirauá.
As experiências destes quatro
projetos experimentais serviram como base para a publicação de legislações
estaduais que regularizam o manejo participativo do jacaré: a resolução de
n°008, publicada em 2011 pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amazonas,
que delimita aspectos básicos do manejo, por exemplo a cota e tamanho do
indivíduo autorizados para abate. E a instrução normativa n°001, publicada
também em 2011 pela Secretaria de Estado de Produção Rural e pela Comissão
Executiva Permanente de Defesa Sanitária Animal e Vegetal do Estado do
Amazonas, que dispõe sobre as questões técnicas, estruturais e metodológicas do
abate e do processamento das espécies.
Em 2013, tendo como base as
experiências com o apoio ao desenvolvimento de manejo participativo comunitário
e as pesquisas científicas já realizadas, o instituto Mamirauá lançou o
protocolo "Construindo as bases para um Sistema de Manejo Participativo
dos Jacarés Amazônicos". A publicação, que está disponível gratuitamente
para consulta e download no site do Instituto, estabelece os critérios e
princípios para o manejo participativo sustentável.
Algumas das etapas, descritas no
protocolo, são a organização comunitária, o sistema de zoneamento das áreas de
manejo, o método participativo de contagem de jacarés, a identificação da
cadeia de comercialização, o abate, e o amparo legal para realização da
atividade, entre outras.