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Atrelar atendimento à saúde à demarcação de território é violar direitos e identidade indígena, destacou o MPF (imagem ilustrativa por Bruno Glätsch em licença CC0 via Pexels.com e Pixabay.com) |
O Tribunal Regional Federal da 1ª
Região (TRF-1), em Brasília (DF), acatou recurso do Ministério Público Federal
(MPF) e determinou à União que adote medidas para o atendimento à saúde dos
indígenas Atikun da região de Redenção, no sudeste do Pará. A desembargadora
federal Daniele Maranhão Costa estabeleceu urgência na comunicação da decisão,
assinada no último dia 20.
“É plausível o entendimento de
que há um iminente risco para a sadia qualidade de vida dos indígenas na não
concessão, em sede de antecipação de tutela, ao direito de tratamento
diferenciado na qualidade de índio”, registrou a desembargadora federal na
decisão.
A decisão é semelhante a outra
decisão da Justiça Federal que, também em atendimento a pedido do MPF, em 2016
determinou o atendimento a 13 etnias da região de Santarém, no oeste do Pará,
independentemente de viverem na zona rural ou não, e independentemente de terem
suas terras terem sido demarcadas ou não (saiba mais).
No caso de Redenção, a Justiça
Federal em primeira instância negou as solicitações, o que levou o MPF a
recorrer ao TRF-1.
Pedidos – O MPF pediu ao TRF-1
que obrigasse a União a realizar, dentro de 90 dias, o cadastramento no Sistema
de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Siasi) de todos os indígenas que
habitam a região de Redenção, incluindo os Atikun e outras etnias que
eventualmente também não estiverem sendo atendidas.
Também foi pedido que a União
fosse obrigada a passar imediatamente a atender indígenas Atikun – e os de
qualquer outra etnia ou território – nas Casas de Saúde Indígena (Casais) e nos
Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) da região.
O MPF pediu que a decisão urgente
determinasse, ainda, o estabelecimento de serviços de saúde e a construção, no
prazo máximo de 180 dias, de módulos sanitários básicos (posto de saúde, fossa
séptica e poço) na aldeia Umã, da etnia Atikun, independentemente da conclusão
da regularização fundiária.
Direito à autodeterminação – Em
2015, antes de levar o caso à Justiça, o MPF encaminhou recomendação à
Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, para que
a secretaria prestasse o atendimento aos Atikun.
Em resposta, a Sesai disse que os
indígenas que não vivem em áreas demarcadas teriam perdido suas identidades
como indígenas e que, por isso, não caberia à secretaria atendê-los.
Essa teoria da Sesai foi
criticada pela procuradora da República Tatiana de Noronha Versiani Ribeiro no
recurso enviado ao TRF-1. “Causa espanto tal declaração, pois, a um só tempo,
substitui a compreensão de um direito por um ‘privilégio’ e menospreza a
condição identitária indígena, como se o índio ‘urbanizado’ (termo
inequivocamente pejorativo, diga-se de passagem) fosse menos índio que os
demais, numa clara visão edílica do bom salvagem, visão esta abandonada pela
Constituição Federal de 1988 e pela Convenção nº 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT)”.
A Constituição e a convenção 169
da OIT garantiram o direito supremo à autodeterminação desses povos, lembra a
procuradora da República, “assegurando a eles o respeito à forma de
sobrevivência e aos costumes que bem entenderem seguir, sem padronizações e
estigmatizações exógenas”.
Ofensa à identidade – A adoção da
demarcação do território em que as populações indígenas vivem como critério
determinante para a prestação de assistência à saúde e de serviços de
saneamento ofende a identidade desses povos, defende o MPF.
“Não é necessária a manutenção de
um isolamento forçado dessas comunidades de modo a impedir seu acesso a bens e
utilidades da vida moderna para que só assim sejam reconhecidos como índios”,
ressalta a procuradora da República. “O que define o indígena é seu
autorreconhecimento como tal e sua ligação aos costumes, crenças e tradições”,
destaca.
“Logo, é pressuposto para
previsão, planejamento e execução de qualquer política pública em relação aos
povos indígenas que se adote os critérios normativos de identificação indígena,
sem acréscimo de outros com indevido conteúdo discriminatório”, complementa a
representante do MPF no recurso ao TRF-1.
“Importante esclarecer que a
maioria dos índios desaldeados se encontram nessa situação, na maioria das
vezes, não por opção, mas em razão de terem sido expulsos de suas terras por
invasores (grileiros, madeireiros, garimpeiros, Cortes europeias, Estado
brasileiro, etc.), por insegurança econômica, ausência ou precariedade de
serviços básicos como saúde e educação ou até mesmo para estudar e/ou
trabalhar. Portanto, necessitam de amparo estatal diferenciado do não índio,
direito esse que já teve reconhecimento na jurisprudência”, lembra a
procuradora da República.
Processo nº
0002768-57.2017.4.01.3905 - 1ª Vara da Justiça Federal em Redenção (PA)